Acesso a água potável é essencial para sair da pobreza, defende investigador sueco
O acesso a água potável é um importante aliado dos cidadãos que vivem na extrema pobreza –sobretudo as mulheres e crianças – e permite-lhes subir um degrau na escada da classe social. Esta ascensão pode ser feita de forma directa – um fácil acesso a água potável pode significar mais uma criança a frequentar a escola – e não a ir buscar baldes de água a vários quilómetros de distância; e indirecta: ir à escola é a única oportunidade que uma criança tem de mudar a sua própria situação social, através da educação.
Estas duas ideias foram hoje desenvolvidas em Lisboa por Hans Rosling, o médico, investigador e estatístico sueco que foi co-fundador e presidente da Gapminder Foundation e a quem foram dadas honras de inaugurar o Congresso Mundial da Água.
Desta vez, Rosling não engoliu uma espada, como nesta célebre conferência TED, mas o bom humor e veia de entertainer estiveram presentes, sobretudo quando as suas estatísticas entravam em cena – e foram muitas.
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Segundo Rosling, a água potável – e o fácil acesso a ela – é um dos temas mais importantes dos países afectados pela extrema pobreza. E deu o exemplo da família que, por não ter acesso directo a água potável, tem de “obrigar” dois dos seus filhos a ir buscá-la a vários quilómetros de distância. Caso esta situação aconteça, eles não poderão frequentar a escola e perderão algumas das poucas hipóteses que têm de melhorar a sua situação social.
Rosling até deu um exemplo: com uma simples solução inovadora – um carrinho de mão financiado por microcrédito do Banco Mundial, por exemplo –, qualquer família poderá colocar um adulto, sozinho, a buscar água, permitindo que os seus filhos frequentem as aulas.
A solução pode parecer tão simples quanto básica, mas a verdade é que é esta a realidade africana – e Rosling conhece-a bem, uma vez que viveu bastantes anos em África, incluindo, entre 1979 e 1981, em Nacala, Moçambique.
Na escola, estas crianças poderão aprender a defender os seus direitos, saber mais sobre a sua própria saúde e bem-estar, desenvolvimento de infra-estruturas básicas e tecnologias agrícolas, e descobrir formas de obter crédito ou microcrédito.
Segundo Rosling, a revolução da água nos países afectados pela pobreza extrema vai também beneficiar as mulheres. Quando estamos a falar desta realidade social, o mais importante é reduzir o trabalho das crianças e mulheres – os homens terão de passar a ter orgulho no facto de os seus filhos estudarem, e não na quantidade de filhos que têm.
Por outro lado, há questões indirectamente ligadas a este fenómeno e que estão a atrasar o desenvolvimento económico e social destas pessoas. As lesões na coluna são muito frequentes em mulheres que carregam água todos os dias; outras, que não têm casa de banho em casa, são atacadas sexualmente nos banheiros públicos.
Boom asiático e africano
No início da conferência, Rosling dividiu o planeta em quatro locais: América, África, Ásia e Europa. Se cada mil milhões de pessoas representarem uma única, América tem hoje uma pessoa – assim como África e Europa -, contra quatro da Ásia. Estes números vão evoluir nos próximos tempos: em 2050, África e Ásia ganharão um segundo habitante; e em 2010, África contará quatro habitantes – o equivalente a quatro mil milhões de habitantes. “Cerca de 80% da população global viverá na Ásia ou África em 2100”, avisou o investigador sueco.
Segundo Rosling, um dado que tem passado despercebido à opinião pública é a estagnação do número de crianças em todo o mundo. “O número de crianças parou de crescer no mundo – é o maior evento que alguma vez passou despercebido aos media: a Ásia e África estão a decrescer no número de filhos por mulher”, continuou.
Hoje, cada vez mais famílias de países em desenvolvimento decidem quantos filhos querem ter através do bem-estar que lhes poderão providenciar. É aqui que entra a importância da água no desenvolvimento económico e social. Seis em cada sete mil milhões de pessoas do mundo tem hoje acesso a água boa. “Menos de mil milhões de pessoas ainda não tem acesso a boa água, mas o problema hoje está relacionado com a qualidade da água – contaminações, problemas tóxicos”, explicou Rosling.
Para que a educação permita que os novos pais tenham uma nova visão do planeamento familiar, a água é fundamental. “Temos de levar boa água a estes mil milhões de pessoas – e melhorar a qualidade da água. Mas parabéns ao vosso sector, que está a fazer um trabalho extraordinário”, elogiou.
No entanto, há uma questão que deixa Rosling intrigado: há mais pessoas com acesso a telemóvel do que com acesso a água potável e saneamento básico – uma realidade sobretudo visível na Índia, onde vivem 1,3 mil milhões de pessoas. E qual a solução de Rosling? “Temos de inventar a casa de banho digital – os engenheiros conseguiram levar o telemóvel a vários pontos do Planeta, porque não fazem o mesmo com o saneamento básico?”.
No final da conferência, e depois de já outros oradores terem respondido a várias questões, Rosling terminou com uma pergunta que ficou a pairar na cabeça dos conferencistas, naquele final da manhã: “Sabem do que ninguém falou aqui hoje? Das alterações climáticas. Precisamos de agir rapidamente nas questões da água e saneamento básico, devido às alterações climáticas. Não se esqueçam disto: o clima vai mesmo mudar”. Mas já não havia tempo para mais.
Foto: Department of Foreign Affairs and Trade / Creative Commons
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