Aeroporto no Montijo pode causar “grandes impactos” sobre as aves do Estuário do Tejo, alertam cientistas



Os planos para a criação de um novo aeroporto na Área Metropolitana de Lisboa estão ainda em fase de discussão, com a comissão técnica independente criada pelo Governo a estudar vários possíveis locais de instalação da nova infraestrutura. Até ao momento, são já nove as possibilidades, mas aquelas que incluem o Montijo estão a fazer soar alertas junto da comunidade científica.

Num artigo publicado na revista ‘Animal Conservation’, um grupo de investigadores, coordenado pelo Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, avisa que se o aeroporto no Montijo avançar, colocará em risco as populações de aves que habitam o Estuário do Tejo, uma área de grande diversidade biológica, especialmente ao nível da avifauna.

Nas contas destes cientistas, a infraestrutura poderá afetar cerca de 68% dos maçaricos-de-bico-direito (Limosa limosa), uma ave limícola de tons acastanhados que passa o inverno em Portugal e que deriva o seu nome da forma do seu bico, especialmente adaptado para detetar e capturar presas, como crustáceos, nos sedimentos lodosos, e que está classificada como ‘vulnerável’ na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Os autores garantem que essa percentagem “é superior ao estimado pelo Estudo de Impacto Ambiental associado a esse projeto aeroportuário”, que aponta que apenas 6% da população de maçaricos dessa área serão afetados.

O maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa) é uma das várias espécies de aves que usa o Estuário do Tejo, uma Zona de Proteção Especial, para passar o inverno e como ‘estação de serviço’ durante as suas migrações para o Norte da Europa.
Foto: Matti Virtala / Wiki Commons

“[A]o considerar os movimentos de maçaricos de forma individual e tendo em conta aqueles que usam a zona impactada pelo ruído, descobrimos que mais de 68 por cento dos maçaricos que invernam no estuário do Tejo estariam expostos à perturbação causada pelas aeronaves, e 44 por cento considerando apenas os que usam” essa Zona de Proteção Especial, aponta Josh Nightingale, investigador do CESAM e um dos autores do artigo.

O Estuário do Tejo é uma zona de importância crítica para o maçarico-de-bico-direito, albergando milhares de indivíduos dessa espécie não apenas durante o inverno, também durante o período de migração da primavera, concentrando-se as aves nessa zona húmida antes de partirem rumo aos locais de reprodução no Norte da Europa.

Foi a relevância para esta espécie, e outras, que levou a que esse local fosse designado como Zona de Proteção Especial (ZPE), ao abrigo da Diretiva Aves, da União Europeia, e que está também contemplada na legislação nacional.

Os investigadores explicam que os esforços de conservação das aves, ao contrário de muitos outros grupos taxonómicos, devem ter em conta as deslocações feitas por estes animais, que podem ir desde curtas distâncias diárias até migrações sazonais de vários quilómetros entre continentes. No entanto, lamentam que, habitualmente, os métodos para “identificar e quantificar ameaças a estas espécies nas áreas protegidas dependem das contagens de animais em locais fixos”, o que faz com que não sejam devidamente considerados “os seus movimentos que unem locais dentro e fora da(s) área(s) protegida(s)”.

Nightingale explica que os métodos tradicionais de contagem de aves e para avaliar os possíveis impactos de infraestruturas humanas, como um aeroporto, são insuficientes.

“Se eu for ao aeroporto de manhã cedo contar as pessoas que estão presentes quando os primeiros voos do dia estão prestes a sair irei certamente contar várias centenas de pessoas”, afirma, indicando que, nesse mesmo local, “estarão apenas algumas pessoas após esse horário de maior movimento, ou seja, o momento da contagem faz a diferença”.

E aponta que “a mesma coisa pode acontecer nas contagens de aves: ao contar num período de menor afluência, ou assumir que os indivíduos contados são sempre os mesmos, corremos o risco de subestimar a importância do sítio e da conectividade entre locais usados para diferentes fins, como para alimentação ou descanso”.

Para ultrapassar esse obstáculo, os investigadores colocaram anilhas coloridas nas patas dos maçaricos-de-bico-direito, permitindo que fossem observadas à distância, e combinaram essa técnica com um método estatístico chamado ‘Análise de Redes’.

Recolhendo informação sobre os movimentos dessa espécie no Estuário do Tejo entre 2000 e 2020, os cientistas puderam analisar “os efeitos da construção de um aeroporto no Montijo, com aviões a sobrevoar a área protegida a baixa altitude (a partir de 200 metros) e a uma elevada frequência (um movimento a cada 2,5 minutos), tal como descrito no Estudo de Impacte Ambiental”, é explicado em comunicado da Universidade de Aveiro.

Por sua vez, José Alves, investigador principal do CESAM e outro dos autores do estudo, revela que “utilizámos as observações individuais de maçaricos-de-bico-direito que invernam no estuário do Tejo para calcular quantos deles utilizam locais que serão afetados pelo ruido provocado pelas aeronaves, nos níveis que se sabe produzirem efeitos no comportamento das aves, incluindo o abandono destes locais”.

Assim, foi possível estimar os impactos do aeroporto do Montijo “em futuros movimentos de maçaricos em todo o estuário”.

Os cientistas olham para os planos de construção de um aeroporto no Montijo com preocupação, uma vez que as aves podem não vir a fazer uso das “novas áreas de habitat eventualmente criadas como medidas de compensação pela perturbação causada por um aeroporto no Montijo, tal como proposto na [Declaração de Impacte Ambiental]”.





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