Alterações climáticas: A chegada antecipada da primavera põe em risco os abelhões (e outros polinizadores)



Os abelhões pertencem ao género taxonómico Bombus, que inclui centenas de espécies diferentes, são fundamentais não apenas para a segurança alimentar humana, pois desempenham um papel essencial na polinização de culturas agrícolas, mas também para o funcionamento e saúde dos ecossistemas dos quais fazem parte.

No entanto, o uso dos solos e as alterações climáticas estão a dizimar as populações de abelhões um pouco por todo o mundo, afetando a disponibilidade de fontes de alimento das quais este inseto depende para sobreviver. Num artigo publicado no final de fevereiro na revista ‘Biodiversity and Conservation’, um grupo de investigadores alerta que estamos a perder espécies de abelhão a um ritmo preocupante e apontam que o aquecimento global é um dos principais motores.

As rainhas dos Bombus são as únicas que sobrevivem ao inverno, hibernando em abrigos escavados no solo. Há medida que a temperatura sobe, sinalizando que a primavera está a caminho, as ‘monarcas’ abandonam os seus esconderijos invernais e passam algumas semanas em busca de um novo local onde possam depositar os seus ovos e dar início a uma nova colónia.

Contudo, as alterações climáticas estão a fazer com que a primavera chegue mais cedo. O estudo revela que na Suécia, por exemplo, o primeiro voo das rainhas Bombus acontece hoje cinco dias mais cedo do que há 20 anos.

“Por toda a Suécia, vemos que o aumento das temperaturas devido às alterações climáticas está claramente a afetar o momento em que as rainhas acordam e voam à procura de um novo ninho”, afirma Maria Blasi, da Lund Universty e principal autora do artigo.

Ao analisarem espécimes de rainhas Bombus de há 117 anos, da coleção do Museu Biológico de Lund, os cientistas constataram que, em paisagens de agricultura intensiva, o primeiro voo está a acontecer 14 dias antes.

Os autores dizem que a expansão de campos agrícolas intensivos está a causar a perda de biodiversidade habitualmente associada às áreas de agricultura e que a antecipação do primeiro voo das rainhas se deve ao clima mais quente, mas também às transformações da paisagem, que, por apresentarem uma menor diversidade de espécies de flora, limitam a quantidade de fontes de alimento disponíveis para os pequenos insetos polinizadores.

Este desfasamento entre o início da atividade dos abelhões e a época da floração pode fazer com que os insetos tenham à sua disposição menos alimento, agravando ainda mais o declínio populacional dessas espécies.

“Estamos perante um claro risco de cada vez mais espécies de abelhão ficarem ameaçadas de extinção localmente, especialmente as espécies que habitualmente emergem [do período de inverno] mais tarde no verão. Isto pode também levar a um declínio do número total de abelhões e ter consequências para a polinização das culturas e para o funcionamento dos ecossistemas”, salienta Anna Persson, outra coautora do artigo.

Por sua vez, Romain Carrié, que também assina o estudo, alerta que “as alterações climáticas e a modificação do uso do solo são duas das maiores ameaças à diversidade biológica”, explicando que “diferentes espécies respondem de forma diferente a estas mudanças, pelo que e importante saber mais acerca de como e porquê elas acontecem”.

Assim, para minimizar os impactos das alterações climáticas e do uso intensivo do solo sobre os polinizadores, os investigadores defendem, por exemplo, a preservação de pradarias naturais, o corte de ervas só depois do período de floração e a criação de faixa de flores que promovam a alimentação dos polinizadores.

UE quer reverter declínio dos polinizadores até 2030

De recordar que no final de janeiro a Comissão Europeia apresento uma nova estratégia para combater o que considera ser o “declínio alarmante” dos polinizadores na Europa, sendo que o objetivo é reverter as perdas populacionais até 2030.

“O declínio dos polinizadores representa uma ameaça tanto para o bem-estar humano, como para a natureza”, pode ler-se no documento, e essas perdas afetam negativamente a produtividade agrícola na UE, e não só, “agravando ainda mais a tendência influenciada por outros fatores, destacadamente a atual situação geopolítica com a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia”.

Em conversa com a ‘Green Savers’, Sílvia Castro e João Loureiro, investigadores do Centro de Ecologia Funcional, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, avaliaram como positiva essa nova estratégia, e consideraram que colocará a Europa, e também Portugal, no caminho certo para a proteção e conservação destes pequenos animais, frequentemente desvalorizados, mas cuja importância não pode, nem deve, ser menosprezada.

“A estratégia que já vinha sendo promovida desde 2018 já era bastante robusta”, contou-nos, na altura, João Loureiro, mas o surgimento de novos conhecimentos, fruto sobretudo de projetos europeus, permitiu alcançar este ‘Novo Pacto para os Polinizadores’, que “coloca metas bastante ambiciosas”, pois a sua implementação ao nível dos Estados-membros poderá vir a ser “difícil”. Por isso, apesar de a estratégia apontar para 2030 como o ano em que arrancará a reversão da perda de polinizadores, é possível que haja mais do que uma velocidade.

Como nos explicou então Sílvia Castro, os vários países “estão em diferentes momentos do seu próprio desenvolvimento interno, o que faz com que seja muito difícil que todos arranquem do mesmo ponto de partida”. Por isso, Estados-membros que tenham já, pelo menos, parte do trabalho feito, terão um avanço sobre os demais.





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