Animais selvagens em áreas protegidas continuam a ser afetados pelo que se passa fora delas
Uma das principais metas da Estratégia Global para a Biodiversidade, aprovada em dezembro do ano passado na COP15, é designar pelo menos 30% dos habitats terrestres e aquáticos como áreas protegidas até 2030. O objetivo é travar a degradação e perda de ecossistemas e atenuar os impactos das alterações climáticas.
No entanto, os efeitos negativos das atividades humanas sobre a vida selvagem, mesmo sobre as espécies de animais e plantas em áreas legalmente protegidas, podem não estar a ser devidamente aplacados.
Num artigo divulgado esta semana na ‘Nature Ecology & Evolution’, um grupo de cientistas de vários países alerta que os mamíferos tropicais que vivem em áreas protegidas continuam a ser afetados pelas ações humanas que acontecem fora dos limites dessas zonas.
Recorrendo a dados recolhidos por mais de mil dispositivos de foto-armadilhagem, a investigação de vários anos procurou identificar e estudar os fatores de pressão antropogénicos, como a expansão das populações humanas e a fragmentação de habitats, sobre 159 espécies de mamíferos em 16 áreas protegidas em regiões tropicais.
Os cientistas concluíram que as espécies que dependem de habitats específicos, consideradas ‘especialistas’, são as mais vulneráveis a impactos humanos como a caça e alterações nos regimes de uso e ocupação dos solos. Por outro lado, as espécies generalistas, com uma maior flexibilidade ecológica, tendem a apresentar maior capacidade de adaptação a esses fatores de stress.
Os autores explicam que, devido às atividades humanas que decorrem nas imediações das áreas protegidas, as espécies especialistas, como o pangolim arborícola Phataginus tricuspis, procurarão afastar-se dos limites dessas zonas e concentrar-se no seu centro, onde a densidade florestal será maior.
“Os habitats são mais variados nos limites da área protegida”, refere Asunción Semper-Pascual, investigadora da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida e primeira autora do artigo. Em contraponto, as espécies generalistas tendem a singrar nas áreas de encontro entre a área protegida e o exterior, “porque dá acesso a diferentes recursos”, acrescenta.
Ainda assim, alguns desses animais mais adaptáveis a diferentes tipos de habitats, como a irara (Eira barbara), pequeno omnívoro nativo do Brasil, embora possam viver tanto em áreas densamente florestadas como em ambientes intervencionados, por exemplo, pela agricultura, só podem sobreviver nos limites das áreas protegidas se a densidade populacional humana for reduzida. Caso contrário, podem originar conflitos com as populações humanas e ser caçados pelos agricultores e criadores de gado que se instalam nas imediações das áreas protegidas, que procuram proteger as suas fontes de subsistência.
Por isso, os cientistas dizem que as estratégias de conservação de espécies selvagens devem ter em consideração não só o que se passa dentro das áreas protegidas, mas devem necessariamente atentar no que se passar for delas.
“À medida que cada vez mais áreas protegidas são criadas, precisamos de pensar cuidadosamente em como os fatores tanto dentro como fora das áreas protegidas influenciam a biodiversidade”, salienta Semper-Pascual.
Já Lydia Beaudrot, da Universidade de Rice (Estados Unidos da América) e outra das autoras, defende uma abordagem holística à conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Para a investigadora, esses projetos devem ter em conta as especificidades dos locais onde são implementados e devem ser realizados “conjuntamente com as pessoas que vivem lá, para criar situações de ganho mútuo quer para as pessoas quer para a vida selvagem”.