Centenas de cientistas dizem “Não” ao uso da geoengenharia solar para combater aquecimento global
O aquecimento global é uma das maiores crises que neste momento enfrentamos, que coloca em risco a própria sobrevivência da vida na Terra. Séculos de poluição desregrada acumularam, e continuam a acumular, na atmosfera grandes quantidades de gases com efeito de estufa que, como o nome indica, impedem que a radiação solar que atinge o planeta possa dissipar-se, fazendo subir a temperatura e afetando praticamente todas as formas de vida e perturbando os equilíbrios ecológicos de que todos dependemos.
Esse cenário levou ao surgimento do que é conhecido como geoengenharia solar, que propõe que é possível reduzir a quantidade de luz solar que atinge a Terra, refletindo essa radiação de volta para o espaço, com o objetivo de diminuir a temperatura do planeta. Contudo, um coro cada vez mais audível de vozes alerta que poderemos estar perante uma situação em que “é pior a emenda do que o soneto”.
Os riscos associados a esse novo conjunto de tecnologias, ainda teóricas, levaram um conjunto de cientistas de todo o mundo a criar a iniciativa ‘Solar Geoengineering – Non-Use Agreement’, que tem como principal propósito impedir a proliferação global da geoengenharia solar e apelam às Nações Unidas e aos líderes mundiais que não façam dessa uma opção para combater as alterações climáticas.
“Os governos e as Nações Unidas devem efetivamente tomar o controlo político e restringir o desenvolvimento de tecnologias de geoengenharia antes que seja demasiado tarde”, apelam os mais de 370 académicos signatários de uma carta aberta na qual apelam à criação de um acordo internacional para a não-utilização da geoengenharia solar.
Entre as preocupações avançadas, o coletivo argumenta que não se compreendem ainda bem quais os riscos do uso dessas tecnologias e que podem mesmo nunca vir a ser conhecidos plenamente.
Explicando que os impactos serão diferentes de região para região, alertam que “existem incertezas sobre os efeitos nos padrões meteorológicos, na agricultura” e nas fontes de fornecimento de alimento e de água.
Além disso, os signatários dizem que “as esperanças especulativas” depositadas na geoengenharia solar “ameaçam os compromissos de mitigação [das alterações climáticas] e podem desincentivar os governos, empresas e sociedades” de fazerem o que precisa de ser feito para descarbonizar as economias e alcançar a neutralidade climática o mais rapidamente possível.
E avisam que “a esperança especulativa” de a geoengenharia solar poder vir, no futuro, a tornar-se uma realidade só faz com que os negacionistas das alterações climáticas, os lobistas das indústrias poluentes e destruidoras do ambiente e alguns governos adiem ou impeçam a implementação de medidas para descarbonizar as sociedades.
A tudo isso, os signatários acrescentam ainda que o atual sistema internacional não é capaz de garantir “o desenvolvimento e implementação de acordos abrangentes necessários” para assegurar que essas tecnologias se mantêm ao alcance de todos os países, de forma justa e inclusiva. E a acusam as Nações Unidas, especialmente a Assembleia-geral, o Conselho de Segurança, o Programa Ambiental e o órgão responsável pelas políticas climáticas globais, de serem “incapazes de garantir o controlo multilateral equitativo e efetivo sobre a implementação de tecnologias de geoengenharia solar à escala planetária”.
Sem um controlo verdadeiramente global e democrático sobre a implementação dessas tecnologias, a possibilidade de uso unilateral “seria aterrador”, sublinham os académicos, apontando que poderíamos ter cenários em que uma mão cheia de países ricos, sozinhos ou em coligações, poderiam agir e moldar o clima do planeta mesmo contra a oposição de uma maioria de outros países.
Dessa forma, um acordo internacional para a não-utilização da geoengenharia solar seria a única solução “atempada, exequível e eficaz” para impedir “a normalização e desenvolvimento de um conjunto de tecnologias arriscadas e pouco conhecidas que pretendem gerir intencionalmente a luz solar à escala planetária”, argumentam os defensores desta proibição.
Entre as tecnologias que a geoengenharia solar diz ser capaz de usar para reduzir a quantidade de radiação solar que atinge a superfície da Terra estão a dispersão de aerossóis na estratosfera para refletir a luz de volta para o espaço; tornar as nuvens mais brilhantes para agirem quase como ‘espelhos’ e repelir a luz solar; e até mesmo colocar espelhos reais em torno do planeta, a que os signatários chamam de “ideia mirabolante”.