Como as alterações climáticas podem aumentar os casamentos forçados e infantis
Os maiores impactos das alterações climáticas, ou, pelo menos, os mais visíveis, já são amplamente conhecidos: secas, cheias, tempestades, fogos florestais, degelo, fome e conflitos. Contudo, investigadoras da Universidade Estadual do Ohio, nos Estados Unidos da América, vêm juntar mais um a esse rol: a subida do número de casamentos infantis e de casamentos forçados.
A conclusão, revelada na revista ‘International Social Work’, resulta de uma revisão feita a 20 estudos, realizados entre 1990 e 2022, que associam as secas, as cheias e outros eventos climáticos extremos a um aumento do número desse tipo de práticas em países mais pobres. As investigadoras explicam que esses fenómenos não são a causa direta do aumento do número de casamentos infantis e forçados, mas antes agravam condições socioeconómicas que, por sua vez, intensificam a prática.
“O que estes desastres fazem é exacerbar problemas existentes de desigualdade de género e de pobreza”, explica Fiona Doherty, principal autora, o que faz com que as famílias vejam no casamento de menores uma forma de, por um lado, aliviarem a pressão sobre os recursos cada vez mais escassos, ou, por outro, de terem mais ajuda para subsistirem.
Nos estudos revistos, que abrangem países como a Índia, o Bangladesh, o Paquistão, o Quénia, o Nepal e o Vietname, as secas e as cheias foram identificadas como os eventos climáticos extremos mais comuns.
Num trabalho conduzido no Bangladesh, percebeu-se que em anos em que as ondas de calor duraram mais de 30 dias, havia uma probabilidade de 50% de as meninas entre os 11 e os 14 anos serem obrigadas a casar, e de 30% para as jovens entre os 15 e os 17 anos.
“O casamento infantil é muitas vezes considerado uma estratégia de sobrevivência para reduzir a vulnerabilidade económica e a insegurança alimentar que uma família tem de enfrentar por causa de um desastre”, explica Doherty.
Um outro trabalho revela que, em casos de seca, algumas famílias no Quénia procuraram jovens noivas para ajudarem a procurar e transportar água e comida que, devido às condições ambientais, exigiam caminhadas diárias mais longas e mais duras.
Para além do fator económico e de sobrevivência, há também questões de segurança. Visto que, em casos de desastres naturais como cheias e furacões, as comunidades são alojadas em campos de refúgio, muitas meninas e jovens ficam expostas a assédio e violência, pelo que casá-las cedo é visto como uma forma de reduzir essas ameaças.
“As famílias, por vezes, tomam a decisão de casar as suas jovens filhas nestas situações para protegê-las do assédio e da violência sexual”, explica Smitha Rao, outra das autoras.
Esta investigação concluiu ainda que é menos provável que as meninas e jovens com mais estudos sejam forçadas a casar, comparando com outras com menos habilitações literárias. Além disso, alguns dos estudos revistos neste trabalho revelam que quanto mais estudos tiverem os pais, menor será também a probabilidade de permitirem que as suas filhas casem antes da maioridade.
Rao considera que é preciso adquirir mais conhecimento sobre as ligações entre eventos climáticos extremos e o casamento infantil, não apenas em países pobres, mas também em sociedades com maiores rendimentos. Isto, porque, segundo as autoras, é possível que o aumento da frequência e intensidade de eventos extremos possa fazer subir o número de casamentos infantis mesmo em países como os Estados Unidos da América.