Compreender como as aranhas fabricam a sua seda pode ajudar-nos a tratar a doença de Alzheimer
As propriedades fascinantes da seda de aranha não fazem com que seja de admirar que os cientistas estejam a tentar desvendar os seus segredos há décadas.
Se conseguíssemos compreender e recriar o processo de fiação, poderíamos produzir seda de aranha artificial para uma série de aplicações médicas. Por exemplo, a seda artificial pode ajudar a regenerar os nervos que ligam o cérebro e os membros e pode transportar moléculas de medicamentos diretamente para as células onde são necessários.
A seda de aranha é feita de proteína chamada espidroína, que a aranha armazena numa glândula de seda no seu abdómen. Existem vários tipos de espidroína para tecer diferentes tipos de seda. As aranhas armazenam-nas sob a forma de um líquido que se assemelha a gotículas de óleo.
Mas uma das questões que até agora tem iludido os cientistas é como é que as aranhas transformam estas gotículas de líquido em seda.
O site “The Conversation” decidiu investigar porque é que a espidroína forma gotículas, para nos aproximarmos da replicação do processo de fiação de uma aranha.
Tecer uma teia
Segundo a mesma fonte, o truque que as aranhas utilizam para acelerar o seu processo de fiação “pode ser utilizado para fiar melhor a seda artificial, ou mesmo para desenvolver novos processos de fiação”.
Em 2017, “aprendemos a fazer fibras de seda sintéticas emulando a glândula da seda, mas não sabíamos como as coisas funcionam dentro da aranha. Agora sabemos que a formação de gotículas acelera primeiro a conversão para estas fibras”, sublinha o site
Uma pista importante sobre a relação entre as gotículas e as fibras veio de uma área inesperada da nossa investigação – as doenças de Alzheimer e de Parkinson. As proteínas envolvidas nestas doenças, chamadas alfa-sinucleína e tau, podem juntar-se em pequenas gotículas semelhantes a óleo nas células humanas.
A tau é uma proteína que ajuda a estabilizar o esqueleto interno das células nervosas (neurónios) no cérebro. Este esqueleto interno tem a forma de um tubo através do qual os nutrientes e outras substâncias essenciais viajam para chegar a diferentes partes do neurónio.
Na doença de Alzheimer, uma forma anormal de tau acumula-se e agarra-se às proteínas tau normais, criando “emaranhados de tau”.
A alfa-sinucleína encontra-se em grandes quantidades nas células nervosas produtoras de dopamina. As formas anómalas desta proteína estão associadas à doença de Parkinson.
As gotículas de óleo de qualquer uma destas proteínas formam-se nos seres humanos quando ficam emaranhadas, como esparguete cozido num prato. No início, as proteínas são flexíveis e elásticas, tal como as gotículas de óleo de espidroína.
Mas se as proteínas permanecerem emaranhadas, ficam presas umas às outras, o que altera a sua forma, transformando-as em fibras rígidas. Estas podem ser tóxicas para as células humanas – por exemplo, em doenças neurodegenerativas como a doença de Alzheimer.
No entanto, a espidroína também pode formar gotículas. Isto levou-nos a pensar se o mesmo mecanismo que causa a neurodegeneração nos humanos poderia ajudar a aranha a converter a espidroína líquida em fibras de seda rígidas.
Para o descobrir, utilizaram uma espidroína sintética chamada NT2RepCT, que pode ser produzida por bactérias. Ao microscópio, puderam ver que esta espidroína sintética formava gotículas líquidas quando era dissolvida em tampão fosfato, um tipo de sal encontrado na glândula de seda da aranha. Isto permitiu-lhes reproduzir as condições de fiação da seda de aranha no laboratório.
Ciência sedosa
De seguida, estudaram como as proteínas espidroína atuam quando formam gotículas. Para responder a esta questão, recorreram a uma técnica de análise chamada espectrometria de massa, para medir como o peso das proteínas se alterava quando formavam gotículas.
Para sua surpresa, verificaram que as proteínas espidroína, que normalmente formam pares, se dividem em moléculas individuais.
Precisavam de fazer mais trabalho para descobrir como é que estas gotículas de proteína ajudam as aranhas a fiar a seda. Pesquisas anteriores mostraram que as espidroína têm partes diferentes, chamadas domínios, com funções distintas.
A parte final da espidroína, chamada domínio c-terminal, faz com que ela forme pares. O c-terminal também inicia a formação de fibras quando entra em contacto com ácido.
Assim, criaram uma espidroína, que continha apenas o domínio c-terminal e testámos a sua capacidade de formar fibras.
Quando utilizaram um tampão fosfato para emaranhar as proteínas em gotículas, estas transformaram-se instantaneamente em fibras rígidas. Quando adicionaram ácido sem primeiro fazer gotículas, a formação de fibras demorou muito mais tempo.
“Isto faz sentido porque as moléculas de espidroína têm de se encontrar umas às outras quando formam uma fibra. Enredar a espidroína como esparguete ajuda-a a juntar-se rapidamente na seda”, explica o site.
Esta descoberta “diz-nos como é que a aranha consegue converter instantaneamente as suas espidroína, num fio sólido. Também revelou como a natureza utiliza o mesmo mecanismo que pode tornar tóxicas as proteínas do cérebro para criar algumas das suas estruturas mais espantosas”.
“O surpreendente paralelismo entre a fiação da seda de aranha e as fibras tóxicas para os seres humanos poderá um dia conduzir a novas pistas sobre a forma de combater as doenças neurodegenerativas”, acrescenta o “The Conversation”.
“Os cientistas poderão utilizar a investigação sobre a seda de aranha, incluindo o que aprendemos sobre os domínios da seda de aranha, para evitar que as proteínas humanas se colem umas às outras – para impedir que se tornem tóxicas. Se as aranhas conseguem aprender a manter as suas proteínas pegajosas sob controlo, talvez nós também consigamos”, conclui a mesma fonte.