“Conhecer o território nacional é uma urgência antiga porque só assim é possível retirar valor daquilo que é o potencial do país”, afirma Pedro Tavares da eBUPI
Mais de 90% da propriedade rústica em Portugal é privada. Muitas vezes, os donos e o a própria configuração do terreno são desconhecidos. O Balcão Único do Prédio nasceu em 2017 para preencher essa lacuna e conta, atualmente, com 132 munícipios aderentes – e em breve com muitos mais.
Em entrevista à Green Savers, Pedro Tavares, coordenador da Estrutura de Missão para a Expansão do Sistema de Informação Cadastral Simplificado (eBUPi) dá a conhecer a iniciativa Balcão Único do Prédio e a sua importância, tanto para os proprietários, como para o país. Leia a entrevista, na íntegra, em baixo.
Como nasceu o Balcão Único do Prédio?
A necessidade de conhecer o território nacional é uma urgência antiga porque só assim é possível retirar valor daquilo que é o potencial do país, desenhando e implementando políticas públicas de transformação da paisagem, ordenamento e gestão do território e desenvolvimento territorial. E isto ainda é mais evidente num país em que mais de 90% da propriedade rústica é privada e em que nem sempre – diria até em grande parte dos casos – não sabemos de quem são os terrenos, onde estão localizados e qual a sua configuração efetiva. Esta necessidade já tinha sido identificada há muito, e estava a ser trabalhada, mas acabou por sair reforçada com os trágicos incêndios de 2017. Aí ficou ainda mais patente a fragilidade que representa o desconhecimento do território, com impacto na capacidade de intervenção pública. Foi nesse ano que o Balcão Único do Prédio (BUPi) chegou ao terreno, primeiro como projeto-piloto em 10 municípios particularmente afetados pelos incêndios e, mais tarde, ganhando dimensão nacional.
No que consiste a iniciativa?
O BUPi é uma plataforma eletrónica dirigida a proprietários de prédios rústicos e mistos, que permite a identificação dos titulares, dos limites e da localização dos terrenos. O processo é simples e atualmente é também gratuito, podendo ser feito nos balcões das Câmaras Municipais dos municípios aderentes ou em bupi.gov.pt. Em qualquer caso, o processo de georreferenciação é sempre acompanhado por um dos mais de 500 técnicos habilitados para o efeito.
Quantos municípios abrange atualmente?
O BUPi abrange atualmente mais de 130 municípios a norte do Tejo, uma vez que é aqui que se concentram os municípios sem cadastro predial. Ao todo, temos 141 municípios em adesão, mas queremos chegar aos mais de 150 concelhos do continente sem cadastro. No entanto, importa realçar que a ação do BUPi não se cinge a estes municípios. Como o nome indica, o BUPi é efetivamente um balcão único, de âmbito nacional, que agrega a informação tributária, registal e ao nível da georreferenciação. Há, portanto, que distinguir duas dimensões: no que diz respeito à identificação de propriedades via representação gráfica georreferenciada (RGG), o BUPi só atua nos concelhos aderentes (mais de 130 a norte do Tejo), uma vez que o processo nos restantes municípios decorre através da Direção-Geral do Território. Mas a informação é depois comunicada ao BUPi que será efetivamente um balcão único no que diz respeito a este tema. Além disso, esta dimensão nacional também se verifica na gratuitidade do registo, como explicarei mais adiante.
Como é que se pode registar uma propriedade?
No BUPi fazemos a identificação da propriedade, mas esse processo segue depois para a Conservatória, para que possa avançar o registo, de forma gratuita. Para fazer a identificação do seu terreno no BUPi, o proprietário ou seu representante deve apresentar as coordenadas da propriedade ou, em alternativa, identificar o terreno no mapa com a ajuda do técnico habilitado. Deve levar os seus documentos de identificação e a caderneta predial, mas, caso não tenha documentos que comprovem que aquele terreno é seu, pode iniciar um procedimento especial de justificação para demonstrar que vive ou explora a propriedade.
Que benefícios traz o Balcão Único do Prédio para os proprietários?
Como referi há pouco, também aqui podemos ver a dimensão nacional do BUPi. Ainda que a georreferenciação dos prédios via BUPi só aconteça nos municípios aderentes (ou seja, no centro e norte do país), este Balcão e o Sistema de Informação Cadastral Simplificado permitem que o registo de propriedade seja gratuito em todo o país, durante um período de quatro anos que ainda decorre. Este período começa a contar desde a data de adesão do município ao BUPi mas, no caso de municípios que participaram no projeto-piloto ou de municípios que dispõem de cadastro, este prazo termina em meados de agosto de 2023. Portanto, os proprietários podem registar os seus terrenos de forma gratuita em todo o país, garantindo assim os seus direitos de propriedade. E esta questão é muito importante, uma vez que a propriedade e os limites dos terrenos são muitas vezes base de disputas (entre vizinhos, por exemplo) ou podem trazer dificuldades acrescidas em casos de herança ou partilhas. Por outro lado, há situações em que o registo é mesmo obrigatório, nomeadamente no caso de compra e venda de terrenos. Além disto, o BUPi quer operar tendo por base o princípio “Only Once”, que evita deslocações por parte do cidadão a vários serviços e apresentação de documentos de que a Administração Pública já dispõe.
Qual é a sua importância para o país?
O BUPi é fundamental para o país, porque permite aprofundar o conhecimento do território: não só através da informação dos proprietários, como já referido, mas também reunindo outras fontes de informação de que a Administração Pública já dispõe. Estas camadas de informação permitem perceber melhor o país e, nesse sentido, valorizá-lo. Este conhecimento é essencial para o desenvolvimento de políticas públicas adequadas, seja no domínio da transformação da paisagem, ordenamento e gestão do território, seja no âmbito do apoio a novos métodos de exploração ou novos negócios, operações de emparcelamento, desenvolvimento das comunidades locais. E isto sem esquecer dois temas absolutamente prioritários: o combate e prevenção de incêndios rurais e as alterações climáticas. Sem conhecer o território, os obstáculos para atuar a este nível são muito maiores, daí a urgência da identificação de propriedades, que deve mobilizar todos.
Que objetivos têm programados até ao final de 2022?
Em breve o BUPi estará presente em todos os municípios que formalizaram a sua adesão. Desde o início do projeto-piloto, em novembro de 2017, o BUPi já conta com mais de 300 mil processos de identificação de propriedades finalizados. Na sequência desta cobertura cada vez mais abrangente, e que esperamos aumentar este ano, contamos lançar no segundo semestre, ainda como piloto, o Número de Identificação do Prédio (NIP), um identificador numérico que contém toda a informação relevante sobre os prédios e seus titulares e que funcionará como um registo atualizado de cada propriedade, condensando a informação pertinente num único documento. Esta será uma das maiores reformas concretizadas na área da propriedade.
Para dar a conhecer o BUPi, teremos campanhas de informação no terreno e trabalharemos de perto, como sempre fizemos, com as autarquias envolvidas. Realizamos regularmente sessões de esclarecimento para os técnicos habilitados, que continuarão no decurso deste ano, e temos uma equipa sempre disponível para responder a questões formuladas, bem como o BUPipedia, com informação online em permanente atualização.
Continuamos também a trabalhar na componente tecnológica, desenvolvendo toda esta parte que diz respeito à georreferenciação. Estamos também a desenvolver campanhas de comunicação para chegar a um público cada vez mais abrangente, incluindo a diáspora, uma vez que muitos dos proprietários ou herdeiros estarão fora do país.
O processo de expansão do BUPi começou em fevereiro de 2021 e, este ano, esperamos consolidar o projeto e conseguir envolver todos neste desígnio nacional: valorizar o território e proteger o que é de todos.