COP27: Travar o aquecimento e compensar os mais pobres no centro dos debates
Decisores políticos, especialistas, académicos e organizações não-governamentais reúnem-se a partir de domingo em Sharm el-Sheikh, no Egito, na 27.ª cimeira da ONU sobre alterações climáticas (COP27), para tentar travar o aquecimento do planeta.
As alterações climáticas são, segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, o maior problema da humanidade e vão afetar dramaticamente o futuro se nada de substancial for feito.
As emissões de gases com efeito de estufa, que os países tentaram controlar no Acordo de Paris de 2015, mas que continuam a aumentar, estão já a afetar o clima e a natureza das mais diversas formas. O aviso foi feito primeiro pelos cientistas e hoje milhões de pessoas no mundo sofrem já os efeitos das alterações climáticas.
Alguns pontos essenciais relacionados com a COP27:
O que é uma COP?
A COP é a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas e é o órgão supremo da tomada de decisões dessa Convenção da ONU.
A COP27 realiza-se em Sharm el-Sheikh, Egito, entre os dias 06 e 18, prevendo-se a presença de mais de 35 mil pessoas.
Na cimeira anterior, em Glasgow, Reino Unido, participaram mais de uma centena de chefes de Estado e de Governo, o que não deve acontecer no Egito. A guerra na Europa decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia levou a uma crise energética e alimentar, a par de uma subida da inflação, o que poderá ter desviando a atenção de muitos políticos.
Além de líderes políticos, entre eles o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a COP27 vai juntar milhares de outros participantes, de organizações não-governamentais a empresas e comunidade académica.
As especificidades da COP27
A COP27 realiza-se no Egito, um país que afirma, segundo a ministra do Ambiente, Yasmina Fouad, que as preocupações ambientais são um “luxo” que o país não pode pagar.
Ainda que o Egito queira ter 42% da sua energia de fontes renováveis até 2035 a organização Climate Action Tracker considera a ação do Egito na questão do clima como “altamente insuficiente”, não compatível com o Acordo de Paris, e alerta que apresenta metas de redução de emissões para 2030 que não vão melhorar nada.
O Egito, acrescenta a organização internacional, abandonou os planos de eletricidade a partir do carvão mas está a aumentar o consumo de gás natural e é responsável por mais de um terço do consumo total de gás fóssil em África, sendo o segundo maior produtor de gás do continente.
Organizações ambientalistas criticaram também a presença da Coca-Cola como patrocinadora da cimeira, por ser uma empresa muito poluidora através do plástico. E denunciam com regularidade a destruição de espaços verdes.
Organizações da sociedade civil têm criticado a organização da COP27, que dizem não permitir a realização de manifestações, acusando o Egito de ser uma ditadura.
As manifestações são proibidas no Egito e ativistas têm manifestado preocupações sobre a possibilidade de fazerem ouvir as suas queixas no âmbito da cimeira.
O Egito anunciou que permitirá manifestações em Sharm el-Sheikh mas apenas numa zona reservada para tal e sob vigilância policial. A detenção de ativistas tem sido noticiada ultimamente.
Redução de emissões
As emissões de gases com efeito de estufa, nomeadamente de dióxido de carbono (CO2), em consequência da ação humana têm vindo a aumentar apesar das provas científicas de que provocam o aquecimento do planeta. Na última década as emissões aumentaram 20%.
Há uma semana a Organização Meteorológica Mundial (OMM) avisou que os níveis dos principais gases com efeito de estufa na atmosfera registaram novos recordes em 2021, alertando especialmente para um aumento sem precedentes da concentração de metano.
Segundo a ONU, era preciso que essas emissões baixassem 7,6% ao ano entre 2020 e 2030 para se conseguir um aumento de temperaturas que não ultrapassasse os 1,5 ºC.
Mas também segundo a ONU, num relatório divulgado na semana passada, as políticas internacionais atuais estão a dirigir a Terra para um aquecimento de 2,8°C até ao fim do século. A redução de emissões é sempre tema central nas COP.
Assistência a países pobres
Em 2009, os países mais desenvolvidos prometeram trabalhar para angariar 100 mil milhões de dólares por ano, até 2020, para ajudar os países mais pobres a enfrentarem as alterações climáticas. Essa meta nunca foi atingida.
Esse compromisso foi de novo assumido na COP26, realizada em Glasgow, Reino Unido, no ano passado. Nunca foi concretizado.
Em Sharm el-Sheikh os países mais pobres deverão por isso exigir esse apoio, mas também apoio por perdas e danos provocados por fenómenos climáticos extremos decorrentes do aquecimento global.
No seguimento de cheias sem precedentes no Paquistão, ou em vários países africanos, a cimeira do Egito deverá centrar-se no debate entre países ricos, os principais responsáveis pelo aquecimento global, e os países pobres, os que mais sofrem com ele. O Paquistão, que sofreu recentemente cheias catastróficas, produz menos de 1% das emissões globais de gases com efeito de estufa (os países do G20 quase 80%).
Estará sobre a mesa a questão do apoio para a mitigação e adaptação mas também as perdas e danos, mas também, segundo ativistas, indemnizações e perdões de dívidas.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, já disse que a COP27 deve resultar em acordos sobre perdas e danos.
O preço de nada fazer
O Acordo de Paris de 2015 prevê uma revisão das promessas dos Estados na redução de gases com efeito de estufa. Novas contribuições de cada país vão ser apresentadas em Sharm el-Sheikh, mas com a COP27 quase a começar não são conhecidas novas e mais ambiciosas contribuições para reduzir mundialmente a emissão de gases.
A guerra na Ucrânia, invadida pela Rússia em fevereiro, levou a uma crise energética no ocidente e planos de substituir centrais a carvão foram adiados, ainda que estudos recentes indiquem que a crise energética leve a um aumento de investimento nas energias renováveis.
A crise alimentar e uma grande inflação e aumento da pobreza está a deixar para trás a luta contra as alterações climáticas, consideram organizações da sociedade civil.
Os custos de uma transição para sociedades sem emissões são muito altos, mas não fazer essa transição terá custos ainda maiores, como fenómenos meteorológicos extremos, crises de água e de produção agrícola, crises nos ecossistemas e na saúde. Atualmente a falta de água afeta mais de mil milhões de pessoas e estima-se que esse número duplique em 2025 devido ao aumento das secas.
O que vai ser discutido
A COP27 acontece quando decorre uma guerra na Europa, que vai marcar a conferência da ONU. Os organizadores da cimeira já admitiram que as crises provocadas pela guerra possam afetar a reunião e os seus resultados.
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Egito, Sameh Sukri, já disse esperar que a cimeira seja um marco na mitigação dos problemas de financiamento climático, especialmente para África, onde ficam os países mais prejudicados pelo aquecimento.
Na cimeira os países devem rever as suas contribuições de redução de gases com efeito de estufa, e devem criar um plano de trabalho para mitigar os efeitos das alterações climáticas.
Serão debatidas outras questões, dedicadas a temas como finanças, ciência, juventude, descarbonização, perda de biodiversidade, água, agricultura ou energia. E há depois mais 120 outros assuntos, juntando nos debates empresas, académicos e sociedade civil.
O momento em que acontece a COP27 poderá não trazer grandes desenvolvimentos na redução de emissões, antes centrando-se na questão financeira, quando aumentaram em todo o mundo as catástrofes climatéricas.
Os países pobres, numa reunião no mês passado em Dacar, Senegal, já disseram que vão reclamar indemnizações pelas perdas causadas pelo aquecimento global, que os afeta especialmente. Os Estados Unidos, segundo o enviado especial para o clima, John Kerry, são favoráveis ao debate do tema das perdas e danos na COP27.
A OMM deve apresentar em Sharm el-Sheikh um plano para proteger a médio prazo os habitantes do planeta por um sistema de alerta contra fenómenos meteorológicos extremos decorrentes das alterações climáticas, que aumentaram cinco vezes entre 1970 e 2019.
Os protagonistas da COP27
A poucos dias do início da COP27 não é ainda claro que chefes de Estado e de Governo vão estar em Sharm el-Sheikh.
Do lado dos grandes emissores de gases com efeito de estufa, está confirmada a presença do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
Washington vai anunciar na COP27 o seu apoio a África em matéria de adaptação às alterações climáticas.
A União Europeia será também uma protagonista importante. O primeiro-ministro português, António Costa, vai estar presente em Sharm el-Sheikh.
O Reino Unido, que organizou a COP26, é outro dos protagonistas mas pela negativa, já que o novo primeiro-ministro, Rishi Sunak, anunciou que não estaria presente. O rei, Carlos III, também não participará.
Presentes ou ausentes serão sempre protagonistas países como a China, o maior emissor de gases com efeito de estufa do mundo, ou a Índia, o terceiro, depois dos Estados Unidos.
O Egito já disse estar pronto para receber os líderes mundiais, e espera que a COP27 seja “uma das maiores reuniões de atores climáticos”, com mais de 30.000 delegados inscritos.