Corredores ecológicos: Cientistas reconhecem benefícios mas alertam que é preciso repensar a abordagem

A fragmentação dos habitats é uma das principais causas da degradação e perda de biodiversidade, sobretudo devido à construção de estradas que rasgam a paisagem e isolam populações de animais.
Uma das soluções usadas hoje para tentar resolver esse problema são os chamados ‘corredores ecológicos’, que estabelecem vias de comunicação entre habitats fragmentados e que pretendem oferecer aos animais uma passagem segura e minimizar as mortes por atropelamento. Além disso, ao quebrarem o isolamento de populações, esses corredores ajudam também a evitar a reprodução consanguínea, recuperando o contacto entre grupos diversos.
Apesar dos benefícios, cientistas da Universidade da Califórnia e da Montana State University, nos Estados Unidos, defendem que é preciso reavaliar a eficácia dos corredores ecológicos para perceber se realmente são usados pelos animais e se não será preciso pensar noutras soluções.
Reconhecendo que “as estradas e autoestradas ameaçam a viabilidade das populações de espécies, em como toda a biodiversidade, ao destruírem habitats e fragmentarem populações” e que medidas de mitigação, como a construção de passagens, acima e abaixo das estradas, “reduzem alguns tos efeitos negativos das estradas”, assinalam que a eficácia dos corredores ecológicos depende, não só das características físicas dessas passagens, mas também da forma como os animais reagem, por exemplo, ao ruído dos automóveis que usam essas estradas.

Crédito: Diana Parkhouse / Unsplash
Num artigo divulgado na revista ‘PLOS ONE’, os especialistas em ecologia e planeamento urbano estudaram as reações de veados e outros cervídeos perto de dois corredores ecológicos que passam por debaixo de estradas no Parque Nacional de Banff, no Canadá. Durante as observações perceberam que os animais mostravam maior relutância em atravessar os corredores ecológicos quando ouviam os carros a passar na estrada por cima.
Ao ouvirem os carros, os animais recuavam, adotando um estado de vigilância que reflete medo, pelo que, mesmo com o corredor, hesitavam em passar de um lado para o outro.
Por isso, Daniel Blumstein, um dos autores do artigo, argumenta que as estratégias de gestão da vida selvagem devem tomar atenção à forma como os animais percecionam o ambiente que os rodeia e que “é só com estudos como este, que se focam em como os animais percecionam e reagem aos estímulos do seu ambiente – que podem ou atraí-los ou repeli-los – que podemos adquirir o conhecimento necessário para criar corredores ecológicos eficazes”.
E salienta que não devemos esquecer que “diferentes espécies poderão responder de formas diferentes”.
Através da análise de mais de 600 vídeos captados numa secção da Trans-Canada Highway, uma autoestrada com perto de oito mil quilómetros que percorre o sul do Canadá do Pacífico ao Atlântico, a equipa percebeu que os cervídeos, como o veado-de-virgínia (Odocoileus virginianus) e veado-vermelho (Cervus elaphus), que procuravam alimento junto do corredor ecológico no Parque Nacional de Banff abandonavam esse comportamento e fugiam ou ficavam em estado de alerta quando um carro passava, e mesmo depois.

Crédito: Marko Hankkila / Unsplash
Os cientistas viram que a probabilidade de esses animais usarem o corredor era muito baixa. Ainda assim, alguns indivíduos mantiveram-se a pastar mesmo com o ruído dos carros, e eram esses os que mais usavam a passagem.
Algo que surpreendeu os investigadores foi o facto de os animais assustarem-se mais com carros que passavam com um grande intervalo de tempo entre si, do que quando o tráfego era mais regular.
“Não sabemos ao certo por que razão os animais são mais reativos a menos veículos”, admite Eric Abelson, outro dos autores, que sugere que quando há mais carros na estrada os animais conseguem mais facilmente ouvi-los à distância, pelo que não se assustam tanto quando passam por eles.
Os cientistas sublinham a importância de compreender como cada espécie que poderá usar esses corredores ecológicos responde a estímulos como a passagem de carros, que podem tornar essas infraestruturas ineficazes por serem apenas usadas por alguns animais, mantendo o perigo de atropelamento para todos os outros.
Por isso, Abelson aponta que a colocação de barreiras para reduzir o ruído dos carros ou as luzes dos faróis junto aos corredores pode ajudar a encorajar a passagem, reduzindo os estímulos externos que podem gerar medo.
“Esperamos que este estudo seja apenas um de muitos que analisem as diferentes espécies e os níveis de trânsito para melhorar o desenvolvimento de ferramentas que aumentem a utilização dos corredores ecológicos e, em última instância, protejam as vidas dos humanos e dos animais selvagens”, destaca.
Num outro estudo, é estimado que as grandes estradas, como autoestradas, dividem a superfície terrestre do planeta em perto de 600 mil fragmentos, e que as mortes por atropelamento são, a nível global, “a maior fonte de mortalidade antropogénica para muito vertebrados”, sendo que se estima que todos os dias morram mais de um milhão de vertebrados só nas estradas dos Estados Unidos da América.