Cuidados paliativos em Portugal: ainda há um longo caminho a percorrer, alerta estudo
Em Portugal, 71% das mortes de adultos e 33% das mortes de crianças devem-se a doenças que necessitam reconhecidamente de cuidados paliativos. Estas estimativas equiparam-se às de outros países europeus, mas carecem de capacidade de resposta, sobretudo para crianças, revela um estudo liderado por Bárbara Gomes, docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC).
A investigação, publicada nas revistas Palliative Medicine e BMC Pediatrics, foi financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Envolveu médicos e investigadores da Faculdade de Medicina da UC e do King’s College London, do Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Faculdade de Economia UC, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil – Lisboa e do Hospital Espírito Santo de Évora.
O estudo evidencia que é urgente avaliar a sustentabilidade do modelo actual de cuidados de saúde e apoio social para acomodar estas necessidades que só tendem a crescer. O cancro é responsável por uma parte cada vez maior das mortes com necessidades paliativas (34% nos adultos e 38% nas crianças).
A equipa salienta também o aumento de mortalidade por doenças respiratórias e neurodegenerativas nos adultos e as áreas da pediatria com o maior número de crianças com doenças crónicas complexas – a neonatologia, cardiologia e neurologia, para além da oncologia.
Foram analisados dados de mais de um milhão de pessoas falecidas em Portugal entre 1987 e 2012, cruzando as perspectivas de especialistas em saúde pública, cuidados paliativos e pediatria, para melhor entender a realidade portuguesa.
“Encontrámos duas características-chave que definem a forma como a sociedade portuguesa lida com doenças avançadas e o fim de vida. Por um lado, há uma tradição de apoio familiar alargado – tentamos cuidar dos nossos em casa, uma missão que é muito associada às mulheres na família. Por outro lado, somos extremamente dependentes dos hospitais – achamos que lá vamos encontrar os melhores cuidados de saúde”, explica Bárbara Gomes, líder do grupo de investigação.
Este “modelo dual” de cuidados, salienta a docente da FMUC, “leva a que tenhamos uma das mais altas taxas de morte hospitalar do mundo, sobretudo em idades mais jovens e no cancro. Vivemos num sistema hospitalocêntrico difícil de sustentar no futuro. Por isso, precisamos perceber que os cuidados devem girar em torno dos doentes e das famílias, e não o contrário. Precisamos de uma revolução Copernicana na forma como apoiamos pessoas com doenças avançadas e as suas famílias. Temos que repensar e criar novas soluções.”
Os investigadores alertam ainda para o aumento de longevidade, que prolonga a necessidade de cuidados de meses para anos. Nas crianças, a idade mediana de morte aumentou de 6 meses em 1987 para 4 anos de idade em 2011, devido sobretudo à redução de mortes de recém-nascidos e aumento de mortes na adolescência.
Ana Lacerda, médica pediatra no IPO Lisboa, que liderou a análise da mortalidade infantil, afirma que “as crianças com necessidades paliativas estão a viver mais tempo e 8 em cada 10 morre em contexto hospitalar, quando o mais provável é que elas e as suas famílias preferissem que a morte ocorresse noutro local. Esta tendência só é reversível investindo na criação de serviços de cuidados paliativos pediátricos com forte apoio domiciliário, que acompanhem as crianças e famílias durante toda a sua trajectória de vida.”
Os artigos científicos podem ser consultados: aqui e aqui.
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