Diogo Burnay: “A crise adiou a construção sustentável em 10 a 15 anos”



A CVDB Arquitectos ganhou a categoria de educação dos Archdaily Building of the Year 2014. O Green Savers foi falar com o ateliê para perceber melhor o projecto com que venceram.

O Archdaily, o site de arquitectura mais visitado do mundo, organiza todos os anos o Archdaily Building of the Year, um concurso anual que premeia os melhores edifícios construídos a nível mundial em várias categorias.

Tal como em anos anteriores, vários arquitectos portugueses voltaram a destacar-se no best of de edifícios de 2014: as casas na árvore que Luís e Tiago Rebelo de Andrade desenharam para o Parque das Pedras Salgadas venceram na categoria de hotelaria; o atelier CVDB Arquitectos ganhou o melhor prémio na categoria de educação, com a Escola Secundária Braamcamp Freire (na foto), na Pontinha; as residências assistidas dos irmãos Aires Mateus em Alcácer do Sal foram o projecto distinguido na categoria de saúde; e o Chalet das Três Esquinas, em Braga, transformado pela Tiago do vale Arquitectos foi a melhor na categoria de restauro e requalificação.

O projecto da Escola Secundária Braancamp Freire insere-se no programa governamental Parque Escolar, que visa a requalificação de várias instituições de ensino por todo o país. O atelier CVDB Arquitectos ganhou o concurso para a requalificação da escola e o resultado pode ser visto aqui. O Green Savers foi falar com Diogo Burnay, sócio do CVDB ,para conhecer melhor o projecto da escola mas também para perceber a importância da sustentabilidade na arquitectura.

Anteriormente, a escola possuía vários edifícios. De que forma é que a disposição dos antigos espaços influenciou o projecto?

A Escola Braamcamp Freire, antes da intervenção, era composta por pavilhões isolados, a necessitar de manutenção, distribuídos num terreno com alguma inclinação. A localização, estrutura e forma dos pavilhões existentes estão na base de todo o projecto de remodelação, organiza grande parte dos edifícios existentes num único edifico em torno de uma praça, controlando ainda a topografia para permitir o acesso universal a todo o recinto da escola.

Porquê transformar os antigos pavilhões dispersos num só edifício?

Num dos primeiros contactos com professores, funcionários e alunos tornou-se claro a distribuição pavilhonar face à exposição do terreno: a abertura para um vale e a exposição a ventos fortes trazia problemas de utilização e permanência nos espaços exteriores, mesmo em alturas do ano com boas condições climatéricas. Também o aumento do programa, resultante da inclusão de novas valências do programa de ensino – laboratórios, salas de estudo e trabalho, auditório – trouxeram um incremento de áreas. Assim, pareceu-nos que a opção por um único edifício era a melhor: podemos rentabilizar a área construída continuando a manter, o mais possível, espaços exteriores de convívio e desporto.

Em que estado de conservação estavam os antigos edifícios?

Os edifícios estavam a necessitar de muitas reparações e obras de manutenção. As condições de uso dos espaços lectivos tinham problemas claros de acústica, térmicos, deficiente luz natural e infiltrações. Após avaliação criteriosa de custos e do programa, foi possível manter quatro dos seis pavilhões e o ginásio, incorporando melhorias, mantendo a sua estrutura e incorporando outros programas lectivos.

Que tipo de materiais foram utilizados na remodelação da escola?

A selecção de materiais foi pensada desde início do projecto e teve em conta o uso intenso dos espaços, a sua manutenção, o conforto e uma apertada gestão de custos. A integração rigorosa entra a arquitectura e infra-estrutura permitiu que muitos materiais fizessem parte integrantes dos acabamentos da arquitectura. Assim, por exemplo, grande parte do betão estrutural ficou aparente ou condutas de ventilação em alumínio ficaram visíveis. Os blocos de betão que separam salas de aulas e corredores foram seleccionados e projectados para que não necessitassem recobrimento ou pintura. Todos estes materiais fazem parte integrante da arquitectura final e funcionam como acabamento. Nos espaços lectivos e de trabalho foram usados materiais de recobrimento com vista a intensificar a luz natural e o conforto táctil e acústico.

A cor predominante é o betão. Porquê? Não houve o receio de que os espaço se tornasse austero para os estudantes?

Os ambientes de circulação e extracurriculares vivem de contrastes espaciais. Os materiais construtivos como o betão estrutural com uma cor cinza mais claro que o habitual, ou blocos de betão definem as paredes; a marmorite define os pavimentos e nos tectos predomina o betão e a pintura que pontua alguns espaços. Estes espaços são ritmados por espaços chave de encontro, de estudo ou de transição de pisos. Estes espaços são opostos aos anteriores, muita luz natural, cores quente e muito vibrantes, geometricamente não ortogonais e com tectos de alturas variáveis. Os espaços de trabalho e lectivos são espaços completamente diferentes: serenos, calmos, com poucas distracções, especialmente pensados para o melhor aproveitamento da luz natural, em que a fachada filtra através de painéis de sombreamento a intensidade da luz no espaço.

Que cuidados houve quanto à sustentabilidade do edifício?

Cientes da importância da sustentabilidade da construção, o projecto foi desenvolvido numa perspectiva da melhor integração dos aspectos que podiam contribuir para a sua eficiência energética e da inocuidade para com o ambiente, desde a sua primeira fase. Ao promover uma arquitectura adequada ao clima com elevado grau de isolamento térmico, limitámos as perdas térmicas e controlámos os ganhos solares, para melhor gerir os ganhos úteis de calor. Também integrámos os sistemas de ventilação passiva sempre que possível, integrámos as formas de energia renováveis por via da instalação de painéis solares térmicos e fotovoltaicos e concebemos sistemas de climatização eficientes, privilegiando a recuperação térmica e a flexibilidade de funcionamento;.

Os sistemas de iluminação são eficientes e com baixos consumos específicos, e investimos na conservação e reutilização de água, através da utilização de equipamentos de baixo consumo e de uma adequada gestão das águas pluviais, designadamente, pelo seu armazenamento e reutilização.

Quais foram as reacções dos estudantes e comunidade académica ao novo espaço?

Ao longo de todo o projecto houve sessões de trabalho com professores, funcionários, alunos e pais. Os comentários foram sendo incorporados e novamente apresentados. A grande e agradável surpresa da obra não teve, na altura da sua entrega, reacções de desapontamento. Tivemos o cuidado ainda de acompanhar a mudança e de colaborar coma comunidade escolar, sempre que nos era solicitado algum pedido de esclarecimento sobre qual a melhor ocupação para um determinado espaço. Continuamos a visitar o edifico e fizemos questão de estar presentes com toda a equipa projectista e empreiteiros e a equipa do Parque escolar no dia em que a escola foi aberta, após as obras, pela primeira vez aos estudantes. Foi um momento memorável para todos nós com um certo sentimento de missão cumprida. Sem manual de instruções os alunos ocuparam os vários espaços informais e parecem ter entendido com grande facilidade onde se deveriam dirigir para as aulas ou para as várias áreas da escola.

O que representa para a CVDB a distinção conferida pelos Archdaily Building of the Year?

O projecto e obra da Escola Braamcamp Freire é o resultado do trabalho intenso e da cooperação da equipa projectista nas suas diversas especialidades, da Parque Escolar, da comunidade escolar, para quem a escola foi projectada e construída, e do consórcio de construção e de diversas entidades públicas e privadas que foram envolvidas no processo. Os prémios agora alcançados são para todos. O que nos motiva na nossa disciplina e profissão é sobretudo a sua dimensão e relevância social e a sua responsabilidade e capacidade em contribuir para melhorar as condições, neste caso, de aprendizagem na escola Braamcamp Freire. O prémio é por isso de todos e para todos, da escola e para a escola.

 Numa óptica mais alargada, qual a importância actual da sustentabilidade para a arquitectura?

As mudanças climáticas e o futuro do planeta são realidades às quais não podemos estar alheios como arquitectos. Temos consciência do peso ecológico e energético que estão associados à construção e por isso têm sido introduzidos alterações aos anteriores paradigmas da construção. A procura da eco-eficiência nas construções deverá permitir que se construam edifícios, com vista a que estes consumam menos energia e recursos, quer na sua construção, quer nas suas múltiplas utilizações e eventual desmontagem e reciclagem. A selecção de matérias de construção deverá ter em conta economias mais locais, comunidades mais próximas da construção e a preservação do meio ambiente, de forma a permitir a sua reutilização, e consequentemente prolongar do seu ciclo de vida. Em termos formais e tecnológicos há que ter consciência que os desafios têm que ser avaliados tendo em conta o ambiente, o meio económico, social e cultural. Teremos de ter mais sensibilidade às condições climatéricas, mais sensibilidade às questões sociais e culturais. Sabemos hoje, por exemplo, que é cada vez possível tecnologicamente construir mais alto. As questões que se colocam agora é se vale a pena faze-lo, com que expectativas sobre os meios, objectivos e resultados que se esperam ao longo da vida de um edifício.

Como vêem as cidades portuguesas dentro de 20 a 30 anos?

A construção dos edifícios em Portugal nos últimos 10 anos tem incorporado, de forma progressiva, preocupações ao nível energético. É de esperar que essa preocupação se acentue e generalize nas futuras construções, permitindo antever um parque construído com níveis de eficiência energética de referência, ao nível o que melhor se faz na Europa e no mundo. Infelizmente, a crise que atravessamos vai introduzir uma desaceleração neste processo na ordem de 10 a 15 anos. Paralelamente, antevê-se que as preocupações com a eficiência energética se alarguem à eficiência hídrica com a introdução da rotulagem da eficiência hídrica nos edifícios.

Veja algumas fotos do projecto.

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