Da ética à natureza: VI Conferência Green Savers debateu sustentabilidade nas empresas e na sociedade
O que podemos fazer hoje e agora para construirmos um amanhã sustentável foi o tema lançado pela Green Savers na sua VI conferência anual. Rogério Junior, diretor-geral da revista, deu as boas-vindas aos participantes chamando a atenção para o ponto de viragem que atualmente atravessamos, uma mudança de época a várias dimensões que exige uma verdadeira transformação na forma como nos relacionamos com o planeta e com o futuro.
O caminho começa com as decisões que tomamos hoje, interiorizando que o tempo de reflexão já passou e que os desafios emergentes com que nos deparamos solicitam ações coletivas. Na prática, sublinha, “teremos de repensar a forma como produzimos, consumimos, nos alimentamos, locomovemos e até o modo como medimos o sucesso dessas ações”.
Em suma, temos de ousar redefinir o conceito de progresso para “encontrar um equilíbrio entre crescimento, bem-estar e preservação”, defende. E embora Portugal tenha vindo a fazer progressos na gestão da água, na energia e na gestão de resíduos, há ainda trabalho a fazer, conjugando ambição com realismo e tradição com inovação para uma visão integrada da sustentabilidade assente no motto: “usar menos e fazer mais”.
Para Rogério Junior, o ESG veio trazer uma nova perspetiva sobre a forma como olhamos para a Economia, onde o lucro deixa de ser o único fator de sucesso. E como a pegada ecológica continua a exceder o que planeta tem capacidade para regenerar, é premente que a sustentabilidade saia dos relatórios e entre nas rotinas, como construção de todos, um pacto entre empresas, governos e rigor académico aliado ao compromisso e energia dos cidadãos.
Helena Freitas, professora catedrática na área da Biodiversidade e Ecologia no Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, abriu o programa do dia, como keynote speaker, para falar sobre os grandes desafios da transição ecológica com impactos à escala planetária: “hoje enfrentamos uma crise profunda dos sistemas vivos na componente da sua interação com a vida em geral, a saúde, alimentação, a própria economia”.
O facto de termos, no presente, um conhecimento razoável sobre grande parte dos ecossistemas, permite-nos, também, ganhar uma consciência aprofundada sobre os danos que têm vindo a ser provocados no “capital natural”, prossegue. Como metade do PIB global assenta na estabilidade dos ecossistemas, a docente não tem dúvidas quanto à necessidade de garantirmos de que estes estão funcionais, desde logo repensando no tipo de consumo no continente europeu que usa e abusa dos recursos da floresta amazónica, por exemplo. É, aliás, esta lógica extractivista intensiva e irresponsável que tem afetado particularmente as florestas tropicais, tão importantes para a biodiversidade e para a estabilidade do planeta.
Helena Freitas destacou ainda a interligação dos ecossistemas e de como estes atuam em nexo causal, das espécies microbianas (que compõem 90% do nosso genoma) aos fungos – fonte vital na produção e muitos medicamentos como antibióticos e antivirais – passando pelos insetos polinizadores, agentes essenciais na frutificação, e outros organismos decompositores presentes nos ciclos bioquímicos e que preservam a vida funcional e natural.
O colapso destes “serviços estratégicos da natureza”, como refere a catedrática, devido ao “desgaste dos ecossistemas a um ritmo avassalador”, faz perigar um legado de muitos milhões de anos. Com uma taxa média de extinção de espécies mil vezes superior ao que seria a taxa natural, temos de nos capacitar para a preservação das nossas áreas naturais e encará-la como uma prioridade.
Lembrando que apesar do nosso ainda curto tempo na Terra, 300 mil anos de uma caminhada ainda jovem, “já causámos um impacto brutal no planeta”, assevera. E como no planeta nada existe sozinho, teremos de nos voltar a “ligar” à natureza, numa relação harmoniosa “não só por uma questão de sobrevivência, mas por uma questão de humanidade”, refere a especialista, reforçando a ideia de que a semente é o embrião mais extraordinário dos ecossistemas terrestres e que só germina e cresce se existirem condições para tal. Proporcionar condições para o restauro natural cabe-nos a todos, conclui Helena, citando a primatóloga e ativista Jane Goodall: “ao contrário do que pensamos, cada um de nós conta”.
“Decidir Hoje, Garantir o Amanhã”
A manhã prosseguiu com a mesa-debate “Decidir Hoje, Garantir o Amanhã” moderada por Marta Rangel. Nesta conversa, Julieta Silva (Voltalia) referiu que Portugal é reconhecido na Europa como um exemplo na área das renováveis, pioneiro na implementação e um território rico em solo, vento, água e recursos essenciais. Não obstante a conjuntura favorável, “estamos a perder o comboio. Tínhamos as condições para fazer vários projetos e mantê-los na linha da frente, mas as políticas públicas dos últimos anos dificultam a evolução e Espanha conseguiu avançar um pouco mais”, e a este ritmo, alerta a business developer, “dificilmente chegaremos às metas de 2030”.
Quanto ao papel dos consumidores e empresas para um futuro mais sustentável, José Borralho, Chairman & Inspiration Officer da ConsumerChoice, considera que “para termos ação é preciso repensar os modelos de negócio, os acionistas querem lucro, mas apenas 3% dos empresários estão disponíveis para abdicar dele em prol de escolhas mais sustentáveis”. Além disso, é mandatório que “as marcas comuniquem aquilo que executam” e que o consumidor, por seu lado, concilie os seus valores com as escolhas que faz na prática.
Marcos Sá, diretor de comunicação da EPAL, o ângulo é outro: “estou a comunicar para não vender porque quero poupar o recurso, na EPAL lidamos com um produto que é escasso a nível global, temos de o gerir sustentavelmente e com uma missão de serviço público”, explica.
E se os mais velhos têm ainda presente na memória as falhas de água que assolavam várias zonas do país, criando uma série de dificuldades, “temos de trabalhar com a geração a partir dos 30+; na EPAL apostamos na educação ambiental, vamos às escolas e às empresas, aos ministérios e instituições, fazemos sensibilização corporativa”, revela. As campanhas de marketing e comunicação, com a divulgação do número de litros consumidos per capita em Portugal, têm dado frutos na mudança de mentalidades e redução do consumo de água.
A agricultura continua a reclamar 70% da água em território nacional, mantendo-se, também “30% de perdas de água, a nível médio, nas redes de abastecimento”, números que embora denotem alguma evolução, mostram que há caminho a percorrer. A prioridade, conclui, “é a água para consumo humano, tudo o resto pode ser com água reciclada e com mais investimento”.
Seguiu-se uma inspiradora Green Talk com a bióloga, chef e fundadora da Rota das Algas, Joana Duarte, que falou sobre o potencial nutricional das algas como alternativa à sobre-exploração de outras fontes alimentares.
Rota das Algas, uma experiência educativa em contacto com a natureza
A aquacultura multitrófica, sem fertilizantes sintéticos, com taxas de produtividade elevada e sem necessidade de solo, poderá constituir uma solução de futuro, já que as algas, além de ricas em fibra e com pouca gordura, apresentam uma boa quantidade de minerais, vitaminas e ácidos gordos. Com 400 espécies de algas na costa portuguesa, 95% são comestíveis, o consumo deste produto-tendência requer alguma moderação, nomeadamente por pessoas com questões de saúde ligadas à tiroide. E por serem uma alternativa alimentar de fácil cultivo, começam a atrair o olhar dos grupos económicos, daí ser importante apostar na legislação, monitorização e avaliação dos custos de sustentabilidade numa perspetiva de produção mais intensiva.
A Rota das Algas “proporciona uma experiência educativa em contacto com a natureza, olhar para as pessoas como agentes de proteção. Ganhamos consciência ecológica quando conhecemos um local, torna-se mais fácil protegê-lo”, ressalva a bióloga, rematando: “as pessoas precisam, cada vez mais, deste contacto com a natureza, a reconexão com o ambiente palpável em oposição ao mundo que estão sempre a ver em janelas digitais”.
“Não é possível fazer sustentabilidade sem mudarmos o modelo económico”
Depois do coffee-break, foi a vez de Mário Parra da Silva, presidente da Associação Portuguesa de Ética Empresarial (APEE), que subiu ao palco com uma apresentação dedicada à importância da ética nas decisões corporativas.
Para o também secretário-geral da United Nations Association, o que está em causa é o desenvolvimento sustentável, o impacto humano sobre a natureza e que está a pôr em risco a própria humanidade: “não é possível fazer sustentabilidade sem mudarmos o modelo económico”, referindo-se ao facto de as grandes empresas estarem em contraciclo com a natureza devido aos constantes apelos ao consumo.
Parra da Silva defende a visão da ONU: “ser competitivo no âmbito de um modelo de desenvolvimento sustentável, rever como se produz, como se consome água e energia, matérias-primas e envolver a economia circular em toda a cadeia de produção”. Finaliza deixando um alerta: “é preciso educar para as experiências e não tanto para a posse. A felicidade de ter de ser substituída pela felicidade de ser”.
“Cuidar da Terra em Nome do Futuro”
A manhã encerrou com a mesa-debate “Cuidar da Terra em Nome do Futuro”, com a presença de Rita Cardoso, climatologista e investigadora do Instituto Dom Luiz, Vasco Silva, da WWF Portugal, e Miguel Branquinho, arquiteto paisagista e especialista em renaturalização da GEOTA. A conversa girou em torno de temas ligados à floresta, como sejam a predominância de monoculturas, o abandono das áreas rurais, o fogo como elemento integrante deste bioma, a gestão consciente e fiscalização do território, o ordenamento vegetal e as mudanças na paisagem.
O encerramento da sessão ficou a cargo de Emília Alves, business coach que, recentemente, lançou o livro “Leading with Purpose — Regenerative Leadership for a Sustainable Future”. A especialista deixou algumas estratégias de reprogramação a nível pessoal e corporativo para se alcançar uma liderança regenerativa, com base em “valores que perdurem no tempo e que nos permitam desenvolver, crescer”.
Os gestores atuais, os líderes de mudança, “têm de ser flexíveis, mas também adaptáveis, não podemos atuar sobre aquilo que não sabemos”, frisa, acrescentando que “a liderança tem de proporcionar os recursos para que as coisas aconteçam. A marca do líder é o seu legado, feito de objetivos concretizados num caminho.
As empresas têm de ter bons alicerces.” Sabendo que o propósito e o sentido se constroem e reforçam dia a dia, a business coach, cujo trabalho visa transformar líderes e negócios em sucesso, recorda a já citada cientista Jane Goodall, que acreditava que cuidar não é dominar e que é preciso ter coragem para voltar ao essencial.