Entrevista Ricardo Serrão Santos, Ministro do Mar: “Em tempo de crise, o mar tem um papel papel importante na recuperação económica”
Em entrevista à Green Savers, o Ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, dá a sua visão acerca do peso e da importância da Economia do Mar para o futuro do país.
Numa altura em que os oceanos enfrentam grandes desafios, desde as alterações climáticas à perda de biodiversidade, é premente fazer parte da mudança e contribuir para um futuro mais resiliente. Com uma larga costa atlântica e uma das maiores zonas económicas exclusivas da União Europeia, “o país pode ter um importante papel promotor e de liderança na arena internacional”, garante Ricardo Serrão Santos em entrevista à Green Savers.
No âmbito da política marítima, quais as principais prioridades da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia?
Estamos comprometidos com a valorização do mar e com o papel primordial que assume no desenvolvimento sustentável, em linha com os objetivos preconizados no Pacto Ecológico Europeu. A presidência portuguesa, na área do mar, está a focar-se em dois grandes eixos: 1) na área das pescas e da conservação dos recursos, de enorme relevância no contexto europeu, e 2) no desenvolvimento da Política Marítima Integrada e economia azul. O mar é incontornável para uma Europa que se quer resiliente, verde, digital, social e global. Para mim, esta é uma das mensagens políticas mais relevantes.
É crucial o papel do mar e das atividades marítimas no contexto da recuperação social e económica, e da resiliência europeia, seja através das pescas e das comunidades pesqueiras ou na relevância da economia azul. O mar é incontornável numa Europa verde e na agenda climática e é parte da Europa digital, cuja transição é transversal aos vários setores do mar, sejam tradicionais ou inovadores. O mar é parte agregadora e um denominador comum da Europa social, envolvendo as comunidades pesqueiras e todas as dimensões em que o mar integra o quotidiano dos cidadãos europeus. Por fim, o mar é um meio por excelência da Europa global e da ligação da Europa com o mundo.
Como é que a Economia do Mar pode ajudar ao desenvolvimento económico do país?
A economia do mar já ajuda muito – corresponde a cerca de 5% do PIB, 5% das exportações e 4% do emprego nacionais. Estes são valores bastante acima da média dos Estados-membros da União Europeia. O pescado está no topo dos produtos alimentares exportados onde, em 2019, representou 16% das exportações, seguido pelo vinho com 12%, as frutas 11% e o azeite 8%. Mas a sua dimensão é apenas parte da importância que a economia do mar tem para o desenvolvimento do país. Na fase que seguiu à anterior crise financeira, em 2008, os setores da economia do mar mantiveram-se resilientes, tanto na geração de receita como na manutenção de emprego.
O período 2010-2013 correspondeu a uma fase de contração geral da economia do país, tendo-se registado decréscimos significativos do PIB e do emprego. Contudo, nesse período, as atividades económicas relacionadas com o mar apresentaram desempenhos mais favoráveis do que a média nacional. Isto significa que, em Portugal, em tempos de crise, a economia do mar é particularmente resiliente e tem um papel importante na recuperação económica.
Como é que podemos equilibrar a importância económica com a sustentabilidade?
Temos vários instrumentos ao nosso dispor, que devem ser utilizados de forma concertada. Em primeiro lugar, temos de reforçar a eficiência da legislação e da regulamentação que asseguram uma transição para os mais elevados padrões de sustentabilidade nas diversas atividades económicas ligadas ao mar. Em segundo lugar, devemos investir em ciência e inovação para desenvolver novas tecnologias que tornem as atividades económicas mais sustentáveis. Em terceiro lugar, temos de investir, cada vez mais, na educação e na literacia do oceano, por forma a alterar os comportamentos dos cidadãos, sensibilizando para a necessidade de adotarem comportamentos mais sustentáveis e transmitirem sinais de mercado claros aos agentes económicos, com vista a uma mudança de paradigma.
Dentro da Economia do Mar qual é o setor mais representativo?
Tradicionalmente, pensamos na pesca, na indústria conserveira e de transformação ou no transporte marítimo como setores emblemáticos da economia do mar em Portugal. Contudo, se olharmos para as estatísticas dos últimos anos veremos que o setor mais representativo em termos económicos foi o turismo. O recreio, desporto, cultura e turismo, no seu conjunto, representaram 3,2 mil milhões de euros de Valor Acrescentado Bruto (VAB), em 2018, e 78.195 empregos em Portugal, em 2017.
Este grupo de atividades foi o principal gerador de valor acrescentado no contexto da economia do mar de Portugal, como reflexo, principalmente, da dinâmica do turismo costeiro, representando 43,1% do VAB da economia do mar entre 2016 e 2018. O turismo de cruzeiros contribuiu para estes valores, tendo em 2019 registado 903 escalas em Portugal, com cerca de 1.436.000 passageiros, como reflexo do aumento da procura turística do nosso país. A animação turística também teve um crescimento assinalável. No ano de 2020, nas freguesias costeiras, estavam registadas 2.543 empresas de animação turística (eram 65 em 2013) e 906 operadores (eram 36 em 2013).
Pode exemplificar algumas medidas que estejam a ser tomadas para tornar os setores mais sustentáveis?
Há muitas medidas. Começando pelas pescas, temos cada vez mais mecanismos de controlo dos totais de captura e quotas de pesca permitidos, que são baseados em informação científica precisa sobre a capacidade regenerativa dos ecossistemas. No transporte marítimo e na construção naval temos em curso a transição para o chamado green shipping. Esta transição inclui várias iniciativas a decorrer ao nível da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla inglesa), e várias iniciativas europeias para regulamentar as emissões dos navios. Nos portos temos investimentos consideráveis na transição energética e na proteção do ambiente em geral, designadamente na gestão de resíduos e na redução da poluição marinha e atmosférica. Na energia, temos uma aposta clara nas energias renováveis oceânicas e na produção de hidrogénio verde, tendo Portugal estratégias nacionais desenvolvidas e ações concretas em ambas as áreas. Cito apenas estes exemplos destes setores, mas há muitas outras medidas em curso.
Portugal tem uma localização geográfica privilegiada que lhe permite apostar nesta economia. Pensa que o país está a aproveitar essa oportunidade?
O mar de Portugal possui uma elevada biodiversidade e com características geológicas extraordinárias, como são, por exemplo, os ecossistemas hidrotermais de grande profundidade, os recifes de corais frios ou os campos de esponjas associados aos montes submarinos. Mas também a nível costeiros há uma biodiversidade com realidade atual e grande potencial no contexto da biotecnologia azul. Salvaguardado o impacto ambiental, a nossa posição geográfica permite-nos, de forma privilegiada, aceder, prospetar e planear o uso sustentável deste tipo de zonas com características únicas.
Já foi feito muito trabalho, mas o potencial ainda é largamente inimaginável. Numa outra dimensão, podemos ver o crescimento da atividade portuária ou o aumento do turismo costeiro na última década, como exemplos de sucesso. O Porto de Sines é hoje um dos maiores portos da Europa. Contudo, creio que a nossa posição geográfica ainda encerra um grande potencial que podemos aproveitar melhor. Desde logo, enquanto hub atlântico nas cadeias logísticas globais para a base marítima. Portugal está no cruzamento de várias rotas marítimas internacionais e, por isso, pode assumir uma centralidade maior, designadamente com a aposta no tráfego de carga contentorizada, fazendo do país uma plataforma giratória de cargas entre os continentes europeu, americano e africano.
Acredita que Portugal pode ser um hub internacional de logística? Se sim, serão tomadas medidas para que isso não traga impactos ambientais no litoral português?
Acredito que sim, como acabei de referir. Aliás, creio que um aumento do tráfego de carga contentorizada nos permitirá tirar partido dos portos como elementos agregadores para fazer crescer Portugal enquanto plataforma de movimentação de mercadorias no Atlântico, com a captação de mais linhas de transporte marítimo e a fixação de mais empresas no país. Claro que em toda a cadeia logística, e em particular nas novas construções, devemos assegurar investimentos na transição energética e em melhores práticas ambientais, designadamente na gestão de resíduos, na redução da poluição marinha e das emissões atmosféricas.
Igualmente importante será uma contínua aposta no estado-da-arte da automação, digitalização e simplificação de procedimentos. Estou confiante de que a inovação e os avanços tecnológicos nestes setores vão continuar a permitir termos, simultaneamente, aumentos de atividade económica e reduções nos impactos ambientais.
Quais os principais desafios que gostaria de destacar na Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 (ENM)?
Destacaria dois desafios. Um desafio à escala global para inverter a tendência de degradação do oceano. Isto é, para combater a intensificação das alterações climáticas, a perda de biodiversidade e de integridade dos ecossistemas, as diferentes formas de poluição (incluindo por plásticos), e a acidificação do oceano. É um desafio que Portugal não pode enfrentar sozinho, mas no qual pode ter um importante papel promotor e de liderança na arena internacional, como aliás tem sucedido já há vários anos. Este papel de liderança inclui esforços diplomáticos e iniciativas internacionais (como por exemplo a organização da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas prevista para Lisboa), mas também uma liderança pelo exemplo, com o desenvolvimento de políticas e a aplicação de melhores práticas.
São exemplo disto o nosso investimento nas ciências do mar, reconhecido no Global Ocean Science Report 2020 do IOC-UNESCO, e o nosso pioneirismo nas energias renováveis oceânicas. São apenas dois exemplos, entre muitos, que podem ser seguidos por outros países ampliando o seu impacto global. Na área da governação do oceano a nível nacional também somos inovadores. Somos dos poucos países que têm uma Estratégia Nacional para o Mar ou um Ministério do Mar. O segundo desafio que gostava de referir é o da construção de uma economia azul, verdadeiramente sustentável. Temos de melhorar a nossa capacidade de transformar conhecimento científico em negócios rentáveis e empregos. E temos de o fazer enquanto protegemos e restauramos os ecossistemas marinhos.
Como já aqui disse, a inovação e a tecnologia são peças chave na construção de um novo paradigma baseado numa economia circular e de base biológica, onde os princípios de redução, substituição, reutilização, reciclagem e reaproveitamento de recursos primários serão a norma. Esta economia azul será uma grande consumidora de conhecimento científico e de recursos humanos qualificados e, por isso, Portugal terá de ser capaz de dar resposta a estas necessidades.