‘Fungicultura’: Estes besouros aprenderam a usar o odor para distinguir entre fungos ‘bons’ e ‘maus’
São vários os animais que atuam como autênticos agricultores, desde os peixes Stegastes diencaeus, que ‘cultivam’ as algas que preferem e erradicam as daninhas, ou várias espécies de formigas que constroem as suas próprias reservas de fungos.
Mas também na ordem dos coleópteros, onde se incluem os escaravelhos, os besouros, os gorgulhos e as joaninhas, há exemplos de um tipo particular de agricultura. Os besouros da espécie Xylosandrus germanus vivem em comunidades numerosas e para assegurar que a ‘despensa’ está bem aprovisionada, cultivam certos tipos de fungos, que, por exemplo, usam na sua alimentação.
Na madeira de troncos de árvores da floresta, os besouros cuidam dos fungos que são mais importantes para a sobrevivência e prosperidade da comunidade e procuram erradicar aqueles que podem causar doenças e ameaçar a colónia, muito à semelhança do que um agricultor humano faz num campo de cultivo, ao cuidar de certas plantas e arrancar as que podem colocar em risco a cultura.
Um grupo de investigadores de Itália, Alemanha e Estados Unidos da América fala mesmo da existência de uma ‘fungicultura’, própria destes grupos taxonómicos, que tem por base o odor.
Num artigo divulgado na revista ‘Frontiers in Microbiology’, os cientistas revelam que os X. germanus conseguem distinguir entre as espécies de fungos ‘bons’ e ‘maus’ através dos odores.
Antonio Gugliuzzo, da Universidade de Catania, em Itália, e um dos principais autores da investigação, explica que o odor produzido pelos fungos dos quais os besouros se alimentam atuam como ‘feromonas de agregação’, que atraem os coleópteros para árvores que estão já colonizadas por esses fungos.
Acontece que, por vezes, os fungos dos quais os X. germanus se alimentam estão alojados em árvores de fruto, pelo que o ‘chamamento odorífero’ pode atrair grandes números de besouros e levar a prejuízos agrícolas consideráveis. Explicam os cientistas que o X. germanus é considerado uma espécie invasora, tendo já uma distribuição ampla em toda a Alemanha.
“Até agora, não conseguíamos explicar como estes besouros atacavam as árvores em grupos”, reconhece Peter Biedermann, da Universidade de Freiburg, na Alemanha, e outro dos principais autores do artigo. No entanto, as experiências realizadas permitiram perceber que esses coleópteros são atraídos pelo odor dos fungos dos quais se alimentam, e que tinham já sido ‘cultivados’ nos ramos das árvores por membros da mesma espécie.
“Isto permite aos besouros colonizar árvores fragilizadas em número muito maior e tomar de assalto as defesas da árvore mais facilmente”, explica Biedermann, apontando que isso poderá resultar na morte da árvore.
Os cientistas acreditam que, com mais investigações científicas, será possível identificar o componente específico do odor dos fungos que atrai os besouros, e depois usá-lo para criar armadilhas que afastem os coleópteros dos frutos.
Esta relação entre fungo e besouro foi também documentada num outro artigo, publicado no final de março na ‘Symbiosis’. Nesse trabalho, os investigadores revelam que uma outra espécie, a Xyleborinus saxesenii, é também capaz de diferenciar entre os fungos bons e os maus, através do odor.
Neste trabalho, os cientistas conseguiram confirmar que essa capacidade não se cinge aos indivíduos adultos, mas que também as larvas são capazes de distinguir entre os fungos que servem de alimento e os que podem ser prejudiciais à sua saúde.
Os resultados de ambos os estudos, segundo Biedermann, podem resultar em “ideias para a nossa agricultura [a feita pelos humanos] controlar organismos prejudiciais de uma forma sustentável e amiga do ambiente”.