Grande Mancha: um continente chamado plástico



Há uma gigantesca ilha a flutuar no Oceano Pacífico, entre a Califórnia e o Havai. Calcula-se que tenha 80 mil toneladas de lixo que ocupam uma área de 1,6 milhões de quilómetros quadrados, o que equivale a mais de 17 vezes o tamanho de Portugal Continental.

O capitão e oceanógrafo norte-americano Charles Moore nem queria acreditar no que estava a ver. Ao comando do seu veleiro, após ter participado numa regata náutica, tropeçou num mar de plástico tão extenso que precisou de sete dias para atravessá- lo.

Estávamos em 1997 e a descoberta de Moore acabava de tornar pública a ilha de lixo no Pacífico, mobilizando a comunidade científica para esta tragédia que ameaça o planeta. Mais tarde, uma equipa internacional de cientistas mediu esta Grande Mancha e o resultado é assustador: nesta ilha de plástico entre o Havai e a Califórnia flutuam 1,6 milhões de quilómetros quadrados de lixo, o que equivale a mais de 17 vezes o tamanho de Portugal continental, dos Açores e Madeira. Num artigo científico publicado na revista Scientific Reports, os cientistas mostram que há cerca de 80 mil toneladas de plástico a flutuar nessa ilha. Laurent Lebreton, cientista da Fundação The Ocean Cleanup e principal autor do artigo, descreveu-a da seguinte forma: “É importante salientar que a Grande Mancha de Lixo do Pacífico não é uma ilha de lixo, mas uma área onde a concentração de plástico flutuante é significativamente mais elevada do que noutras partes do oceano.”

E acrescenta: “Se a virmos do céu, por exemplo, só vemos um oceano azul profundo, mas se a virmos mais de perto começamos a perceber que há muitos detritos espalhados à superfície.” No Congresso da Associação Internacional de Resíduos Sólidos, que aconteceu na cidade espanhola de Bilbau em 2019, o capitão Charles Moore mostrou-se pessimista com relação à poluição oceânica e advertia que o plástico invadirá cada cm2 das praias no futuro.

Uma profecia que pode parecer um pouco ousada, mas, ao vir do primeiro homem que navegou através da ilha flutuante de lixo, convém ser levada em conta. Os danos para o reino animal também são incalculáveis: milhares de mamíferos marinhos e aves aquáticas morrem anualmente ao confundirem o plástico da ilha de lixo do Pacífico com alimentos ou por ficarem presos nas redes abandonadas no mar. Em 2016, um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO) advertia sobre a presença de microplásticos em até 800 espécies de peixes, crustáceos e moluscos.

A saúde humana será igualmente prejudicada por esta acumulação de lixo oceânico. O plástico microscópico ingerido pelos peixes e por outras espécies que fazem parte da nossa dieta passa ao nosso organismo pela cadeia alimentar. Um estudo publicado em 2018 pela organização Greenpeace e pela Universidade Nacional de Incheon (Coreia do Sul) concluiu que 90% das marcas de sal das amostras no âmbito mundial continham microplásticos. Os biólogos têm observado cachalotes a brincar na área do Grande Depósito de Lixo do Pacífico.

Perante os perigos da poluição plástica para a vida marinha, estas visitas são extremamente preocupantes. De acordo com um estudo publicado em agosto na revista especializada Marine Biodiversity, os investigadores da Ocean Cleanup Foundation estudaram a Grande Ilha de Lixo do Pacífico e observaram pelo menos quadro cachalotes – incluindo uma mãe e uma cria -, três baleias-bicudas, duas baleias e pelo menos cinco outro cetáceos. “As nossas observações de vários plásticos oceânicos de uma ampla variedade de tamanhos sugerem que os cetáceos dentro do Grande Depósito de Lixo do Pacífico provavelmente são impactados pela poluição do plástico, seja por interações de ingestão ou emaranhamento com detritos”, concluíram os autores do estudo. De manchas microscópicas de microplásticos a redes gigantes, todo este lixo não biodegradável representa uma ameaça real à biodiversidade marinha.

Recentemente, investigadores nas Filipinas descobriram uma baleia morta que tinha engolido mais de 40 quilogramas de lixo plástico, incluindo sacos de gelo, sacos de supermercado e sacos de plantação de banana. O lixo marinho é o principal inimigo dos oceanos, que põe em risco todos os dias a vida de milhões de espécies. Em setembro de 2020, foram recolhidas 29 toneladas de lixo durante a semana de limpeza costeira organizada pela Fundação Oceano Azul.

Segundo a World Wide Fund (WWF), cerca de 12 milhões de toneladas de plástico vão parar ao oceano todos os anos, não sendo acaso a existência de ilhas de lixo no oceano como a do Pacífico. A Organização alerta para restos de equipamentos de arte de pesca, desde redes a anzóis e fios de pesca, que são perdidos no oceano todos os dias e que representam uma grande margem desse lixo. “Entre 500 mil a 1 milhão de toneladas de equipamentos de pesca são descartados ou perdidos no oceano todos os anos”, afirmam. Estes objetos acabam por sufocar e prender as espécies, levando-os à morte, e danificam vários habitats marinhos e recifes de coral que são essenciais para os ecossistemas.

Já foram registados vários casos de animais como baleias e tartarugas que vieram dar à costa emaranhados ou com resíduos plásticos no estômago. A WWF refere que outro risco derivado deste problema assenta na qualidade da pesca, que é o sustento de muitas famílias a nível económico e alimentar. Sarah Young, da WWF, explica no jornal “The Independent”: “O oceano é o nosso herói anónimo no combate à crise climática.

Hoje em dia o planeta estaria 35º C mais quente se o oceano não nos protegesse. Mas o oceano não pode proteger-nos se não o protegermos, e atualmente a natureza está em queda livre.” A Fundação aponta várias medidas de solução, nomeadamente, que estes equipamentos sejam fabricados de forma a que sejam recicláveis e facilmente detetáveis, que os governos adotem novas regras em relação à pesca e ao lixo marinho, e que os pescadores façam os possíveis para não perder estes equipamentos, e, caso os percam, que relatem às entidades competentes.





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