Histórias da Rua: jovem fotógrafo dá a conhecer a vida dos sem-abrigo de Lisboa
Um jovem fotógrafo brasileiro criou um blogue onde publica histórias de pessoas que vivem na rua. O projecto chama-se Histórias das Ruas e dedica-se agora à cidade de Lisboa. Em breve, viajará até Marraquexe e depois Paris, sempre com um mesmo objectivo em mente – dar a conhecer as histórias de vida dos sem-abrigo.
Henrique Rangel tem 20 anos e é natural de Americana, no interior de São Paulo. Criou em Setembro de 2011 o projecto, que pretende dar a oportunidade a quem vive na rua de partilhar as suas experiências, sair do anonimato e sensibilizar as pessoas para esta realidade.
A ideia de criar o blogue onde partilha as histórias surgiu de um acaso. “Estava na praia com uma amiga e passámos horas a conversar com um menino que tinha acabado de sair da cadeia e que estava a morar na rua. Ele contou-nos toda a sua vida. Depois daquele dia pude perceber que todos têm uma história para contar e que ninguém está na rua por vontade própria.” A curiosidade de conhecer mais casos, associada à vontade de ter um espaço onde os partilhar, fez nascer o Histórias das Ruas.
O método de abordagem é simples. Henrique aproxima-se das pessoas que encontra na rua, mete conversa com elas e testa a sua aceitação. “Nunca ultrapassei o espaço da pessoa – se não aceita, não insisto”, explica. “Não tenho como saber como é para elas lidar com a sua própria história – algumas adoram, outras odeiam ter de a relembrar.”
Esta não é uma tarefa fácil. Já aconteceu o jovem deparar-se com pessoas agressivas ou até mesmo com problemas mentais.
Como fotógrafo, Henrique atribui muita importância à parte da imagem neste trabalho. Na maior parte dos casos, podemos encontrar a fotografia do entrevistado a acompanhar o seu relato. Isto não é, contudo, premissa obrigatória do projecto. Há histórias que são publicadas sem fotografia, caso a pessoa não se sinta confortável em revelar a identidade. “Eu realmente não me importo, mas também não nego que a foto dá vida a toda história relatada”, afirma.
Henrique já percorreu várias cidades em busca de histórias: Americana, Santa Bárbara do Oeste, Campinas, Rio de Janeiro, São Paulo e agora, pela primeira vez fora do Brasil, Lisboa, onde chegou através do convite de uma amiga. “Já tinha a ideia de trazer o projecto para a Europa e resolvi abraçar a oportunidade”, explica. Ele revela ainda que a história de Marcos André, um rapaz de 19 anos que conheceu na capital portuguesa, é já uma das que mais o marcou desde que iniciou este trabalho.
Ao todo, o jovem já contactou com cerca de 80 pessoas. Nem todas as histórias são publicadas no blogue – algumas pessoas não autorizam a divulgação e Henrique guarda os relatos para si. “Outras histórias guardo para um futuro livro que quero escrever”, avança.
Entre tantas pessoas, a tristeza e o sofrimento que carregam relativamente ao passado são o principal ponto em comum presente nos relatos que ouve.
As reacções dos leitores do blogue dividem-se. Henrique sente que a maioria dos que o acompanham gosta do seu trabalho, mas há uma parte que não tem a mesma opinião. Já recebeu mesmo emails acusando-o de se aproveitar das histórias dos entrevistados. Ele defende-se explicando: “Ao menos eu converso com eles, coisa que ninguém faz, e com certeza que, se tivesse condições financeiras, ajudaria muito mais as pessoas que vivem na rua”.
Henrique sempre sentiu necessidade de documentar o mundo, aliando o seu gosto por viagens ao da fotografia – e este projecto torna isso possível. “Utilizo essas duas paixões para mostrar aos seguidores do meu projecto a realidade em qualquer lugar do mundo – realidade essa que não passa nas televisões ou nos jornais e que a população finge que não vê.”
As expectativas profissionais para o futuro passam pela continuação deste projecto. “Não me imagino a fazer outra coisa”, afirma. Sem ambições de grande riqueza, gostaria de poder viver deste trabalho. “Quero apenas poder trabalhar no que realmente amo e poder um dia, no futuro, ver que o meu projecto serviu para ajudar uma parte do mundo e abrir os olhos da maior parte dele.”
Henrique segue no final deste mês para Marraquexe e, consigo, o Histórias das Ruas. As viagens são para ele muito mais do que passeios turísticos – são oportunidades de deixar de condenar ao desconhecido quem se vê, por diversas razões, largado ao sem tecto da rua. Logo de seguida, o destino é Paris. O jovem deseja ainda levar o projecto até Nova Iorque, Londres, Roma e cidades na Índia.
Acompanhe o trabalho deste jovem e conheça as histórias de quem não tem casa, mas tem muito para contar.