Índice de justiça entre gerações negativo no ambiente e na habitação
Portugal registou uma variação positiva do índice de Justiça Intergeracional nos últimos anos, mas tanto na habitação, como no ambiente e recursos naturais, a situação em 2020 era pior do que em 2015, revela um estudo hoje divulgado.
“O contributo negativo da dimensão ambiente e recursos naturais é devido à incapacidade de o país cumprir com os compromissos assumidos no âmbito da economia circular, nomeadamente ao nível da produção e reciclagem de resíduos, bem como do crescente stress hídrico”, concluíram os autores de um trabalho coordenado pelo catedrático Paulo Trigo Pereira, intitulado “Um Índice de Justiça Intergeracional para Portugal”.
As conclusões apontam também para um contributo “crescentemente negativo da habitação para os jovens”, neste índice, devido às dificuldades que enfrentam para terem casa própria e à perda de autonomia. Em 2020, mais de metade dos jovens (25–34 anos) vivia em casa dos pais.
“Em todas as dimensões há aspetos críticos que podem prejudicar a justiça intergeracional”, assinalaram os investigadores, destacando o ambiente, com a produção e reciclagem dos resíduos urbanos, a gestão florestal e os incêndios. No mercado de trabalho, os contratos a termo, o desemprego e a emigração jovem, bem como o acesso a habitação e o grau de autonomia dos jovens são aspetos que pesam pela negativa.
“No período 2015 a 2020 houve, em termos agregados, uma melhoria ligeira da justiça intergeracional em Portugal. Esta melhoria resulta de efeitos em sentido contrário de várias dimensões. Se analisarmos o período pré-pandémico (visto que 2020 é um ano à parte), há sobretudo três dimensões que melhoram (a pobreza e condições de vida, o mercado de trabalho e as finanças públicas). Há duas que pioram (o ambiente e recursos naturais e a habitação), e finalmente uma que se apresenta relativamente estável (saúde)”, lê-se no relatório, que será hoje apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian.
Os relatores sugerem a criação de um observatório de justiça intergeracional, sublinhando que Portugal tem já vários observatórios setoriais, mas nenhum que aborde simultaneamente “várias áreas relevantes” para as políticas públicas.
O caminho, dizem, passa por criar “instituições que zelem pelos interesses das gerações futuras”.
“As democracias tendem a subestimar os interesses das gerações futuras (que ainda não nasceram e não votam)”, alertam.
O problema das alterações climáticas e do uso excessivo dos recursos naturais, a dificuldade crescente no acesso à habitação, a dualidade e precariedade do mercado de trabalho, o endividamento público e externo excessivos são matérias negativas identificadas no estudo.
Por outro lado, há aspetos em que as novas e futuras gerações poderão aceder a um maior nível de bem-estar do que as atuais, pela acumulação de “um maior stock de capital humano” e um desenvolvimento tecnológico que abrem “um potencial de escolha maior” e aumentam a esperança de vida e, potencialmente, a qualidade de vida na velhice.
A ideia subjacente é que cada geração deve receber tanto em transferências quanto contribui, ao longo de uma vida, para não forçar as gerações futuras a serem nem contribuintes líquidos, ou seja, a contribuírem mais do que beneficiam, nem beneficiários líquidos. “Isto envolve a noção de troca justa subjacente à reciprocidade – que cada geração beneficie tanto do Estado como transfere para outras”, explicam os académicos.
Na área do ambiente, as florestas são tomadas como exemplo de um dos principais componentes do capital natural que é deixado às gerações futuras. “Para além do seu potencial produtivo, as florestas fornecem um conjunto importante de serviços de ecossistemas: contribuem para a manutenção dos lençóis freáticos, evitam a erosão do solo, promovem a biodiversidade, têm um efeito de sumidouro do carbono, entre muitos outros benefícios. O facto de os serviços destes ecossistemas não serem pagos é um fator adicional, a par de outros, para sugerir que a gestão da floresta é ineficiente e que há uma tendência para a desflorestação e para a promoção de usos alternativos do solo”.
A qualidade das águas subterrâneas, de “fundamental importância” para a agricultura e o abastecimento em Portugal, é sobretudo afetada pelos fertilizantes usados na agricultura, que se infiltram no solo. “Devido às dificuldades em identificar as fontes poluentes e à fraca regulação no setor, os agricultores não internalizam a externalidade negativa decorrente das suas práticas de cultivo. Por conseguinte, não possuem incentivos para adotar técnicas mais limpas e sustentáveis”, assinalam os investigadores.
“Se olharmos apenas para o período mais recente, há ligeiros progressos ao nível da descarbonização da economia, traduzida numa melhoria do índice das alterações climáticas. Em 2015, tinha o valor de 0.19 e em 2021, de 0.37. Por seu turno o índice de florestas e biodiversidade tem dois indicadores que evoluíram em sentido contrário. Se ao nível da gestão florestal houve melhorias nos últimos anos, pela criação de novas zonas de intervenção florestal ao nível do efeito sumidouro das florestas, e dos serviços de ecossistemas proporcionados pelas florestas houve uma regressão, sobretudo na sequência dos incêndios de 2017”, advertem.
Do ponto de vista das políticas públicas são assinaladas situações preocupantes ao nível da produção e reciclagem de resíduos (economia circular) e do “stress hídrico”. Em vez de Portugal registar progressos no sentido das metas anuais que quer alcançar (o “contrato social” implícito com as gerações futuras) está “a afastar-se dessas metas”.
No documento, deixaram ainda recomendações para melhorar a política pública em três domínios: manutenção dos caudais ecológicos dos rios, incentivos corretos na agricultura principalmente em relação aos fertilizantes e métodos de cultivo e incentivos ao consumo sustentável e combate às perdas de água, incluindo formas mais eficientes de irrigação na agricultura e reutilização da água.
“É importante sublinhar que existem metas para a reutilização das águas. No entanto Portugal está atualmente muito abaixo dessas metas, tendo apenas uma taxa de reutilização de água de cerca de 2%. Além disso, as alterações climáticas impõem novos desafios”. Estima-se que as secas se tornem mais frequentes e com maior duração, pelo que a gestão das águas “não só deveria manter o capital natural recebido, mas também melhorá-lo pois os cenários futuros não são favoráveis”.