Indígenas brasileiros em luta para julgamento que pode definir o seu futuro
Centenas de indígenas estão acampados em Brasília para pressionar os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) a decidirem contra o marco temporal, uma tese que limita demarcações das terras e considerado “um retrocesso” e “genocida para os povos” originários.
“O marco temporal é um retrocesso de direitos para nós, chega a ser um projeto de morte, um projeto genocida para os povos indígenas”, conta à Lusa, a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil Val Eloy Terena no acampamento montado desde segunda-feira em Brasília, a poucos quilómetros da Praça dos Três Poderes, onde se encontram as sedes da presidência, do poder legislativo e judiciário do maior potência da América Latina.
“Não é só o direito dos povos indígenas que está em jogo. É a vida do povo brasileiro, é o planeta”, sublinha a líder indígena que nasceu na aldeia Ipegue, localizada no território indígena Taunay-Ipegue, no município de Aquidauana.
O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil inicia hoje um julgamento sobre o marco temporal, uma tese jurídica promovida pela direita brasileira que propõe reconhecer como terras indígenas apenas aquelas que eram ocupadas pelos povos originários em 1988, quando a atual Constituição foi promulgada.
“A nossa história não começa em 1988”, é a frase que mais se ouve no acampamento que promete ficar montado até à decisão da suprema corte brasileira.
Na semana passada, os povos originários tiveram mais uma derrota com a aprovação desta tese na Câmara dos Deputados. O texto vai agora pela análise do Senado.
“Para nós não foi surpresa” a aprovação na Câmara dos deputados, afirma Val Eloy Terena, acrescentando que “esse projeto de lei, projeto genocida para os povos indígenas, beneficia o outro lado: o agronegócio e a mineração”.
“Vamos perder os nossos territórios para um povo ganancioso que está preocupado com o umbigo, com o seu bolso”, critica.
Ainda assim, este julgamento que hoje se inicia tem o poder de reverter esta decisão. O processo no STF diz respeito à disputa pela posse da terra indígena Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é reivindicada pela procuradoria do estado.
A decisão do STF valerá para todos os casos relacionados a disputas que envolvem áreas indígenas.
“Essa é a nossa esperança, que eles tenham essa sensibilidade, que saibam a importância que a decisão deles tem para o planeta e para a mãe terra”, diz a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
De acordo com os dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, o Brasil tem um total de 764 territórios indígenas, mas cerca de um terço deles ainda não foi demarcado.
Em abril, o Governo de Lula da Silva reconheceu seis novos territórios, com outros oitos em vias de serem demarcados.
Contudo, a esta vitória de abril, celebrada também num acampamento em Brasília, veio uma nova derrota.
O Congresso Nacional retirou a responsabilidade do Ministério dos Povos Indígenas o poder de demarcação de terras indígenas, passando essa capacidade para o Ministério da Justiça.
Durante a assembleia popular que se realizou na terça-feira no acampamento, lideres indígenas procuraram explicar o que estava em causa com estas duas derrotas em menos de duas semanas e prometeram que não vão deixar de lutar.