João Borges: “O design social vive abafado pela mensagem publicitária”



Há ano, Portugal acordava com a notícia de que o portuense João Borges tinha vencido o concurso internacional para a selecção do logótipo da World Urban Campaign, das Nações Unidas.

Hoje, em entrevista ao Green Savers, o designer, um dos mais premiados, em 2010, no âmbito da sustentabilidade e responsabilidade social, explica como o design social deixou de ter “expressão notória”, estando num dilema entre a falta de campanhas lançadas por movimentos civis o apoio de “entidades estatais e governamentais”, que têm, porém, “uma visão factual e estratégica dos temas e causas”.

Tem coleccionado prémios na área do design social. Como pode o design ajudar a mudar mentalidades na busca de um mundo mais ético, social e ambientalmente responsável?

O design é hoje uma ferramenta de comunicação imprescindível para ajudar a organizar as mensagens e a formatação das mesmas. Passou de uma mera técnica a uma expressão combinada de vários elementos e tecnologias. O design é fundamental para a divulgação de causas, com o estrito benefício das mesmas, pois uma mensagem bem organizada e clara tem mais probabilidades de ser compreendida e, aqui, a cultura dos designers pode ser uma mais-valia.

Tem algum tipo de background ou interesse que lhe permita exprimir tão facilmente, através do design, as suas preocupações sustentáveis?

Podemos dizer, uma empatia por determinados temas de cariz social, a que não é alheia a minha vivência em família; a minha avó materna, Maria Amélia Camossa Saldanha, com quem vivi, foi uma das fundadoras das Ligas Independentes Católicas e participou na formação de grupos de leigos que após a 2ª Grande Guerra ajudavam as pessoas mais carenciadas. Sempre convivi perto dessas causas.

Sente que os cidadãos e as empresas, em Portugal, já estão sensibilizadas para os temas relacionados com o desenvolvimento sustentável, combate à pobreza extrema e fome ou inclusão social?

Talvez mais os cidadãos, que de muitas formas demonstram o seu altruísmo, todavia, as empresas não são autistas e procuram induzir e envolver-se em campanhas que promovam a sustentabilidade, até porque essa mensagem é hoje consensual e pode reverter-se num valor acrescentado para a imagem das marcas.

Quando parte para uma nova criação, sobretudo as que estão directamente relacionadas com a sustentabilidade, faz algum tipo de pesquisa para saber mais sobre esse questão específica?

Gosto de ler e pesquisar mas parte da minha experiência. Vem do meu contacto com agentes e intervenientes na área do ambiente e recursos naturais. Desde 1996 que colaboro com o Pelouro do Ambiente da Câmara do Porto e têm sido inúmeros os projectos de cariz ambiental e de educação ambiental que tenho concebido. Esta experiência tem sido importante, também, para a minha afeição a estes temas.

Há cerca de um ano venceu o concurso internacional para a selecção do logótipo da World Urban Campaign, das Nações Unidas. O que representa esse logótipo e que tipo de pesquisa efectuou para o desenhar?

Foi interessante porque tive muito pouco tempo para estudar o logo e enviei uma hora, talvez, antes do prazo final. Foi, porventura, um dos logos que concebi que mais gostei de desenhar. O tema pareceu-me tão evidente que a solução que pensei foi a única nos meus esquiços de execução. Ganhei o primeiro prémio por unanimidade. Foi gratificante. Um mundo composto por dezenas de elementos díspares mas semelhantes, desintegrados mas arquitectados, uma malha de espaços e cores que se relacionam. Um mundo de cooperação.

Julgo que continua a fazer o suporte gráfico da campanha World Urban Habitat, pelo menos até 2013. Qual é exactamente o seu trabalho neste processo?

Fiz o guia de utilização e o guia de estilo da imagem da World Urban Campaign. Neste momento estou a preparar, com a Universidade de S. Francisco (Califórnia), que está a coordenar o processo, para o estudo de aplicações que serão utilizadas, caso a caso, nos locais de implementação da campanha.

Recentemente, a arte ecológica atingiu altos níveis de mediatismo, com o filme Wasteland (Lixo Extraordinário), que acompanha o artista plástico brasileiro Vik Muniz na lixeira do Jardim Gramacho. Ainda que não seja bem o seu registo, acha que esta nova arte, a ecológica, está em ascensão?

Desde os anos 20 do século passado que várias formas de arte utilizam os valores e apelo à ecologia. A LandArt é um dos exemplos. Quando os modernistas e os expressionistas americanos começaram a utilizar objectos – estritamente relacionados com o “desperdício” – nas suas composições, estavam a focar de forma evidente a questão da sustentabilidade material, pelo menos. De forma muito vincada, o design actual usa e abusa de materiais “verdes” e disso faz publicidade, a Arts&Crafts é outro dos movimentos com influência, prática e teórica, na corrente de Craft Design que é bastante popular nos países do norte da Europa. O valor dos produtos reciclados, e o uso que deles fazemos, é visto hoje como uma valia e uma atitude formal/pessoal, diria, quase, politicamente correcto.

E o design social, como poderá ganhar mais relevância na vida quotidiana e, mais especificamente, no cabaz geral da cultura e artes em Portugal.

Faltam iniciativas para que o design social seja uma expressão notória. As poucas campanhas que vemos não são lançadas por movimentos civis, associações de cidadãos, mas por entidades estatais e governamentais que têm uma visão factual e estratégica dos temas e causas. Por outro lado, a crise económica leva a que o design social – o design que vive do apelo público, da imagem crítica, inflamada, do apelo à discussão – seja abafado pela mensagem publicitária que, de forma inteligente, adere a causas pontuais mas numa relação de proveito acrescentado para a memória dos seus produtos.

Do vasto leque de temas do design social, quais são aqueles que se sente mais confortável em retratar?

Todos aqueles que não envolvem, perniciosamente, a visão do proveito político, todos aqueles que possam ser assumidos com ética e coerência.

O que faz, profissionalmente, no seu dia-a-dia? Está relacionado com o desenvolvimento sustentável?

Trabalho muitos temas, no meu atelier, mas uma das minhas vocações é o apelo da história e dos livros, pelo que são esses temas que mais tenho trabalhado. As edições, as exposições e os museus são algumas das minhas paixões e, se na maioria das vezes a maior parte das solicitações são na área da cultura, também tenho tido a sorte de já ter concebido muitas exposições sobre os temas do ambiente.

Recentemente foi distinguido no concurso internacional Fight Porverty – Design for Social and Human Rights. De que forma esse seu trabalho irá ajudar a espicaçar a sociedade para um mundo mais sustentável?

O meu trabalho foi um entre 20 que foram seleccionados enquanto campanha: dez na área de design gráfico e dez na área do design de equipamento (maioritariamente ganhos por designers de países asiáticos). Gostava que quem visse o cartaz ficasse demovido pela mensagem, é esse o propósito. Do ponto de vista pessoal já é muito gratificante.

Já tem algum projecto futuro relacionado com a sustentabilidade?

Ainda não sei. Só posso dizer que quero continuar a participar em alguns concursos porque participar é uma forma de me envolver na construção de ideais e dinâmicas e de me sentir integrado numa comunidade, seja ela mais familiar ou mais distante.





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