Júlia e Bartolomeu, os jovens portugueses que querem estudar num veleiro (com ENTREVISTA)
O mar faz parte da vida de Júlia e Bartolomeu, dois amigos da Horta, Faial, que têm um sonho: estudar seis meses a bordo de um navio à vela pelo Atlântico Norte, através do projecto School at Sea.
Os dois jovens de 14 (Júlia) e 16 anos (Bartolomeu) praticam vela há vários anos e já passaram as duas fases de candidaturas para entrar no barco. Porém, nenhum dos dois consegue suportar os custos da viagem, que rondam os €21.000, estando de momento à procura de patrocínios.
“A angariação de fundos iniciou-se na primeira hora em que decidimos a participação no projecto. E as propinas não são os únicos gastos envolvidos. Para além disso, é preciso contar com as viagens dos Açores até Amesterdão, vestuário náutico, material de reportagem, entre outros”, explicaram os jovens ao Green Savers.
O projecto da School at Sea Foudation tem sede na Holanda e vai possibilitar a 30 a 35 jovens, com idades entre os 14 e os 17 anos, fazerem parte do ano lectivo a bordo de um navio à vela, com tudo o que implica a vida marítima – desde a cozinha à navegação, passando pela manutenção do navio, meteorologia e limpeza.
Os jovens devem embarcar de Amesterdão no dia 24 de Outubro e a viagem termina a 24 de Abril de 2016, no mesmo local. Os jovens seguem o programa das suas escolas de origem, sendo acompanhados a bordo por professores de áreas nucleares, que enviam relatórios a cada seis meses para os seus estabelecimentos de ensino e para os pais.
A bordo, os participantes alternam um dia de aulas e um dia de atividade marítima. De duas em duas semanas, têm um domingo livre. O Green Savers falou com Júlia e Bartolomeu sobre esta experiência.
Como surgiu o sonho de estudarem seis meses no School at Sea?
A ideia surgiu quando o Regina Maris (o tall ship da Fundação Holandesa School at Sea) fez escala na Horta, em Abril último, e a Júlia visitou o barco, integrada numa visita a bordo de vários estudantes da Escola Secundária Manuel de Arriaga. Partilhou o seu entusiasmo com o Bartolomeu e resolveram abraçar este projeto em conjunto.
Qual a mais-valia de participarem nesta aventura?
É muito mais que uma aventura. É acima de tudo uma oportunidade de crescermos em todas as dimensões como indivíduos e de podermos partilhar uma nova forma de ver a escola e a aprendizagem. A School at Sea tem uma abordagem pedagógica única no contexto das existentes a nível nacional.
Os alunos iniciam o ano na sua escola de origem, integrando a turma de forma regular, ao mesmo tempo que preparam os conteúdos que terão que seguir e as metas que terão que atingir durante os seis meses que passam a bordo. Em Outubro embarcam em Amesterdão, com destino às Caraíbas, regressando ao porto de origem em Abril, para se voltarem a juntar à turma da escola de onde partiram.
Ao longo dos seis meses a bordo, os alunos integram a experiencia náutica, a formação escolar e o contacto com diversas realidades, línguas e culturas das diferentes paragens. A vida a bordo alterna entre um dia de escola, das 8h às 18h, e um dia de prática e ensinamentos náuticos. O domingo é dia de descanso. No barco existem tutores que se encarregam de acompanhar o estudo dos alunos e o cumprimento das metas previamente estabelecidas e enviam regularmente relatórios com o progresso dos alunos para a escola de origem.
Estão previstas diversas paragens de alguns dias (Canárias, Dominica, Antilhas Holandesas, Ilha San Blas, Ilha Providencia, Cuba, Bermuda e Horta – Açores) havendo expedições por terra dentro, visitas culturais e intercâmbios com as escolas locais.
Como esperam garantir os €21.000 para as propinas? Que acções têm tomado para garantir estes patrocinadores e que retorno lhes poderiam assegurar?
A angariação de fundos iniciou-se na primeira hora em que decidimos a participação no projeto. As propinas não são os únicos gastos envolvidos. Para além disso é preciso contar com as viagens dos Açores até Amesterdão, vestuário náutico, material de reportagem, entre outros.
Para obter a quantia necessária contactámos muitas pessoas e instituições, construímos sites para a divulgação do projeto e angariação de fundos (vieirabrancojulia.wix.com/bluejusas e bartatsea.wix.com/bartatsea) e temos desenvolvido ações diretas de angariação de fundos como vendas de doces, entre outras.
Neste momento já reunimos um conjunto de apoios institucionais: Federação Portuguesa de Vela, Secretaria Regional o Mar Ciência e Tecnologia, Clube Naval da Horta, Câmara Municipal da Horta. Relativamente aos apoios financeiros aguardamos ainda a concretização de algumas propostas.
Neste momento, o nosso principal apoio vem da COFACO Açores (Bom Petisco) que, regendo-se por princípios de actuação que promovem o desenvolvimento sustentável, percebeu a relevância deste projecto para o todo nacional e disponibilizou-se para o apoiar. Também empresas locais como o Peter Cafe Sport, a Hortacetaceos, a Quinta da Meia Eira e a SailboatAzores são já nossos parceiros empenhados.
O nosso projecto tem um âmbito internacional e propomo-nos manter uma ampla divulgação a nível regional, nacional e internacional. Trata-se de divulgar os valores de um ensino assente no saber fazer, no saber ser e no saber estar, a par da defesa de um planeta sustentável.
Continuamos à procura de quem se queira associar a este projecto. Temos procurado empresas que tenham interesses em comum connosco. Empresas relacionadas com o mar, energias renováveis, vida dos jovens, educação.
Já temos a manifestação de interesse por parte de um dos maiores portais nacionais para publicação dos nossos diários de viagem, o que criará um espaço publicitário que admitimos ser muito interessante para muitas empresas, dado o seu elevado número de visualizações. Esperamos em breve ter novidades relativamente a esta questão e a sua concretização.
Em troca do contributo monetário, propomo-nos a escrever crónicas periódicas que as empresas/entidades podem utilizar. Pensámos também em tirar fotografias nos diversos sítios onde o barco parar, utilizando vestuário com o logótipo das empresas.
Estão perto de garantirem a inscrição, ou acreditam que isso será difícil?
Neste momento já garantimos a aceitação na School at Sea. Ao longo destes meses passámos por diversas provas de selecção, que avaliavam acima de tudo o perfil psicológico, a motivação e o desempenho escolar, tendo a última das provas sido um fim-de-semana onde participámos em actividades de grupo com os restantes candidatos de várias nacionalidades, sobretudo holandeses. Soubemos o resultado final esta semana e, com muita alegria nossa, fomos escolhidos.
Gostariam de seguir uma vida ligada ao mar?
Ainda não sabemos, com certeza, o que queremos seguir profissionalmente mas o mar é de facto uma grande atracção.
Que conhecimentos ligados ao tema já têm?
A Júlia iniciou a prática de vela aos nove anos. O mar é algo que sempre a fascinou. O Bartolomeu faz vela desde os seis anos. Tem carta de marinheiro e neste momento integra a tripulação de uma embarcação de vela de cruzeiro.
Para além disso, a relação das pessoas que vivem nos Açores com o mar é intrínseca, diária e permanente. Das nossas casas vemos o mar, da nossa escola vemos o mar, do conservatório vemos o mar. Por isso, parece-nos que esta experiência se enquadra perfeitamente na nossa vivência diária.
Portugal está intimamente ligado ao mar mas, ainda que sucessivos Governos assegurem que a economia do mar é-nos relevante, o afastamento dos portugueses perante este recurso natural é acentuado. Como pode Portugal e os portugueses voltarem a abraçar este recurso?
Ao nível do acesso ao mar, entendemos que é necessário concretizar a Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020, onde se afirma que o mar português é “um desígnio nacional cujo potencial será concretizado pela valorização económica, social e ambiental do oceano e das zonas costeiras, para benefício de todos os Portugueses”. É necessário realmente permitir e fomentar esse acesso ao mar.
Pensamos que este é, sem dúvida, um projecto que fará refletir sobre esse tema e recolherá elementos importantes para ajudar a levar a bom porto esse desafio. Portugal tem muitas embarcações que se prestariam a um modelo como este e está cheio de alunos ávidos por um ensino diferente do praticado na maioria dos bancos da escola.
Por tudo isso, será de todo o interesse que as diversas entidades, regionais e nacionais, com responsabilidades e motivação para os valores em causa, viabilizem este projeto que junta educação com mar de forma responsável e responsabilizadora.