Mineração em mar profundo: Cientistas alertam para “riscos significativos” e impactos “irreversíveis” nos ecossistemas



Atualmente, a exploração de minerais no fundo do mar ainda não é permitida ao abrigo do direito internacional. De acordo com a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), um órgão criado em 1982 ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e que tem como função regular essa atividade em águas fora da jurisdição exclusiva dos Estados, “nenhuma operação de mineração começou em lado algum no mundo”, pelo menos, não em águas internacionais.

O que até agora tem sido feito são “atividades de exploração no leito oceânico para recolher a informação necessária sobre a localização e a qualidade dos minerais no fundo do mar, bem como para recolher toda a informação ambiental necessária”, diz a ISA. Até à data, foram autorizadas 30 dessas missões exploratórias, que abrangem mais de 1,3 milhões de quilómetros quadrados do fundo marinho, cerca de 0,3% da área global.

No seu portal online, a autoridade aponta que a mineração em mar profundo só poderá começar “quando os regulamentos de exploração atualmente a serem desenvolvidos pela ISA forem acordados” e adotados pelo seu Conselho. Contudo, ambientalistas e cientistas fazem já soar os alarmes.

Segundo a Greenpeace, a mineração em mar profundo pode receber ‘luz verde’ da ISA já em julho de 2023. Se tal acontecer, as empresas desse setor poderão, pela primeira vez, explorar os mineiras nos fundos oceânicos a uma escala industrial. A organização não-governamental alerta que, com a atribuição das licenças de exploração, “importantes ecossistemas, como montes marinhos e fontes hidrotermais das profundezas” podem ficar ameaçadas.

Numa investigação conjunta, a Greenpeace e cientistas da Universidade de Exeter, no Reino Unido, avisam que a autorização da mineração em mar profundo poderá ter “riscos significativos para os ecossistemas oceânicos” e impactos “duradouros e irreversíveis” sobre diversas espécies, incluindo as que estão já hoje ameaçadas, como a baleia azul (Balaenoptera musculus).

O trabalho, publicado na revista ‘Frontiers in Marine Science’, alerta para o perigo de algumas áreas que estão a ser consideração para exploração coincidirem com habitats de cetáceos, como as baleias e os golfinhos, especialmente no Oceano Pacífico, numa região entre o México e o Havai, conhecida como Zona Clarion-Clipperton.

Foto: NOAA / Unsplash

Isto, porque se estima que essa área seja o habitat de 25 espécies de cetáceos, no mínimo, e já foram atribuídas 17 licenças pela ISA para atividades exploratórias nessa zona. Caso sejam concedidas autorizações de mineração propriamente dita, “máquinas gigantes pesando mais do que uma baleia azul deverão trabalhar 24 horas por dia, produzindo ruídos a várias profundidades que podem sobrepor-se às frequências que os cetáceos usam para comunicar”, afirma a Greenpeace.

Louisa Casson, da organização ambientalista, considera que “as empresas de mineração em mar profundo estão determinadas em começar a saquear os oceanos, embora muito pouca investigação tenha sido feita sobre os impactos que esta indústria poderá ter sobre as baleias, os golfinhos e outras espécies”.

Para a ativista, “a mineração em mar profundo poderá prejudicar os oceanos de formas que não são ainda totalmente compreendidas, e às custas de espécies, como as baleias azúis, que têm sido o foco de esforços de conservação ao longo de vários anos”. Por isso, “os governos não podem cumprir os seus compromissos de proteção dos oceanos se permitirem a mineração em mar profundo”, defende.

Assim, os investigadores e ambientalistas unem as suas vozes e exigem que sejam feitos mais estudos sobre os potenciais impactos dessa atividade na vida marinha antes que a ISA possa dar o ‘tiro de partida’.

Kirsten Thompson, da Universidade de Exeter e uma das autoras do artigo, explica que “os cetáceos são altamente sensíveis aos som, pelo que o ruído da mineração é uma preocupação”, recordando também que “tal como muitos animais, os cetáceos estão já a enfrentar múltiplos fatores de stress, incluindo as alterações climáticas”.

A investigadora afirma que a equipa procurou dados sobre os níveis de ruído que se espera que sejam produzidos pela mineração, mas não conseguiram encontrar qualquer avaliação do género.

“Sabemos que a poluição sonora no oceano é já um problema para os cetáceos e introduzir outra indústria que se espera que opere 24 horas por dia irá inevitavelmente intensificar o atual ruído antropogénico”, salienta, referindo que “apesar da falta de informação, parece que a mineração a uma escala industrial pode arrancar em breve” no que considera ser um dos poucos ambientes que restam no planeta que não tinha ainda sido perturbado pelos humanos.

“O que sabemos é que será muito difícil travar a mineração em mar profundo assim que começar”, sublinha Thompson.

Foto: Welcome to All ! ツ / Pixabay

Portugal é um dos Estados-membros da ISA, organização a que se juntou em 1997. Os ambientalistas consideram que a posição do país sobre a mineração em mar profundo tem sido, lamentavelmente, pouco clara.

Em dezembro passado, na cimeira global sobre a Biodiversidade (COP15), foi adotada uma decisão sobre a mineração em mar profundo que reconhece a necessidade de reforçar a cooperação para a “conservação e gestão sustentável da biodiversidade marinha e costeira”, que é também o título do documento, e destaca a importância da ciência e do “conhecimento tradicional de povos indígenas e de comunidades locais” para ser possível alcançar esse equilíbrio entre exploração, extração e recuperação.

Essa declaração, que contou com a aprovação portuguesa, não prevê qualquer proibição ou moratória à mineração que forneça o tempo suficiente para se avaliar devidamente os potencias impactos da mineração em mar profundo sobre a vida marinha, uma solução defendida pelas organizações portuguesas.

A ANP|WWF contou-nos, nessa altura, que “recentemente, investigadores portugueses concluíram que a exploração mineira em alto mar no mar dos Açores produziria plumas sedimentares que poderiam cobrir uma área de até 150 km2 e estender-se verticalmente até 1000 m na coluna de água, com grandes sobreposições geográficas entre as plumas e a pesca existente, trazendo danos incontornáveis”.

Os Estados-membros da ISA reunir-se-ão entre os próximos meses de março e julho, na Jamaica, para decidir sobre se a mineração avança ou não, e não parece haver consenso entre os vários governos, com alguns, como França, a Nova Zelândia e o Chile, a demonstrarem oposição a qualquer pressão comercial para que a atividade arranque já este ano. Resta agora esperar para perceber se os discursos proferidos da COP15 sobre a importância da defesa dos oceanos encontrarão eco também no tema da mineração em mar profundo, ou se outros interesses sairão vitoriosos.





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