‘One Health’ é a melhor forma de prevenir futuras pandemias
O toxicologista Ricardo Dinis-Oliveira alertou hoje para a importância de sensibilizar os decisores políticos para o conceito ‘One Health’ (uma só saúde), envolvendo a saúde humana, animal e ambiental, que considera a melhor forma de prevenir futuras pandemias.
Em declarações à agência Lusa na véspera do congresso internacional que vai debater o tema, hoje e quinta-feira, no Porto, o especialista diz que pandemias como a de covid-19 ou outras zoonoses, como a monkeypox, assim como problemas relacionados com a segurança alimentar e o aumento das resistências aos antibióticos, vão continuar a repetir-se “se não se optar por esta abordagem conjunta de uma só saúde”.
“A covid-19 evidenciou a necessidade de uma estrutura global para melhorar a vigilância numa perspetiva muito mais holística e muito mais integrada do que é a saúde”, disse o responsável, sublinhando que a ausência destas abordagens integradas “foram vistas como as principais impulsionadoras da pandemia”.
A segunda edição do congresso internacional da TOXRUN, Unidade de Investigação em Toxicologia do Instituto Universitário de Ciências da Saúde – CESPU, decorre no Hotel Cristal, contará com a participação de especialistas de centros de investigação e universidades nacionais e internacionais, que debaterão a importância do conceito ‘One Health’ para a saúde humana.
“Temos agora uma oportunidade sem precedentes de fortalecer, colaborar e até criar políticas centradas nestes três vetores”, considerou o presidente do comité organizador do congresso, explicando: “Nunca na história da humanidade houve uma reunião conjunta das quatro maiores organizações das Nações Unidas”.
Ricardo Dinis-Oliveira falava do repto lançado, em março, pelas Nações Unidas, através dos seus organismos ligados à Agricultura e Alimentação (FAO), Saúde (OMS), Ambiente (UNEP) e Saúde Animal (WOAH), para que os decisores políticos assumam este conceito de “uma saúde por um planeta saudável”.
“O animal não existe sem um ambiente, o ambiente não existe sem o humano e esta tríade é fundamental para que exista, de facto, o entendimento do que é a saúde”, sublinhou.
Questionado pela Lusa se os decisores políticos já estão sensibilizados para a importância de olhar para a saúde dessa forma integrada, respondeu que “ainda pensam que é um pouco utópico”.
Lembrou que “60% das doenças infecciosas emergentes nos últimos anos tiveram origem em animais, sejam eles selvagens ou domésticos” e que “mais de 30 patogénicos humanos foram detetados nas últimas décadas, 75% deles com origem em animais”, para sublinhar: “Assim percebemos que esta visão integrada do que é saúde faz todo o sentido”.
Disse ainda que a comunidade veterinária “está muito mais à frente” neste entendimento: “Os veterinários já perceberam que os animais podem ser os vetores importantes do aparecimento de novas zoonoses, como, por exemplo, a covid-19 ou a monkeypox, e que (…) podem ser inclusivamente vetores para o desenvolvimento de resistências”.
“Hoje (…) as rações para animais estão a sobrecarregadas de antibióticos, que depois são excretados no leite, nós bebemos o leite e depois comemos os derivados animais (…) contaminados com pequenos resíduos de antibióticos que fazem daqui despoletar o aumento das resistências, que é hoje um problema grave”, explicou.
Além de sensibilizar os profissionais já formados para este conceito, dando-lhes formação, o especialista chama igualmente a atenção para a necessidade de introduzir nos currículos dos vários cursos universitários a ideia de ‘One Health’.
Lembrou que no Reino Unido e Alemanha já há muita formação específica nesta área para os profissionais de saúde e reconheceu que Portugal está mais atrasado.
O responsável disse que há cerca de dois anos criaram a primeira unidade de investigação dedicada a esta filosofia, referindo: “Temos hoje mais de 70 doutorados destes três pilares, para que daqui possa haver uma consciencialização de toda a comunidade científica, médica e dos decisores políticos para que se criem políticas e estratégias para começar a tratar a saúde de uma forma global”.
Sobre a formação no ensino superior, afirmou: “Nós, enquanto estrutura e unidade de investigação, já estamos a consciencializar as instituições universitárias para que possam mudar os seus planos de estudos”.
“Nos casos em que temos maior proximidade, já o vamos aplicar a partir de setembro de 2023, inicialmente através de unidades curriculares opcionais”, nos ensinos da medicina, das ciências biomédicas, forenses, da nutrição e da medicina veterinária e ciências farmacêuticas, acrescentou.