ONU avisa que mundo está longe de garantir fundos para adaptação climática até 2035
O mundo está longe de garantir o financiamento necessário para apoiar os países em desenvolvimento na adaptação às alterações climáticas nos próximos anos. A conclusão é do Adaptation Gap Report 2025: Running on Empty, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP), que atualiza as estimativas sobre os custos das medidas necessárias para enfrentar desastres naturais, vagas de calor, subida do nível do mar e outros efeitos do aquecimento global.
De acordo com o relatório, as necessidades de financiamento para adaptação nestes países poderão ultrapassar os 310 mil milhões de dólares por ano até 2035, um valor 12 vezes superior ao atual fluxo de fundos públicos internacionais destinados a este fim. O documento foi publicado na véspera da COP30, que terá lugar em Belém, no Brasil.
“Adaptação é uma questão de sobrevivência”
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, sublinha que os impactos climáticos estão a acelerar e que o ritmo de financiamento não acompanha a urgência da situação.
“A adaptação não é um custo — é uma tábua de salvação”, afirma, citado em comunicado. “Fechar o fosso no financiamento da adaptação é essencial para proteger vidas, garantir justiça climática e construir um mundo mais seguro e sustentável. Não podemos perder mais tempo”, acrescenta.
Também a diretora executiva do UNEP, Inger Andersen, alerta para os riscos de inação:
“Todos já sentimos os efeitos das alterações climáticas — incêndios, ondas de calor, desertificação, cheias e custos crescentes. Se não investirmos agora em adaptação, enfrentaremos custos cada vez mais elevados todos os anos”, refere.
Um défice preocupante
Em 2023, os fluxos de financiamento público internacional para adaptação nos países em desenvolvimento totalizaram 26 mil milhões de dólares, menos do que os 28 mil milhões registados no ano anterior. O défice anual situa-se assim entre 284 e 339 mil milhões de dólares.
Com esta tendência, a meta estabelecida no Acordo Climático de Glasgow — duplicar o financiamento público internacional para adaptação, dos 20 mil milhões de dólares de 2019 para cerca de 40 mil milhões em 2025 — não será atingida.
Planeamento avança, mas desafios persistem
O relatório destaca progressos significativos no planeamento e implementação de políticas de adaptação. Atualmente, 172 países já possuem pelo menos uma política ou plano nacional nesta área, embora 36 desses planos estejam desatualizados há mais de uma década, o que aumenta o risco de “má adaptação”.
Nos relatórios de transparência submetidos no âmbito do Acordo de Paris, os países comunicaram mais de 1.600 ações de adaptação em curso, sobretudo nas áreas da biodiversidade, agricultura, gestão da água e infraestruturas. Contudo, poucos avaliam ainda o impacto real dessas medidas, o que dificulta a aferição da sua eficácia.
Entretanto, o financiamento de novos projetos através do Fundo de Adaptação, do Fundo para o Meio Ambiente Global e do Fundo Verde para o Clima atingiu 920 milhões de dólares em 2024, um aumento de 86% face à média dos cinco anos anteriores. Ainda assim, o UNEP alerta que este crescimento poderá ser pontual, dada a pressão orçamental crescente sobre muitos países.
Financiamento privado e cooperação internacional
Na COP29, foi definido o novo Objetivo Coletivo Quantificado para o Financiamento Climático, que prevê que os países desenvolvidos disponibilizem pelo menos 300 mil milhões de dólares por ano até 2035 para ação climática nos países em desenvolvimento. Contudo, este montante continua aquém das necessidades, uma vez que abrange tanto mitigação como adaptação.
Com base em projeções de inflação, as necessidades reais de financiamento para adaptação poderão ascender a 440 a 520 mil milhões de dólares anuais até 2035. O relatório defende que o aumento de fundos deve ser feito através de subvenções e instrumentos não geradores de dívida, para evitar agravar o endividamento dos países mais vulneráveis.
O UNEP estima ainda que o setor privado poderia contribuir com 50 mil milhões de dólares anuais, um valor dez vezes superior aos cerca de 5 mil milhões atuais. Para tal, seriam necessárias políticas específicas e mecanismos financeiros combinados que reduzam o risco para investidores e incentivem a participação empresarial.
“Sem adaptação, o custo será muito maior”
O relatório conclui que a única forma de reduzir o défice financeiro é aumentar significativamente o investimento público e privado em adaptação, integrar a resiliência climática nas decisões financeiras e evitar estratégias que agravem vulnerabilidades.
“Mesmo com orçamentos apertados e prioridades concorrentes, a realidade é simples: se não investirmos em adaptação agora, pagaremos um preço muito mais alto no futuro”, reforça Inger Andersen.