Dia Mundial da Vida Selvagem: “Para proteger a Natureza é crucial que a população entenda a sua importância”
A perda da biodiversidade é uma das três grandes crises planetárias que hoje enfrentamos, a par das alterações climáticas e da poluição. No final do ano passado, na cimeira global da biodiversidade (COP15), no Canadá, o Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, proferiu um alerta contundente: “Sem Natureza, somos nada”.
Desse mesmo encontro, resultou a adoção do Quadro Global para a Biodiversidade Pós-2020, que, entre outras metas e compromissos, estabelece que até ao final desta década os Estados e governos têm de fazer os possíveis por garantir a proteção de, pelo menos, 30% dos ecossistemas em terra, no mar, na costa e de água doce. Só dessa forma, será possível travar e reverter a perda de diversidade biológica, a nível global, sendo o objetivo reduzir em 10 vezes o risco de extinção de todas as espécies, de fauna e de flora.
Esse compromisso surge numa altura em que se estima que aproximadamente 41 mil espécies enfrenam atualmente a ameaça da extinção, que, de acordo com a organização WWF, está a acontecer, devido à ação humana, entre mil e 10 mil vezes mais rapidamente do que os processos de extinção naturais. As estimativas mais conservadoras apontam que entre 200 e duas mil espécies desaparecem todos os anos.
Guterres, em dezembro, avisou que a destruição da Natureza às mãos dos humanos equivale a um “suicídio por procuração”, salientando a dependência, muitas vezes subestimada ou mesmo desvalorizada, das nossas sociedades face aos ecossistemas e demais formas de vida.
Por isso, a conservação da biodiversidade, e dos habitats que a suportam, é, mais do que um imperativo moral ou uma necessidade económica, uma luta pela sobrevivência da própria humanidade. É por isso que hoje, dia 3 de março, se assinala o Dia Mundial da Vida Selvagem, uma efeméride criada pelas Nações Unidas que pretende celebrar todas as espécies de plantas e de animais que vivem na Natureza e, sobretudo, alertar para a importância de travar a perda de biodiversidade.
Foi também dessa consciência da preocupante dimensão do problema que surgiu o projeto ‘Portugal Selvagem’, criado em 2012, por Daniel Santos, então estudante de Biologia.
“Para proteger a Natureza é crucial que a população entenda a sua importância e que descubra a beleza de cada espécie, mesmo nos organismos, que à primeira vista, podem não ter um aspeto tão agradável como outras espécies mais carismáticas”, conta à ‘Green Savers’ o agora biólogo com 30 anos.
O ‘Portugal Selvagem’ funciona como uma plataforma que pretende colocar ao alcance de todos os interessados na conservação da Natureza informação sobre diversas espécies de animais e de plantas. Fichas sobre várias espécies de grupos taxonómicos oferecem informação sobre a sua distribuição geográfica, o seu estado de conservação e a sua biologia.
Além disso, disponibiliza guias sobre como todos nós podemos ser agentes ativos da conservação da biodiversidade, bem como outros artigos relacionados, por exemplo, com a anilhagem científicas das aves, factos inusitados sobre anfíbios e informação sobre espécies que, antes da sua extinção, ocorriam em Portugal.
Mas ultimamente, Daniel Santos tem focado a sua atenção numa nova forma de comunicação, o podcast, que, segundo nos diz, será lançado em breve. “O podcasting é cada vez mais uma forma eficiente de transmissão de informação e, tendo em conta o meu interesse em conhecer o trabalho de profissionais da área da conservação e fotografia, da troca de ideias e experiências, achei que seria um passo importante e natural para a plataforma ‘Portugal Selvagem’”, explica.
O novo formato terá o nome de ‘Brama’ e focar-se-á em “conversas sobre os mais variados temas da biologia da conservação, assim como episódios sobre fauna e flora e fotografia”, adianta o biólogo, acrescentando que serão também divulgados episódios de menor duração, nos quais pretende explorar “questões interessantes da área da ecologia e onde conto as minhas aventuras e experiências pelo mundo natural”.
Daniel Santos considera que a educação ambiental, a principal vertente deste projeto, “é uma componente fundamental da conservação da Natureza”, pois para travar e reverter a perda de biodiversidade é preciso, em primeiro lugar, identificar e conhecer as espécies de animais e de plantas e difundir o máximo de informação possível sobre a sua importância ecológica.
A conservação da biodiversidade em Portugal: “Um longo caminho a percorrer”
No que toca à diversidade de formas de vida em Portugal, o biólogo observa que, tal como tem acontecido um pouco por todo o mundo, “tem diminuído”. Apesar de reconhecer que, de facto, existem alguns “casos de sucesso”, como a recuperação das populações de lince-ibérico (Lynx pardinus), um esforço conjunto luso-espanhol que dura há décadas e que tem surtido efeitos muito positivos, nomeadamente ao nível do aumento do número de indivíduos em liberdade, “estes exemplos são uma minoria”.
Para o cientista, é preciso mais investimento público em “medidas de conservação realmente eficazes, adaptadas às necessidades de cada espécie e/ou região”, uma vez que atualmente é “muito escasso”. Em consequência, o conhecimento sobre “as tendências populacionais de muitas espécies encontram-se desatualizadas ou são até mesmo desconhecidas”, salienta.
E defende que o país “precisa urgentemente de um plano de conservação da biodiversidade”, que promova a valorização dos “ecossistemas nativos” e que incentive “o restauro ecológico a grande escala”, algo que é particularmente importante, pois “uma grande parte do território se encontra degradado”.
Daniel Santos convida-nos a atentarmos no caso do eucalipto em Portugal. Declarando não ser totalmente contra a plantação desta espécie, que, diz-nos, “representa 26% da área florestal em Portugal”, alerta para a forma insustentável como essas plantações são geridas e recorda que, durante décadas, temos assistido à proliferação de monoculturas de eucalipto, que são “um verdadeiro ‘deserto verde’ em termos de biodiversidade”.
Mas para além de ser urgente a criação de um plano robusto que permita verdadeiramente conservar a Natureza em Portugal, Daniel Santos afirma que é indispensável que depois “seja realmente implementado no terreno e que não fique só pela legislação”.
Por isso, sentencia que, no que toca à proteção e conservação da biodiversidade e, em especial, da vida selvagem, “Portugal tem um longo caminho a percorrer”, asseverando que “ainda há muita gente que vive como se a Natureza não fosse crucial para a nossa sobrevivência, incluindo os nossos líderes políticos”, e que a sociedade em que vivemos está “completamente desconectada do mundo natural, que não entende que dependemos de serviços de ecossistema, como a polinização, para sobreviver”.
Para mudar este paradigma é preciso, acima de tudo, mudar comportamentos, e, nesse sentido, a edução é a principal ferramenta. “Seria importante criar planos curriculares que apelassem de uma forma mais eficaz à conservação da biodiversidade, incentivando e facilitando desde cedo o contacto das crianças com a natureza”, explica Daniel Santos.
Sensibilizar a população para a proteção da biodiversidade “é e deve ser sempre uma prioridade”, defende. Embora as leis tenham um papel a desempenhar nas mudanças de mentalidades que são necessárias para recuperar a harmonia entre as sociedades humanas e a Natureza, “a conservação torna-se mais fácil se a população entender a sua importância e perceber o valor intrínseco de cada organismo”.
Falando enquanto biólogo dedicado ao estudo e proteção das espécies com as quais partilhamos o planeta Terra, Daniel Santos acredita que “a conservação da biodiversidade só é possível se a população estiver do nosso lado”.
“Os jovens são cruciais para o futuro do nosso planeta”
A luta pela proteção da Natureza tem sido associada às camadas mais jovens das populações, sendo comum ouvirmos, muitas vezes da boca dos líderes mundiais e dos decisores políticos, que ‘o futuro a eles pertence’. As marchas climáticas, as greves estudantis e várias outras formas de protesto têm colocado a juventude na dianteira da mobilização ambientalista global.
Daniel Santos ecoa esta perspetiva, acreditando que “os jovens são cruciais para o futuro do nosso planeta”, mas gostaria que todas as pessoas, e não somente os mais novos, seguissem esse exemplo. Dessa camada, destaca as crianças, que diz terem “uma curiosidade genuína pela Natureza”.
“Infelizmente, nós vamos perdendo esta sensibilidade à medida que crescemos e nos fechamos no ‘nosso próprio mundo’”, lamenta.
Olhando para o que o futuro poderá reservar para a Natureza, sendo que se acumulam estudos e avisos que alertam que estará longe de ser brilhante, o biólogo da conservação confessa-nos que “tenho que acreditar que há esperança, porque de outra forma todo o meu trabalho seria em vão”.
Mesmo perante o “ritmo assustador” a que o planeta está hoje a perder espécies, Daniel Santos está confiante de que “ainda vamos a tempo de, pelo menos, reduzir esta tendência”.
“O ser humano é capaz de feitos incríveis, tanto para o bem como para o mal. Já conquistámos os picos mais altos, já explorámos a profundidade dos oceanos e até já visitámos a Lua. Por isso, também somos capazes de restaurar a harmonia entre a sociedade e a Natureza”, argumenta.
“Isso seria vantajoso não só para o mundo natural, como para a nossa própria espécie. É importante não esquecer que fazemos parte deste mundo.”