Povos indígenas e comunidades locais são “os legítimos guardiões do conhecimento sobre as alterações climáticas”
Cada vez mais os povos indígenas e as comunidades locais são vistos como partes centrais das estratégias para travar as crises planetárias que hoje enfrentamos: alterações climáticas, poluição e perda de biodiversidade.
Em novembro passado, na 27.ª cimeira global sobre as alterações climáticas (COP27), os governos do mundo reunidos em Sharm-al Sheik, no Egito, assinaram um acordo no qual reconhecem “o papel importante” dos povos indígenas e das comunidades locais no combate às alterações climáticas.
Um mês depois, na cimeira global da biodiversidade (COP15), no Canadá, adotaram o Acordo de Kunming-Montreal, no qual destacam “os papéis e contributos importantes dos povos indígenas e comunidades locais enquanto guardiões da biodiversidade e parceiros na sua conservação, restauro e uso sustentável”.
Apesar da retórica, esses grupos humanos, que tendem a viver a grande proximidade do que chamamos de ‘mundo natural’, estão entre os mais afetados pelos efeitos das crises planetárias, embora a sua contribuição para a degradação dos sistemas da Terra seja praticamente insignificante quando comparada com as das sociedades e países que realmente têm nas mãos o poder, e o dinheiro, para transformar a forma como os humanos têm tratado o planeta.
Esta quarta-feira, assinala-se o Dia Internacional dos Povos Indígenas, e uma equipa de investigadores do projeto ‘Local Indicators of Climate Change Impacts’ (LICCI) recorda que esses grupos humanos são detentores de “um rico e extenso conhecimento geral sobre os impactos das alterações climáticas e sobre possíveis formas de adaptação”.
Os cientistas passaram cinco anos a analisar como os povos indígenas e as comunidades locais lidam com o ambiente em mudança à sua volta, como percecionam as alterações climáticas nos seus territórios e como reagem a elas. No total, o projeto liderado pela Universidade de Autónoma de Barcelona abrangeu 52 casos de estudo de regiões de todo o mundo.
Uma das conclusões da investigação é que os povos indígenas e as comunidades locais são “desproporcionalmente afetadas pelas alterações climáticas”, uma vez que frequentemente vivem em ‘hotspots’ climáticos e a sua subsistência está fortemente dependente dos sistemas naturais.
Estes grupos tendem a existir à margem das sociedades e a ser alvo de tratamento desigual por parte das autoridades e governos centralizados, pelo que as alterações climáticas, dizem os cientistas, são apenas um de vários desafios por elas enfrentados.
“Ligados ao seu ambiente natural ao longo de gerações, têm uma compreensão holística dos efeitos em cascata dos impactos das alterações climáticas, desde alterações nos sistemas atmosférico, físico e biológico aos impactos nos seus modos de vida”, explica Victoria Reyes García, coordenadora do projeto.
Durante o período de estudo, os investigadores procuraram compreender como a instabilidade do clima dificulta a agricultura no Peru e no México, como o aquecimento do planeta está a tornar “extremamente arriscada” a caça no gelo pelos povos do Ártico, e como as transformações nas correntes e temperatura marinhas em recifes de coral pouco profundos no Quénia estão a tornar mais complicada a pesca de polvos.
Os investigadores consideram que os resultados do projeto mostram como os povos indígenas e as comunidades locais estão a tentar adaptar-se aos efeitos das alterações climáticas, recorrendo ao seu conhecimento tradicional adquirido ao longo de centenas de anos de experiência em primeira-mão com o mundo natural. E estão convictos de que as sociedades mais industrializadas têm muito a aprender com esses grupos humanos mais tradicionais.
Ainda assim, lamentam que o conhecimento desses povos não seja devidamente considerado na altura de se criarem estratégias e políticas para combater as alterações climáticas e para conceber medidas de adaptação a esse fenómeno.
“Enquanto os legítimos guardiões do conhecimento sobre as alterações climáticas e os seus impactos no ambiente local, os povos indígenas e as comunidades locais deveriam ter um papel mais central nos processos científicos e políticos de compreensão e adaptação às alterações climáticas”, defendem os investigadores, que pendem que as ‘vozes’ desses grupos humanos sejam ouvidas a todos os níveis de tomada de decisão, desde o local ao internacional.