Só é possível travar a perda de biodiversidade se gerirmos melhor as áreas protegidas



Em dezembro passado, os líderes mundiais reunidos na cimeira global da biodiversidade (COP15), no Canadá, acordaram em proteger, pelo menos, 30% dos habitats em terra, no mar, na costa e de água doce até ao final desta década, para travar a perda de espécies e de ecossistemas e até revertê-la.

Apesar de se poder considerar que são um conceito ocidental, em que o mundo natural e o mundo humano são entendidos como separados, e que não se coadunam com os conceitos de ‘natureza’ de muitos povos que residem em áreas altamente biodiversas, as áreas protegidas são amplamente tidas como o melhor modelo de conservação da Natureza, ou pelos menos assim nos diz o consenso científico. No entanto, se não forem bem geridas, os benefícios potenciais podem não ser alcançados.

Uma equipa de investigadores alerta que, ao longo dos últimos 30 anos, as áreas naturais protegidas no Reino Unido têm falhado em travar o declínio de populações de insetos e de aracnídeos. Analisando quase um milhão de registos de mais de 1.230 espécies de invertebrados, recolhidos entre 1990 e 2018, sugerem que as áreas protegidas nesse país estão tão vulneráveis às perdas de biodiversidade quanto as áreas que não estão protegidas.

Ainda que reconheça que nas áreas protegidas há uma maior diversidade de espécies do que nas restantes, ambas têm sofrido perdas de espécies nativas de insetos e de aracnídeos nas últimas três décadas. Polinizadores, como abelhas e sirfídeos, estão entre os grupos que mais perdas têm sofrido.

Por isso, os investigadores defendem que as áreas protegidas, para realmente poderem cumprir o seu propósito, têm de ser melhor geridas, de forma a combater as ameaças representadas pelas alterações climáticas, pela poluição e pelas espécies invasoras, que, dizem, estão a devastar a biodiversidade por todo o Reino Unido.

Rob Cooke, do Centro para a Ecologia e Hidrologia e principal do artigo publicado na revista ‘Biological Conservation’, explica que “vemos tendências paralelas para os invertebrados nas áreas protegidas e nas áreas não protegidas”. Para ele, essa constatação é “preocupante”, uma vez que “seria de esperar que as espécies apresentassem tendências mais positivas em áreas protegidas”.

Contas feitas, a investigação determinou que, desde 1990, foram perdidas mais de três espécies por década nas áreas protegidas e menos de duas nas áreas não protegidas.

Os cientistas descobriram que havia nas áreas protegidas quase o dobro das espécies raras que foram encontradas no resto do Reino Unido, o que sugere que, ainda assim, a proteção concedida a essas zonas surte efeitos positivos. Contudo, quando olharam para espécies mais comuns, as perdas populacionais eram igualmente grandes nos dois tipos de áreas.

“As áreas protegidas tendem a ser criadas especificamente para ajudar espécies raras. Mas parece que as espécies mais comuns estão a ser esquecidas”, salienta Cooke, que acrescenta que isso pode fazer com que as espécies que hoje são comuns, amanhã sejam raras.

Os autores dizem que as áreas protegidas no Reino Unido podem desempenhar um papel ainda mais importante na conservação da biodiversidade, uma noção que poderá, porventura, ser aplicável a muitos outros países. Para tal, é preciso que a definição e gestão dessas áreas tenham por base evidências científicas e sejam suportadas por políticas e metas que ajudem a aumentar a sua eficácia.

Neste estudo, “mostramos que as áreas protegidas não estão a ter um melhor desempenho do que as áreas não protegidas no Reino Unido. Claramente, os declínios nas áreas protegidas, especialmente quando esses são equivalentes aos que ocorrem nas áreas não protegidas, indicam que as áreas protegidas são estão a ser capazes de conservar eficazmente a biodiversidade”, escrevem os investigadores.

E salientam que a o sucesso, ou fracasso, das áreas protegidas não pode somente ser aferido pela dimensão de território abrangido, e que é preciso avaliar a sua eficácia ao longo do tempo na conservação da biodiversidade.

“Embora as áreas protegidas sejam uma pedra angular da conservação, precisamos que efetivamente conservem a biodiversidade ao longo do tempo para que possam cumprir a sua missão”, frisam no artigo.





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