Sustentabilidade Ambiental: os sinais positivos, negativos e incertos do Orçamento de Estado



A supressão do consumo ditada pela crise financeira que há vários anos assola Portugal pode ser encarada como uma oportunidade para rever o modelo de desenvolvimento do país, sobretudo a sua “excessiva dependência”, nos últimos vinte anos, dos sectores da construção e imobiliário.

Esta é uma das principais conclusões da análise da recém-fundada associação Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável – ao Orçamento de Estado (OE) para 2016, conhecido oficialmente há mais de uma semana.

A Zero publicou uma lista de sinais positivos, negativos e incertos no que toca à estratégia de sustentabilidade ambiental do OE 2016, um documento que fica marcado pela crise financeira e manutenção do país “num procedimento de défice excessivo”. Fique com as principais medidas orçamentais ligadas à sustentabilidade ambiente, segundo a Zero.

SINAIS POSITIVOS

Redução do estímulo ao crédito ao consumo – uma parte significativa dos problemas económicos e ambientais dos últimos anos prendem-se com a incitação do crédito ao consumo, levando a uma pressão sobre a capacidade de endividamento das famílias e a uma dependência do sistema financeiro das receitas e avaliações dos activos imobiliários em particular, mas também de outros tipos de consumo, como o crédito automóvel, em detrimento do crédito ao investimento.

Fim da isenção de IMI sobre fundos imobiliários – no mesmo sentido, o fim da isenção de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) no imobiliário detido por fundos imobiliários é amplamente justificado, seja por questões de justiça social em relação à contribuição de outros agentes passivos de IMI, seja como forma de desincentivar o investimento imobiliário simples, em detrimento da requalificação de património ou outras actividades produtivas.

Fiscalidade automóvel – o agravamento da componente ambiental do ISV (Imposto Sobre Veículos) pode e deve ser saudado como medida de promoção de aquisição de automóveis menos poluentes. Contudo, importa salientar que, na situação actual portuguesa, o parque automóvel português já se encontra entre os parques com mais baixos consumos e valores de emissão média da Europa. Tal acontece devido ao efeito de cilindrada (a cilindrada média portuguesa é menor do que a europeia), mas também pela maior penetração maior de modelos mais eficientes. Num contexto em que o país não tem produção própria e em que a indústria automóvel responde à legislação comunitária, os ganhos ambientais serão razoavelmente limitados.

Foco à reabilitação urbana em detrimento da construção nova – sem grande desenvolvimento em termos de propostas concretas, é importante o foco na reabilitação urbana e sem dúvida as alterações dos regimes de incentivos e benefícios fiscais poderão dar um contributo positivo. A participação do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social como contribuinte para um futuro Fundo de Reabilitação do Edificado parece contudo desvirtuar o propósito do FEF.

Reforço, ainda que tímido, do orçamento do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) – depois de anos de desinvestimento na política de conservação da natureza e da biodiversidade, existe um reforço do orçamento do ICNF em perto de 30%, alavancado pela utilização dos Fundos da União Europeia, uma tendência que deve ser mantida no orçamento de 2017, face às necessidades de intervenção pública nesta área.

SINAIS NEGATIVOS

Redução do incentivo aos veículos eléctricos – Pelo contrário, a retirada do subsídio à aquisição de veículos eléctricos introduz um sinal estridentemente contrário à evolução necessária. É indiscutível que o anterior subsídio teve um efeito importante no lançamento dos veículos eléctricos como uma alternativa, ainda assim limitada, aos automóveis de motores de combustão interna. Sendo uma medida de apoio a um segmento de tecnologia avançada, esta medida era sem dúvida questionável do ponto de vista da igualdade, porquanto apenas uma relativa minoria de uma classe alta de rendimentos consegue ainda aceder ao automóvel eléctrico. A continuidade do apoio concedido tinha, contudo, a justificação de construção de uma base económica de rentabilização dessa escolha, de forma a permitir uma mais acelerada democratização do veículo eléctrico, praticamente indispensável para uma descarbonização profunda do sector dos transportes. A manutenção do apoio a um valor mais baixo inutiliza, na prática, o seu valor como alavanca da comercialização dos veículos eléctricos.

Redução do orçamento da APA (Agência Portuguesa do Ambiente) – Registam-se sinais preocupantes em relação ao desempenho operacional do organismo público, que mais atribuições possui em matéria ambiental, com uma diminuição do orçamento anual que se situa nos 27% (orçamento de €50,5 milhões).

Ao nível dos Fundos que esta entidade gere, é de salientar um aumento de cerca de 30% das verbas disponíveis para o Fundo Português do Carbono, resultante do aumento do volume de receitas de leilões de licenças de emissão (responsável por perto de €110 milhões). Todavia, o baixo índice de execução do FPC e a sua dependência da evolução do preço das licenças de emissão, num momento em que as mesmas registam mínimos dos últimos dois anos, é bastante preocupante; um aumento muito significativo do orçamento do Fundo de Intervenção Ambiental (+137%), empolado por verbas transferidas pela APA (orçamento de apenas €4,5 milhões); e uma diminuição das verbas do Fundo de Protecção do Recursos Hídricos a rondar os 7%, quando aumentam as necessidades de investimento na melhoria da qualidade da água e na protecção costeira (orçamento de €14 milhões: 50% da TRH, sendo que os restantes 50% são receita da APA).

SINAIS INCERTOS

Aumento do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos – sabendo-se que será através do aumento deste imposto que o Estado arrecadará um montante muito significativo de receitas, trata-se de uma medida com reflexos ambientais positivos, desincentivando o transporte individual, facto que é claro ao haver uma majoração em sede de IRC dos gastos com gasóleo das empresas que compensará em parte esse aumento de custos; porém, há diversas inconsistências ambientais nesta medida. Portugal é o país europeu com a terceira diferença em termos de tributação entre o gasóleo e a gasolina, subsidiando mais o gasóleo que é um combustível mais poluente, pelo que o aumento deveria ser maior no gasóleo que na gasolina. Dados recentes mostram que o transporte rodoviário de mercadorias continua a aumentar e o transporte colectivo de passageiros continua estagnado, pelo que deveria haver uma efectiva taxa destinada a investimentos para contrariar as tendências referidas, que não a actual diluição de receitas, nomeadamente da própria taxa de carbono associada aos combustíveis.

A situação dos sectores dos resíduos e águas – não cabendo numa análise deste tipo a discussão ideológica sobre o modo de actuação do Estado nestes sectores, seja como executante, seja como concessionário, importa contudo realçar que o modo de actuação deverá sempre ter em linha de conta as exigências de qualidade em termos de serviço e também ao nível ambiental. Em particular, a exigência da Directiva-Quadro da Água e diríamos da boa gestão financeira e ambiental, incluindo em particular a consideração dos custos ambientais nas diferentes utilizações da água continua por cumprir. Enquanto o foco da atenção mediática diz respeito às privatizações ou suas reversões, importa sobretudo ao cidadão a segurança de um serviço público de água eficiente e com bons padrões de qualidade.

Áreas Metropolitanas – tal como nos sectores de resíduos e águas, importa que a função de planeamento e regulação dos diferentes operadores de serviços de transporte colectivo nas áreas metropolitanas seja assegurada por quem possa ter uma visão integrada ao nível metropolitano. Nesse sentido, é de saudar a criação de um Fundo de Serviço Público de Transportes e a intenção de capacitar adequadamente os serviços das Autoridades de Transportes. Importará contudo que na sua efectiva actuação, estas ajam tendo em conta parâmetros de serviço público também ao nível ambiental.

Descarbonização da economia – O relatório do Orçamento do Estado também aponta para um conjunto de acções a empreender nas áreas da eficiência energética, “Cidades inteligentes”, defesa costeira ou gestão eficiente de redes de drenagem, mas o nível genérico do documento não permitem ajuizar em boa medida sobre o seu impacto ambiental. De notar que as Grandes Opções do Plano que o Governo apresentou mencionam expressamente o desiderato de avançar para “planos calendarizados de descarbonização”, embora, mais uma vez, sem o detalhe necessário para perceber o objectivo e alcance do que se propõe. O propósito de universalizar as experiências de Planos Municipais de Adaptação às Alterações Climáticas será bom na medida em que a sua elaboração possa influir decisivamente sobre os principais instrumentos de planeamento e gestão territorial à escala municipal.

Foto: Images Money / Creative Commons





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