Tribunal holandês decreta uso de armas de paintball para afugentar lobos em parque nacional
Nos Países Baixos, os lobos são uma espécie protegida por lei. Mas o alegado aumento das interações entre humanos e esse canídeo selvagem num parque nacional holandês levaram um tribunal a aprovar o uso de armas de paintball para afugentar os animais.
Em outubro de 2022, o governo da província de Gelderland, no leste do país, comunicou que um lobo no Parque Nacional De Hoge Veluwe estaria a exibir “problemas comportamentais”. Como tal, decidiu dar às autoridades locais permissão para usarem armas de paintball para afugentar os lobos, argumentando que tal permitiria evitar conflitos entre pessoas e lobos e proteger o próprio animal.
Contudo, a organização de proteção da vida selvagem holandesa De Faunabescherming contestou a medida e apelou à justiça para que travasse a prática. Assim, em novembro desse ano, o tribunal central dos Países Baixos, considerando que o governo local não tinha sido capaz de mostrar a necessidade da medida, decidiu proibir temporariamente o uso de armas de paintball até ser feita uma avaliação mais completa da sua eficácia e impactos.
Depois de uma intensa batalha legal, esta quarta-feira o mesmo tribunal voltou a pronunciar-se sobre o assunto, declarando, definitivamente, que “a província de Gelderland já demonstrou suficientemente por que razão é necessário atirar aos lobos com uma arma de paintball no Parque Nacional De Hoge Veluwe”.
No decreto, o tribunal afirma ter recorrido aos serviços de um “especialista em comportamento de lobos” da Universidade de Liubliana, na Eslovénia, e que o seu relatório concluiu que “um ou mais lobos exibem comportamento anormal”. Como exemplo, é destacada uma loba que se deixa aproximar por fotógrafos e que vai atrás de ciclistas e caminhantes, revelando “um óbvio interesse nas pessoas” e não demonstrando “sinais de medo ou submissão”.
“O especialista conclui que este comportamento desviante representa uma séria ameaça à segurança pública”, salienta o tribunal, acrescentando que “o facto de o lobo parecer ter cada vez menos medo das pessoas não significa que o animal não possa tornar-se agressivo e morder”.
Assim, determina que usar armas de paintball para afugentar os lobos é “a melhor opção” e que “não existem alternativas eficazes e proporcionais”, destacando que “de acordo com o especialista, se a arma de paintball for usada corretamente e não for apontada aos olhos [do lobo], é uma ferramenta segura”.
E sentencia que o interesse da salvaguarda da segurança pública “supera o interesse de evitar a perturbação do lobo”.
Na rede social Twitter, a organização De Faunabescherming promete recorrer da decisão do tribunal, argumentando que não há evidências científicas que suportem a tese, vertida no decreto, de que “um estímulo doloroso para o lobo” possa, realmente, resultar numa mudança de comportamento, neste caso, manter-se afastado dos visitantes do parque.
De Faunabescherming gaat in hoger beroep tegen de uitspraak, omdat volgens deskundigen niet duidelijk is wat het leereffect voor de wolf zou zijn van een pijnprikkel. De beroepsprocedure is kostbaar, sluit je nu aan bij de Faunabescherming en steun ons! 🐺 https://t.co/fnw1oYkFwp
— De Faunabescherming (@faunabeschermin) January 24, 2024
Lobo na ‘corda bamba’ na Europa
A decisão do tribunal surge numa altura em que a proteção legal do lobo na União Europeia está no centro de um aceso debate. A recuperação da espécie no continente tem resultado na perceção de um aumento do número de ataques a animais de gado.
No final de dezembro passado, a Comissão Europeia avançou com uma proposta para reduzir o estatuto de proteção do lobo na região, de ‘Estritamente Protegido’ para ‘Protegido’, de forma a conferir maior “flexibilidade” a ações de gestão das populações desse predador.
Ursula von der Leyen, presidente do executivo comunitário, afirmou que “a recuperação do lobo é uma boa notícia para a biodiversidade na Europa. Mas a concentração de alcateias de lobos em algumas regiões europeias tornou-se um perigo real, especialmente para o gado”.
A campanha para aliviar a proteção do lobo na Europa terá começado, segundo alguns observadores, quanto o pónei de von der Leyen foi morto por um desses predadores, em 2022, na sua propriedade na Alemanha.
Em entrevista à ‘Green Savers’ em setembro, Francisco Petrucci-Fonseca, presidente do Grupo Lobo e uma das maiores autoridades científicas sobre este predador, afirmava que “isto é também uma questão política”, sugerindo que “se o pónei da presidente da Comissão [Europeia] não tivesse sido morto por lobos, não estaríamos a falar sobre este assunto”.
O debate em torno do lobo é fraturante, evidenciam claras divergências mesmo no seio da União Europeia. Em fevereiro de 2023, Portugal e outros 11 Estados-membros enviaram uma carta à CE na qual apelavam à manutenção da proteção do lobo, apontando que “seria um erro enfraquecer a proteção legal do lobo”, uma espécie que, por exemplo, atua como “barreira natural” contra várias doenças e como controlo natural de populações de animais selvagens.