Um ano de Covid-19: Zero quer medidas e investimentos para um futuro mais sustentável
A associação ambientalista Zero considera que os benefícios causados pela crise pandémica ao nível da mobilidade, do ruído e da poluição são uma oportunidade para um futuro mais sustentável, defendendo a implementação de medidas e mais investimentos.
Um ano depois de declarada a pandemia de covid-19, têm sido constatadas várias mudanças para melhor dos níveis de poluição e de ruído, as cidades ficaram vazias de carros e de pessoas, dando lugar a outras formas de mobilidade.
Em declarações à agência Lusa, Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, disse que a crise causada pela covid-19 é “uma grande oportunidade” para levar a cabo um conjunto de ações essenciais para a construção de um futuro mais sustentável”.
“Nós temos de mudar. Não há vacina para a crise climática, para a crise da biodiversidade, para a crise dos recursos. Precisamos de uma nova realidade que nos proteja deste tipo de crise e isso envolve uma mudança de paradigma bem mais profunda que temos de fazer”, disse à Lusa Francisco Ferreira.
Na opinião de Francisco Ferreira, a pandemia levou a uma mudança profunda no modo como a sociedade está a funcionar.
“Isto teve vantagens ambientais, sendo umas das principais a redução das emissões de gases com efeitos de estufa. (…) Tivemos essa grande redução de emissões associada à redução da atividade económica e de setores como a aviação”, disse.
Francisco Ferreira lembrou os recordes de boa qualidade do ar em vários locais do país, sendo o mais simbólico na Avenida da Liberdade, em Lisboa, onde pela primeira vez, em 2020, se conseguiu cumprir o valor limite de dióxido de azoto.
“Tivemos recordes de concentração baixa destes poluentes associados ao tráfego automóvel”, disse.
Também no que diz respeito ao ruído houve mudanças, tendo sido conseguido em determinadas zonas críticas de Lisboa, como é o caso do Campo Grande, que é uma zona influenciada pelo tráfego automóvel e aéreo, cumprir valores que estão no regulamento geral do ruído.
“Constatámos também que as pessoas começaram a procurar produtos locais. Na mobilidade, tivemos um incremento do uso dos modos solares como as bicicletas, que chegaram a estar esgotadas para venda. Tivemos espaços pedonais que foram para a restauração funcionar ao ar livre e com espaço e houve várias zonas de estacionamento utilizadas pela restauração em detrimento da presença dos carros”, recordou.
Mas, segundo Francisco Ferreira, a Zero também constatou algumas coisas pela negativa.
“Tivemos todo um conjunto de medidas de prevenção nalguns casos exagerado. Estou a falar no caso dos resíduos associados às máscaras e ao ‘take away’. Vimos muitas máscaras fora do lixo indiferenciado, no chão, nas ruas e o ‘take away’ levou ao uso de embalagens brutal que em muitos casos podia ter sido evitado”, disse.
Para Francisco Ferreira, está a ser feita do ponto de vista ambiental uma má gestão dos recursos que tem de ser rapidamente reavaliada.
“A pandemia vem-nos lembrar que nós não temos uma sociedade resiliente e, por isso, a Zero efetuou um documento em abril do ano passado, que chamamos o nosso futuro comum no qual apontamos várias pistas para o futuro”, disse.
A Zero defende uma aposta na mobilidade sustentável, mais assente na oferta de transportes públicos, na “redução da pobreza energética através de investimentos em reabilitação de habitações” e promoção da eficiência energética, no aproveitamento alargado das energias renováveis, da utilização de materiais reutilizáveis e na redução da produção de resíduos.
Fortalecer o setor da saúde, investir no digital, para que mais pessoas trabalhem de casa, e o uso das compras públicas como “motor de investimento” e uma economia de base mais local e nacional são outras propostas da Zero.
“Tem de haver um forte investimento na mobilidade suave. O receio da pandemia levou as pessoas a usar mais o carro em detrimento do transporte público, aquelas que podiam claro. O que notámos foi que à medida que desconfinámos em determinadas fases a qualidade do ar piorou logo, nomeadamente em Lisboa, não para valores anteriores, mas para valores próximos e isso deve-nos deixar em alerta”, salientou.
Por isso, a Zero considera prioritário otimizar a gestão dos transportes públicos e a redução de deslocações e viagens dentro e fora do país.
“A presença dos automóveis nas cidades é das maiores prioridades em termos de ação pelas autarquias, ou seja, eu tenho de retirar tráfego do interior das cidades. Primeiro porque as pessoas agora estão mais sensíveis às questões da saúde pública e sabe-se que os poluentes associados aos veículos tornam as pessoas mais vulneráveis a doenças inclusive à covid-19 e as partículas finas permitem uma maior transmissibilidade do vírus, portanto é fundamental ter uma ação forte na retirada dos automóveis”, disse.
Na opinião de Francisco Ferreira, o teletrabalho pode ter aqui um papel importante e é uma vantagem ambiental, mesmo que feito de forma parcial, pois há menos emissões associadas à mobilidade.
“Tivemos o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] que para nós é uma oportunidade absolutamente crucial em termos de ação. Já fizemos uma análise e estamos desiludidos porque esperávamos mais. Estão lá muitos dos investimentos compatíveis com uma transição verde, mas estávamos à espera que fosse um valor acrescentado de mudança e não propriamente uma repartição dos investimentos entre o quadro financeiro plurianual e aquilo que é o esforço adicional face à pandemia”, disse.
Na opinião de Francisco Ferreira, muito do que está no PRR são projetos que já estavam assumidos.
“Independentemente de não concordar com uma ou outra coisa, estávamos à espera de uma revolução do que era a abordagem económica e de um desenvolvimento sustentável para um futuro próximo e o PRR não reflete esse objetivo”, considerou.
Apesar disso, Francisco Ferreira considera que ainda “há esperança” e tempo “para fazer mudanças”.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.692.313 mortos no mundo, resultantes de mais de 121,7 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.