Um fóssil inspirou o primeiro prémio científico atribuído a um timorense
Um fóssil que encontrou com o pai na montanha de Lesululi, em Maliana, Timor-Leste, foi a inspiração, 20 anos depois, do estudo com que Isaías Santos Barros, especialista em estratigrafia, a ser o primeiro cientista timorense premiado internacionalmente.
“Tinha 15 anos, andava com o meu pai na montanha e vimos um fóssil muito grande. Eu não sabia o que era e o meu pai disse-me que era um milagre, mas que se eu quisesse entender tinha que estudar geologia”, contou o investigador à Lusa.
“Eu não percebia nada e até me esqueci. Muitos anos depois voltei a ver um fóssil e lembrei-me do passeio com o meu pai. Quem diria que voltaria ali”, disse Isaías Santos Barros, vencedor da edição de 2022 do Prémio Mary Wade, atribuído pela principal organização de paleontologia da Austrália.
O prémio reconhece uma obra de investigação publicada por Isaías Santos Barros, responsável da unidade de estratigrafia do Instituto de Petróleo e Geologia (IPG) de Timor-Leste, na revista científica Alcheinga.
O trabalho – “Uppermost Triassic Halstätt-like cephalopod limestone (Lilu Facies) and Foraminifera, Timor-Leste” – está relacionado com a descoberta em Timor-Leste de novos fosseis, do tipo involução, designadamente trocolinos, estromatólitos e repteis marinhos.
Atribuído bianualmente, em reconhecimento das melhores investigações realizadas nos dois anteriores, o Prémio Mary Wade honra a investigadora australiana que morreu em 2005 e que é uma das mais conceituadas paleontólogas do país.
O prémio é atribuído pela Australasian Palaeontologists (AAP), um grupo especializado que integra a Geological Society of Australia.
A organização australiana explica que os fósseis descobertos não tinham sido detetados por outros especialistas que realizaram estudos desde nos últimos dois séculos, incluindo em Timor-Leste.
“Foi um estudo de estratigrafia, de formação das rochas, para identificar a idade. Procurei identificar fósseis e depois saber a idade da rocha. Em Timor-Leste as rochas mais antigas já detetadas remontam ao período Gzhelian, ou mais de 300 milhões de anos”, explicou Barros.
Isaías Santos Barros explica que o trabalho que está a fazer, ainda que científico, não deixa de ter uma conexão com o relacionamento místico com a natureza, um elemento central da cultura e da tradição em Timor-Leste.
“As pessoas não sabem ciência, não conseguem explicar, mas olham para estas rochas antigas, e contam histórias sobre elas da criação da ilha. Começam a aprender por si, antes da ciência”, disse.
Agora, Barros espera que a conquista do prémio ajude a inspirar mais jovens para as ciências, levando igualmente a que o Governo faça uma maior aposta neste setor educativo.
“Penso que isto pode ajudar a inspirar os jovens a enveredar pela ciência. No passado, vinham especialistas do passado e os timorenses só ajudavam a carregar as coisas e o equipamento. Hoje somos nós a fazer a investigação. E podemos fazer mais”, afirmou.
“É preciso mais investimento do Governo nas ciências, na educação para melhorar as capacidades dos timorenses. Para nos desenvolvermos precisamos de mais cientistas, pessoas mais bem formadas”, reiterou.
Isaías Santos Barros vai continuar o seu mestrado na Universidade da Western Austrália e espera “poder continuar a fazer mais estudos em Timor-Leste”, referindo que há mais dados recolhidos que têm que ser publicados e divulgados.
O investigador salientou igualmente a importância de fortalecer a colaboração com instituições e universidades estrangeiras, destacando a colaboração com a Universidade de Coimbra ou outras na Indonésia e na Austrália.
Oktoviano Viegas Tilman de Jesus, vice-presidente do IPG – instituição criada em 2012 – disse à Lusa que o prémio é um estímulo para a organização que tem vindo na última década a levar a cabo investigações cruciais em várias áreas.
“Isto é muito importante para que inspirar mais pessoas para as ciências, e para dar a conhecer o trabalho que o IPG tem vindo a fazer e perceber a importância, em questões tão diversas como o setor de petróleo e gás, recursos minerais, riscos geológicos e outros
“Queremos agora fazer mais publicações e vê-las reconhecidas internacionalmente. As pessoas começam a ver que o IPG é importante para o país e para o seu desenvolvimento”.
Tilman de Jesus considera que é vital haver mais investimento em instituições como o IPG e em estudos científicos, porque a ciência “é um parâmetro chave para todo o desenvolvimento nacional”.
“Realizamos estudos essenciais para qualquer projeto, ajudando a perceber o que existe no país. No passado fomos um pouco subestimados, mas agora as empresas começam a reconhecer o trabalho que temos vindo a fazer”, disse.
Frederico dos Santos, diretor da Divisão de Investigação Geológica do IPG, sublinha a importância dos estudos em setores como os recursos mineiros – que começa agora a ser desenvolvido.
“Temos feito estudos e análises sobre recursos metálicos e não metálicos. Já foram detetadas existências de ouro, cobre e manganês. Ainda estamos a conduzir análises técnicos adicionais para saber se são ou não reservas comercialmente viáveis”, explicou à Lusa.
“Preparamos um mapa geológico que nos permite saber locais onde temos esses minerais, que podem no futuro vir a ser explorados”, sublinhou.