Uma mão lava a outra: Abelhas produzem nutrientes para alimentar as suas próprias bactérias intestinais
As bactérias são dos organismos mais ubíquos da Terra. Das montanhas mais altas às profundezas dos oceanos existe vida, mesmo que não a consigamos ver.
Algumas delas evoluíram para viver dentro dos corpos de animais, estabelecendo-se uma relação simbiótica fundamental para ambos: hospedeiro e hospedado. O corpo dos humanos, por exemplo, está repleto de microrganismos, em todas as superfícies, uns benéficos e outros nem tanto, sendo que grande parte deles reside no nosso trato gastrointestinal e formam comunidades que, no seu conjunto, são conhecidas como microbiota.
Enquanto, por um lado, os microrganismos podem viver e proliferar num ambiente com condições favoráveis, por outro, os humanos e outros animais recebem uma série de benefícios. Vários estudos indicam que os microrganismos gastrointestinais ajudam a regular o sistema imunitário, a degradar alimentos, a criar defesas contra patógenos e até a sintetizar moléculas que regulam o comportamento e as faculdades cognitivas do hospedeiro.
É uma relação de ganho mútuo, mas será que pende mais para um lado do que para o outro? Uma investigação liderada pela Universidade de Lausanne, na Suíça, procurou desvendar os mistérios dessa simbiose e, para isso, recorreu à abelha-do-mel (Apis mellifera) para perceber como esse animal se relaciona com as bactérias que tem no seu sistema gastrointestinal.
Em comunicado, a equipa, que revela as descobertas num artigo publicado esta semana na revista ‘Nature Microbiology’, explica que essa espécie de abelha “tem um sistema relativamente simples de estudar, comparando com os humanos e a sua microbiota intestinal”. Esses animais, continuam, “adquiriram uma microbiota extraordinariamente simples e estável, composta por apenas 20 espécies de bactérias”. Estima-se que o trato gastrointestinal humano seja povoado por cerca de mil espécies bacterianas diferentes.
Através de experiências em laboratório, os investigadores perceberam que o organismo da própria abelha é capaz de potenciar a colonização gastrointestinal por parte de bactérias benéficas. Por exemplo, uma das bactérias que vive na abelha-do-mel é a Snodgrassella alvi, que não consegue usar o açúcar para crescer e multiplicar-se.
No entanto, ao darem à abelha apenas água açucarada, sem quaisquer outros nutrientes que estão presentes no pólen e néctar que recolheriam em contexto selvagem, viram que a S. alvi, mesmo assim, era capaz de colonizar o trato gastrointestinal do inseto.
Para tentarem responder a essa questão, mediram os metabolitos da abelha e constataram que o animal é capaz de sintetizar “múltiplos ácidos (…) que são exportados para os intestinos”, dessa forma, ajudando a decompor o açúcar para que a S. alvi conseguisse obter a energia necessária para a colonização.
Os resultados levam a equipa a confirmar que, de facto, “a abelha sintetiza alimento para as suas bactérias intestinais”, e sugerem que o mesmo processo pode acontecer para outras espécies de bactérias e até para outros tipos de microrganismos.
“Isto pode explicar também por que razão as abelhas têm uma microbiota gastrointestinal tão especializada e conservada”, diz Andrew Quinn, primeiro autor do artigo. Mas essa especialização pode também deixar as abelhas especialmente vulneráveis a alterações nas condições dos ambientes em que vivem.
“A sua vulnerabilidade pode resultar de uma disrupção desta intrincada sinergia metabólica entre a abelha e a sua microbiota intestinal. Sabemos já que a exposição ao herbicida glifosato torna as abelhas mais suscetíveis a patógenos e reduz a abundância de S. alvi no intestino”, destaca Quinn.