ZERO identifica 5 questões das áreas protegidas que devem ter resposta prioritária do novo Governo
Comemora-se amanhã, o Dia Internacional da Biodiversidade, proclamado pelas Nações Unidas a 22 maio 1992, para alertar a população mundial para a urgência e importância da conservação da diversidade biológica e para o equilíbrio dos ecossistemas naturais e a sobrevivência das espécies.
Aproveitando a efeméride, a ZERO faz um primeiro balanço de como Portugal se posiciona em relação ao cumprimento da Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030, “no que respeita ao nosso contributo para a criação de uma rede coerente de áreas protegidas a nível europeu e assinala alguma das preocupações em matéria de política de conservação da natureza, num momento em que existe uma nova equipa ministerial”.
Começando pelo contributo de Portugal, enquanto Estado-membro da União Europeia (UE), e de acordo com o dashboard de implementação da Estratégia (dados de 2023) “parece evidente que falhamos muito há a fazer para assegurar o cumprimentos no compromisso de proteger legalmente um mínimo de 30% da superfície terrestre da UE e um mínimo de 30% da superfície marítima da UE e integrar corredores ecológicos, como parte de uma verdadeira Rede Transeuropeia de Conservação da Natureza, em particular no que diz respeito à proteção do meio marinho”.
Assim, nos indicadores relativos ao meio terrestre, e quanto à área coberta por Áreas Protegidas (criadas por legislação nacional) e áreas designadas no âmbito da Rede Natura 2000 (Zonas Especiais de Conservação (ZEC) – que têm como objetivo a conservação dos habitats naturais e dos habitats de espécies da flora e da fauna selvagens considerados ameaçados no espaço da União Europeia – e Zonas de Proteção Especial (ZPE) – que se destinam essencialmente a garantir a conservação das espécies de aves e seus habitats), “não só no aproximamos da média da União Europeia, quer no contributo para cobertura com espaços protegidos somente com ZEC e ZPE, quer no somatório destas com a áreas protegidas – 20,6% face aos 18,6 de média da UE e 22,4% para 26% de média da UE, respetivamente)”, sublinha.
A exceção, acrescenta a nota, é a percentagem de área coberta por Áreas Protegidas, “em que só atingimos os 9%, enquanto a média europeia é de 17,3%, sendo que, por norma, a maior parte das Áreas Protegidas são também espaços protegidos no âmbito da Rede Natura 2000, situação que pouco ou nada contribui para o objetivo de proteger legal e efetivamente 30% do nosso território”.
Mas é no meio marinho que Portugal “parece marcar passo em todos os indicadores definidos, ainda para mais num meio em que a nossa responsabilidade é maior, tendo em conta a superfície da nossa zona económica exclusiva (1 660 456 km2) e também a ambição de assegurar futuramente a gestão dos recursos vivos e não vivos aquando da delimitação da área de extensão da plataforma continental”.
Assim, “podemos referir que estamos mal posicionados em todos os indicadores face à média europeia dos países que possuem área marinha: contributo 2,5% em relação aos 9% de média da UE para cobertura com espaços protegidos somente com ZEC e ZPE e de 4,5% face aos 12,1% de média UE no somatório destas com a áreas protegidas, bem como desempenho algo preocupante de 2% de cobertura por Áreas Marinhas Protegidas face a uma média europeia de 4,5%, sem bem que este último valor não não inclua o recém designado Parque Natural Marinho do Recife do Algarve-Pedra do Valado que acrescenta uma área com uma extensão de cerca de 156,23 km2, que inclui toda a faixa marinha do concelho de Silves e uma parte substancial da faixa marinha dos concelhos de Lagoa e Albufeira”.
O Ministério do Ambiente e da Energia (MAE) assumirá os falsos 34,8% alegados pelo anterior Governo para antecipar o cumprimento da meta de proteção legal para, pelo menos, 30% da superfície terrestre, conforme previsto na Estratégia de Biodiversidade da União Europeia relativa a 2030?
O anterior Governo assumiu publicamente, no final de 2023, que Portugal antecipava o cumprimento da meta de proteção legal para, pelo menos, 30% da superfície terrestre, conforme previsto na Estratégia de Biodiversidade da União Europeia relativa a 2030 e assumido por Portugal na 15.ª Conferência das Partes (COP) das Nações Unidas, no âmbito da Convenção para a Diversidade Biológica, realizada no final de 2022.
Acontece que esta alegação “está muito longe de aceitável em matéria de verdadeira proteção, uma vez que os 34,8% englobam áreas classificadas ao abrigo de compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português, como as Reservas da Biosfera da UNESCO e dos Geoparques da UNESCO, as quais não possuem um quadro legal associado que seja suficientemente restritivo para se aceitar com válido o seu contributo para a conservação dos valores naturais em presença”, considera a associação.
Para a ZERO, “há que romper com uma certa dinâmica que secundariza a conservação da natureza face aos (supostos) interesses estratégicos do país, consensualizando previamente o que será sujeito a proteção e depois o que poderá ser ou não “sacrificado” para a consecução de outros objetivos ambientais (energia) ou económicos (energia, produtos agroalimentares, matérias primas essenciais, turismo), devendo o MAE criar com urgência uma estrutura de missão para, num muito curto prazo, inventariar e propor a classificação de áreas, tendo como horizonte temporal o ano de 2030, por forma a que deixe de imperar a lógica de destruir as áreas de maior valor e vir a classificar futuramente áreas degradadas que necessitam de avultados investimentos para serem restauradas”.
Portugal vai dispor de uma Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas eficaz?
O comunicado do Governo, no ano passado, em celebração do Dia Nacional do Mar manifestou a importância estratégica do oceano para Portugal, reconhecendo-o como um recurso vital para a economia e o bem-estar da população. Observa-se, no entanto que, apesar deste reconhecimento e das intenções expressas, nesse mesmo comunicado, de antecipar para 2026 a meta 30×30, a implementação efetiva das políticas e estratégias para a proteção do meio marinho, já estabelecidas na Resolução do Conselho de Ministros nº 143/2019, “têm falhado e atrasado a criação de uma Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas (RNAMP) coerente”.
Corroborando o diagnóstico realizado pelo Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE), no final do ano de 2023, a falta de planos de gestão e recursos humanos, financeiros e logísticos adequados “tem, consequentemente, resultado na ausência de mecanismos de monitorização eficazes e integrados, com financiamento contínuo e dedicado”.
Para garantir as metas de conservação assumidas – “indubitavelmente urgentes, dada a conjuntura atual da crise de biodiversidade, torna-se absolutamente crucial estabelecer quadros legais claros, com uma atribuição bem definida de responsabilidades e a alocação dos recursos necessários destinados às entidades competentes”.
Estes recursos “permitirão conduzir, não só uma fiscalização adequada, mas também estudos abrangentes e multidisciplinares que forneçam a melhor informação científica, essenciais para a tomada segura de decisões”. Por outro lado, a integração de uma RNAMP “deve ser ainda cuidadosamente considerada dentro do contexto do planeamento, ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional (PSOEM), assegurando uma abordagem onde sejam conciliados e respeitados os diversos usos e atividades marítimas”.
Lagoa dos Salgados: haverá um compromisso de resolver a “trapalhada” e o impasse herdados?
A criação da Reserva Natural da Lagoa dos Salgados, no Algarve, que, segundo a ZERO, já há muito deveria ter sido efetivada, “encontra-se num impasse em resultado de uma disputa judicial com um promotor que não abdica de supostos direitos de construção de 4000 camas, situação agravada pela ocorrência de uma verdadeira “trapalhada”, protagonizada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, esquecendo-se de se emitir uma Declaração de Conformidade Ambiental “desfavorável” dentro do prazo”.
Este é um caso que “deve constar da lista de assuntos prioritários a tratar pela equipa do MAE, por forma a que se efetive proteção deste complexo de zonas húmidas e da sua envolvente que reúne valores naturais de relevância especial, como o maior núcleo populacional do endemismo lusitano Linaria algarviana,, sendo ainda local de nidificação e de invernada de uma elevada diversidade de aves, englobando ainda habitats naturais e seminaturais, com registos de elementos florísticos raros e diversas espécies de artrópodes com valor de conservação, e duas espécies de répteis de interesse comunitário”.
Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados: será desta que será publicado?
O Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados (previsto no artigo 29.º do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade) é um instrumento de caráter operacional que consiste num arquivo de informação sobre os valores naturais classificados e as espécies vegetais e animais consideradas ameaçadas de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza.
A criação do Cadastro, prevista na legislação desde 28 de julho de 2008, “permitirá conferir proteção legal a todas as espécies com estatuto de ameaça que ocorrem no interior e fora das áreas classificadas, uma vez que estão previstas contraordenações ambientais puníveis por lei (artigo 44.º)”. Contudo, a aprovação desta ferramenta de conservação “continua dependente da existência de regulamentação não foi ainda publicada, apesar de se estipular nas disposições transitórias e finais do referido diploma (artigo 52.º) um prazo máximo de dois anos para a aprovação do primeiro Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados”.
Conseguiremos proteger as aves estepárias quando os fundos comunitários estão a financiar o seu desaparecimento?
A evolução das populações de três espécies de aves estepárias nos últimos 10 anos, de acordo com informação disponibilizada na Lista Vermelha das Aves de Portugal continental 2022, vieram demonstrar que está em curso o colapso dos efetivos.
Estima-se que, numa década, a população de Águia-caçadeira (Circus pygargus) tenha diminuído 50% ou mais ao longo de 3 gerações, a de Sisão (Tetrax tetrax) reduzido a sua população num valor igual ou superior a 80% nos últimos 10 anos e, no caso da de Abetarda (Otis tarda), inferiu-se uma redução da população igual ou superior a 50% ao longo de 3 gerações, num período de tempo que inclui as últimas décadas.
“Acresce que esta verdadeira tragédia ambiental continua em curso, já que, com base na monitorização dos efetivos e na redução que se verifica atualmente na qualidade do habitat é por demais evidente que as causas deste colapso não tenham cessado”, sublinha a associação.
Para a ZERO, a procura de uma solução para o problema do declínio das aves estepárias “deve ser uma preocupação central do atual MAE, em articulação com o Ministério da Agricultura e Pescas, num contexto em que a política agrícola não só não confere respostas adequadas para que os proprietários rurais adiram às medidas de apoio previstas (por exemplo, os fracos apoios ao hectare disponibilizados parecem não compensar os custos adicionais e de oportunidade face, por exemplo, a outras atividades mais competitivas e mais subsidiadas, como a produção de gado bovino ou a agricultura de regadio), como também, por má execução das medidas apoiadas, se manifesta na impossibilidade destas espécies concluírem com sucesso o seu ciclo reprodutivo – a antecipação sistemática das datas de cortes de cereais e de culturas forrageiras cria uma perversão total, já que, na prática, a subsidiação pública acaba a promover a mortalidade nas espécies que a legislação comunitária protege”.
Na opinião da ZERO, “devem ser combinados meios financeiros nacionais (Fundo Ambiental) e comunitários (FEDER a nível regional) para procurar garantir que os proprietários/agricultores contratualizam medidas de médio prazo com o ICNF por forma que exista uma adequada compensação de perdas de rendimento parcial ou total (condições climáticas anuais, alargamento do período de corte dos cereais) e dos custos de oportunidade (opção pela rotação cereal-pousio em detrimento da produção de feno para alimentação animal e da produção pecuária ou de outras culturas mais rentáveis), mas menos ou desfavoráveis à conservação das estepárias”.