O que a retirada dos EUA da liderança ambiental e climática pode significar para a Europa

Quando Donald Trump foi proclamado vencedor das eleições presidenciais norte-americanas no final do ano passado, os “alarmes ambientalistas” começaram a soar um pouco por todo o mundo.
Da sua agenda de prioridades políticas, conhecida como “America First” (“América Primeiro”, em português), constava o fim das “políticas de extremismo climático” do antecessor Joe Biden e o desmantelamento do quadro regulatório e legislativo da anterior administração sobre ambiente, clima e Natureza, e desde que regressou à Casa Branca, no passado dia 20 de janeiro, desencadeou o que está a ser entendido como uma intensa ofensiva anti-clima e anti-ambiente, em nome da prosperidade americana.
Logo no primeiro dia do segundo mandato, Trump assinou uma ordem executiva para retirar os Estados Unidos da América (EUA) do Acordo de Paris, assinado em 2015, no âmbito da cimeira climática global COP21, por 196 países (incluindo os EUA), e que tem como principal objetivo manter o aquecimento do planeta abaixo dos dois graus Celsius relativamente a níveis pré-industriais.
De recordar que no seu primeiro mandato Trump tinha já retirado o país do acordo climático, uma ação que Biden reverteu quando assumiu a presidência norte-americana. No regresso de Trump à Sala Oval, os EUA, uma vez mais, saem do tratado.
Desde então, o governo de Trump tem estado bastante ocupado em desfazer tudo o que são proteções ambientais, como a abrir terras à exploração de petróleo e gás natural no Alasca, a cortar o financiamento para investigações científicas sobre o clima, energias limpas, florestas e conservação da Natureza e justiça ambiental.
Há também relatos de que as agências federais estão a ser instruídas a não usar e a apagar quaisquer referências a alterações climáticas e de que Trump e os seus aliados políticos, estrategicamente posicionados nas lideranças de instituições públicas que atuam na área ambiental, estão a tentar contornar a proteção de espécies ameaçadas, no âmbito da histórica Endangered Species Act, para intensificar a exploração de recursos.
“Drill, baby! Drill!” é uma das frases mais icónicas e mais amplamente citadas da segunda presidência Trump que resume a visão da nova administração norte-americana para o ambiente.
Brígida Brito, Professora de Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa e subdiretora do centro de investigação OBSERVARE – Observatório de Relações Exteriores, explica-nos que as ações de Trump no campo ambiental são orientadas por “um autoritarismo negacionista”, um traço que se tinha feito notar logo desde o seu primeiro mandato presidencial.
Em declarações à Green Savers, a académica diz que a Ciência, “definida como autónoma por seguir rigor metodológico e ter padrões próprios de produção de conhecimento”, é para Trump “uma ameaça” e que o líder norte-americano “representa o Capitaloceno, a era geológica orientada exclusivamente para a aquisição de capital, para o enriquecimento, para o crescimento”.
Questionada sobre se as ações de Trump são orientadas sobretudo para conquistar os votos do eleitorado, Brígida Brito duvida. “Não creio que tenha apenas o objetivo de agradar ao eleitorado conservador de direita, ele usa esse eleitorado para alcançar os seus fins”, salienta.
Os efeitos na Europa da retirada ambiental norte-americana
As boas relações entre os EUA e a União Europeia (UE) têm sido a pedra-angular da cooperação transatlântica numa variedade de eixos estratégicos, como inovação, economia, segurança e defesa.
Outra das marcas mais indeléveis da nova administração Trump é o (pelo menos aparente) afastamento entre as nações europeias e o governo norte-americano, com várias figuras da cúpula da UE a dizerem que, à luz do novo posicionamento mais nacionalista do tradicional aliado do outro lado do Oceano Atlântico, é preciso uma nova liderança global.
A defesa da UE está intimamente associada à NATO, organização fortemente influenciada pelos EUA, razão pela qual o arrefecimento das relações transatlânticas levou as lideranças europeias a assumir a necessidade urgente de o bloco reforçar as suas próprias defesas, face à incerteza do compromisso norte-americano para com a proteção do continente.
Poderia pensar-se que a viragem anti-ambiente e anti-clima norte-americana poderia, de alguma forma, “contagiar” os Estados-membros, na busca por entendimentos e pontes de diálogo com o parceiro transatlântico. Ou que a UE pudesse pensar em enfraquecer os regulamentos europeus de ambiente, clima e Natureza para não ficar atrás dos EUA, que, ao desmantelarem as proteções ambientais no país, conseguirão obter lucros adicionais antes vedados.
Contudo, esse pode não ser o caso. Brígida Brito não acredita que a UE possa ser pressionada a esse nível, pois “tem sido determinada na questão climática, a sensibilidade existe e o financiamento também”.
Ainda assim, não deixa de reconhecer que, sendo o mundo “uma realidade global” na qual “todos interferem com todos”, “as relações transatlânticas serão afetadas a todos os níveis pelo novo governo norte-americano, e a esfera ambiental também, até porque se tem revelado a mais frágil entre todas as áreas”.
Assim, o panorama político na UE poderá ser um fator de maior peso na liderança ambiental europeia do que propriamente as relações, mais ou menos atritadas, com os EUA.
“Se a tendência pró-extrema-direita persistir no espaço europeu, por certo a preocupação com a temática ambiental será profundamente afetada”, explica Brígida Brito, “e os riscos que daqui advêm são naturalmente grandes”.
“Se as diferentes problemáticas ambientais têm tido uma importância intermitente ao longo do tempo, a esfera política mais conservadora tende a bloquear interpretações mais progressistas sobre as causas dos problemas socioambientais e seus impactos”, aponta, numa interpretação que pode ser aplicada aos dois lados do Atlântico.
Uma nova liderança global nas esferas do clima e do ambiente?
Com o virar de costas dos EUA à liderança global climática e ambiental, a UE pode ter diante de si um mar de oportunidades, “tanto no que respeita às negociações como à identificação de alternativas estratégicas exequíveis que tenham continuidade”, salienta a académica.
“Seguramente que a UE assumirá um papel de destaque, que tem vindo a ser consolidado ao longo do tempo”, assegura Brígida Brito. “A UE não ocupará todo o espaço norte-americano em todos os níveis, mas por certo tem uma voz ativa no que respeita à negociação climática e no geral ambiental”, acrescenta, lembrando que “não nos podemos esquecer que a Natura 2000 é a maior rede ecológica do mundo”.
Apesar do negacionismo que caracteriza a atual administração norte-americana, a investigadora considera que “a lei do retorno tem sido frequentemente vislumbrada”, e, embora tenha uma “extrema capacidade de adaptação, o território dos EUA tem sido frequentemente afetado por eventos climáticos extremos de grande impacto, e os efeitos fazem-se sentir”.
Ainda que “o show off norte-americano por via da postura do Presidente Trump” esteja “por clarificar”, Brígida Brito acredita que o “comportamento anti-tudo e todos” do novo governo dos EUA “não persistirá por muito tempo”.
“A pergunta é: até quando?”, sublinha.