Falcão aprende a usar “engarrafamentos” para caçar sem ser visto

Os animais nas cidades têm de encontrar formas criativas para sobreviverem e adaptações comportamentais, e às vezes até físicas, que os ajudem a prosperar num ambiente repleto de humanos.
Algumas dessas criaturas observam e aprendem como nós usamos o espaço e procuram disso tirar partido, e um zoólogo da Universidade do Tennessee documentou como um falcão-do-tanoeiro (Accipiter cooperi) aprendeu a usar o trânsito rodoviário para ter maior sucesso nas suas caçadas.
Num artigo publicado recentemente na revista ‘Frontiers in Ethology’, Vladimir Dinets conta como, entre novembro de 2021 e março de 2022 observou uma dessas aves de rapina a caçar por entre os carros, usando-os como “camuflagem”.
O investigador recorda que tudo de passou num cruzamento perto de sua casa, na cidade de West Orange, no estado de Nova Jérsia, nos Estados Unidos da América. Não é uma zona particularmente problemática em termos de trânsito, mas quando algum peão toca no botão para atravessar a passadeira, o semáforo fica vermelho durante mais tempo, pelo que a fila de carros torna-se mais longa. Como acontece noutros ponto do mundo, quando o sinal para os peões fica verde, um sinal sonoro é emitido, avisando as pessoas invisuais de que é seguro atravessarem a estrada.
Dinets lembra-se de, certo dia de inverno, estar no seu carro, parado na fila, quando um falcão-do-tanoeiro levantou voo de uma árvore, voou sobre o passeio a pouco altura do chão e paralelamente aos carros. De súbito, faz um desvio repentino, cruza a fila de carros e atira-se sobre algo perto de uma das casas do outro lado da rua.
“No dia seguinte vi a mesma coisa acontecer e decidi investigar”, diz Dinets, que explica que o jardim em frente dessa casa atraía grupos de pequenas aves, como pardais, pombos e estorninhos. Segundo conta o cientista, uma família de ratos vivia nessa habitação humana, e por vezes deixava restos de comida no jardim, um chamariz para esses pequenos pássaros, que estavam na mira do falcão.
Mas a rapina só atacava quando a fila de carros se estendia até à árvore da qual ele se lançava, para que a sua investida pudesse passar despercebida às presas, pelo menos até ser demasiado tarde para poderem escapar.
De acordo com as observações que fez, Dinets diz que a fila de carros só chegava à arvore quando alguém tocava no botão para atravessar a passadeira e, com isso, soava o sinal sonoro, pelo que argumenta que o falcão apoiava a sua tática de caça nesse estímulo auditivo.
“Assim que o sinal sonoro era ativado, a rapina voava de algum lado para a pequena árvore, esperava que os carros fizessem fila e, então, atacava”, aponta o cientista, para quem esse comportamento revela que “o falcão compreendia a ligação entre o som e o tamanho da eventual fila de carros”.
Além disso, Dinets acredita que a ave tem “um bom mapa mental do lugar”, uma vez que, quando a fila de carros chegava até à sua árvore, o falcão não conseguia ver a rua do outro lado da estrada, pelo que era como se voasse “às cegas”, dependendo somente da sua memória.
No inverno seguinte, Dinets avistou um falcão-do-tanoeiro com plumagem de adulto e acredita que era o mesmo indivíduo. Meses depois, no verão, o sinal sonoro de travessia para peões deixou de funcionar, e o investigador não voltou a ver falcões.
“Uma cidade é um habitat muito difícil e perigoso para qualquer ave, mas especialmente para uma grande ave de rapina especializada em presas vivas: é preciso evitar janelas, carros, linhas elétricas e incontáveis outros perigos enquanto se apanha alguma coisa para comer todos os dias”, salienta Dinets.
No artigo, escreve que “o comportamento aqui descrito é um impressionante feito de inteligência, que explica em grande parte a capacidade que a espécie tem para colonizar com sucesso um ambiente tão invulgar e perigoso como a paisagem urbana”, e sugere que essa inteligência provavelmente já existia antes de o falcão se ter instalado na cidade.
“Podemos apenas imaginar o nível de conhecimento e compreensão do ambiente que têm os falcões que vivem em paisagens mais naturais.”