Sociólogo Edgar Morin alerta para “impacto essencial” do clima no processo histórico



O filósofo e sociólogo francês Edgar Morin, 104 anos, afirma no seu novo livro, “Lições da História”, que “os caprichos do clima podem ter um impacto essencial nos acontecimentos históricos”.

“A História alimenta-se de conhecimentos retirados de todas as disciplinas, especialmente das ciências humanas, de relatos como memórias e romances, e das ciências naturais”, assim “os caprichos do clima podem ter um impacto essencial nos acontecimentos históricos”, escreve Morin na introdução.

Morin cita uma passagem do romance “Os Miseráveis” de Victor Hugo para intitular a introdução: “Estando a verdadeira história envolvida em tudo, o verdadeiro historiador envolve-se em tudo”.

A obra, traduzida para português por Maria Ferro, recém-editada sob a chancela Crítica, divide-se em 16 “lições”, que o autor extraiu da sua longa vida, reconhecendo que os tempos em que estudou História, na universidade, “desempenharam um papel determinante” no seu modo de pensar.

“Tudo o que escrevi foi historizado”, declara Morin. “Ao longo do século que já vivi, a questão das lições da História nunca deixou de me inquietar, acabando por amadurecer e transformar-se neste livro”, escreve o autor.

Quanto à 1.ª lição, “O resultado de uma ação pode ser contrário à sua intenção inicial”, afirma Morin que se confirma tanto no plano pessoal como no político, económico e militar e, “naturalmente, está ilustrada ao longo da História, desde as Guerras Médicas no século V antes da nossa era, quando o enorme Império Persa não conseguiu subjugar a pequena cidade de Atenas, onde a democracia e a filosofia puderam então florescer, até ao fracasso do plano hitleriano para conquistar a Europa eslava”.

Na 2.ª lição, “Não existe observação válida sem auto-observação”, Morin adverte que “cada historiador deve ser considerado no seu próprio contexto histórico”, uma lição que considera crucial para si e que se aplica “não só aos historiadores, mas a todos os académicos, todos os filósofos [e] todos os pensadores”.

“Tudo deve ser contextualizado e historizado, incluindo o contextualizador e o historiador”, defende.

Na sua mais longa lição, o autor chama a atenção para a possibilidade de “o improvável pode acontecer”, alertando que “os mitos têm uma grande influência na História”, que o conceito de “nação é uma invenção recente” e que “as guerras são um concentrado de acasos e determinismos”.

Para Morin, “a História carrega consigo as grandes forças cósmicas de união e desunião, de concórdia e discórdia”.

“As suas lições são fundamentais”, atesta, referindo que a História “é reveladora do génio e da estupidez”, assim como do “colapso dos grandes impérios que pareciam eternos e desaparecem para sempre”.

O sociólogo e filósofo Edgar Nahoum, de seu nome de registo, nasceu em Paris, em 1921, definindo-se como “francês, de origem judaica sefardita, parcialmente italiano e espanhol, amplamente mediterrânico, culturalmente europeu”.

Antifascista, apoia a Solidariedade Internacional Antifascista desde 1936. Em 1942, em plena II Guerra Mundial (1939-1945), entrou para a Resistência Francesa e foi nessa altura, já na clandestinidade, que adotou o pseudónimo Morin. Durante este período participou no Movimento dos Prisioneiros de Guerra e Deportados e manteve ligações com o Comité Central Comunista.

O seu primeiro livro, “O Ano Zero da Alemanha”, resultou da sua vivência no país, enquanto membro do gabinete de propaganda do Governo militar francês, e foi publicado em 1946, imediatamente após a Guerra.

Em 1949, afastou-se do Partido Comunista e, no ano seguinte, iniciou a sua carreira de investigador, no Centro de Estudos Sociológicos, liderado por Georges Friedman (1902-1977).

Com Roland Barthes (1915-1980), fundou a revista Arguments, entre outras, das quais fez parte do núcleo fundador, como a Revue Française de Sociologie et Communications.

Em 1956, publicou o livro “O Cinema e o Homem Imaginário”. Entre 1973 e 1984, dirigiu o Centro de Estudos das Comunicações de Massa, mais tarde Centro de Estudos Transdisciplinares.

Entre 1977 e 2004, publicou, em seis volumes, a obra “O Método”, na qual condensa 30 anos de reflexão. “Nessas páginas, exprime o problema complexo de religar, através do conceito de ‘religação’ que descreve a interdependência entre todas as disciplinas do espírito, como entre os seres humanos e o seu habitat”, lê-se na nota biográfica incluída em “Lições de História”.

Com Anne-Briditte Kern, publicou, em 1993, “Terra-Pátria”. Em 2007, foi a vez de “Ano I da Era Ecológica: A Terra Depende do Homem que Depende da Terra”.

Em 2020, refletiu sobre a sua experiência na pandemia de covid-19 na obra “Mudemos de Via: As Lições do Coronavírus”. Em 2021, na celebração dos 100 anos, editou “Lições de Um Século de Vida”. Em 2022, publicou as coletâneas de ensaios “Despertemos!” e “Um Momento Mais…”.

No ano passado, publicou o seu primeiro romance, escrito na juventude, depois de ter descoberto o manuscrito original, “O Ano Perdeu a sua Primavera”.






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