Antropocénico: A ‘fase humana’ da história da Terra com impactos semelhantes às grandes extinções de há milhões de anos

Há aproximadamente 12 mil anos que nos encontramos na época geológica mais recente da História da Terra, o Holocénico, que é também a mais recente do Período Quaternário, que começou há perto de 2,58 milhões de anos.
No entanto, devido aos profundos impactos que os humanos estão a causar no planeta e à marca indelével que nele estão a deixar com as suas atividades, há quem defenda que estamos numa outra época, no Antropocénico. No ano 2000, os cientistas Paul Crutzen e Eugene Stoermer cunharam esse termo, que pretende, acima de tudo, alertar para os impactos humanos sobre o planeta: a degradação dos ecossistemas, a perda de biodiversidade, as alteações climáticas, o degelo causado pelo efeito de estufa de gases poluentes, entre outros.
Num texto publicado em abril, Liliana Póvoas, Curadora convidada das Coleções Geológicas do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, da Universidade de Lisboa, explica que, além de todos esses efeitos, a ação humana sobre a Terra está também a deixar marcas ao nível da litosfera, ou seja, na superfície rochosa exterior que envolve o planeta.
E essa ‘pegada litosférica’ resulta, principalmente, da “exploração intensa das jazidas de petróleo e de outros recursos minerais, agora sobretudo os indispensáveis à produção de energias verdes, nem sempre respeitando os exigentes requisitos da sustentabilidade e da finitude dessas reservas”, escreve a especialista em Geologia e Paleontologia.
Como se não bastasse, a marca humana na rocha deriva também, destaca a cientista, de “assoreamentos de sistemas lagunares, baías e estuários em resultado de agricultura intensa ou, pelo contrário, da diminuição de deposição de sedimentos ao longo da costa por ficarem retidos nas barragens permitindo o aumento da erosão costeira e consequente recuo da linha de costa”.
Liliana Póvoas considera que todos esses fatores “podem conduzir a alterações significativas das geomorfologias e consequentes influências noutras componentes do sistema Terra”. Apesar de o Homo sapiens ter começado a imprimir a sua marca no planeta há cerca de 12 mil anos, quando começou a derrubar florestas para permitir a expansão da agricultura, “quando nos referimos a Antropocénico estamos a pensar na última fase da história da humanidade em que essa ação aumentou exponencialmente levando a alterações que nos sugerem a comparação com as extinções em massa ocorridas ao longo da história da Terra”, salienta.
Apesar de ser um termo já amplamente difundido, usado numa série de contextos por diversas pessoas, o ‘Antropocénico’ (frequentemente escrito ‘Antropoceno’, embora a investigadora defenda que as épocas geológicas, em português de Portugal, terminem em ‘-cénico’ e não em ‘-ceno’) ainda não é uma época oficialmente reconhecida pela Ciência.
Para que isso possa acontecer, Liliana Póvoas diz que é preciso reunir “uma série de critérios de índole geológica” que permitam atestar, a nível internacional, as alterações causadas pelos humanos na litosfera.
“Hoje fala-se de ‘Tecnofósseis’ (ou outros termos equivalentes), para designar aqueles produtos da tecnologia que, por rejeitados, vão ficar incluídos nos sedimentos que, entretanto, se vão depositando. Plásticos, vidros, cerâmicas, cimento, ligas metálica”, avança a especialista, mas várias são as questões ainda sem resposta: “qual a sua durabilidade no registo geológico? Será suficiente para os validar como testemunho?”.
Para que o Antropocénico possa ascender à categoria de período geológico oficial, é também necessário identificar “um marcador temporal que possa significar um momento de alteração drástica à escala global”, semelhante aos níveis de irídio detetados nos sedimentos que resultaram do impacto do meteorito que, há 66 milhões de anos, levou à última extinção em massa e que terá feito desaparecer os dinossauros da face da Terra.
Assim, para definir essa nova época, os geólogos estão a procurar indicadores semelhantes, que permitam afirmar com clareza o começo de um novo tempo geológico, desta feita marcado pelos humanos.
“Poderá ser o início da Revolução Industrial e consequente aumento dos teores de CO2 e CH4 na atmosfera? Poderá ser a alteração de percentagem de isótopos de Carbono-14 vs Carbono-12 na atmosfera resultado da intensificação de testes de armas nucleares por volta do ano de 1950?”, são algumas das questões lançadas pela cientista portuguesa, que sugere que “o recuo temporal” poderá ser ainda “demasiado pequeno” para que se possa fazer uma avaliação objetiva.
Colocando a Ciência temporariamente de lado, o termo Antropocénico tem, qualquer das formas, uma importância ‘simbólica’, servindo para alertar para a forma como os humanos têm tratado o planeta do qual depende a sua sobrevivência e funcionando como “um agregador da vontade de mudança das atitudes para com a natureza por representar a assunção cada vez mais clara pela humanidade do seu papel como força transformadora do Planeta Terra”, destaca Liliana Póvoas.