Cientistas aliam Ciência ao conhecimento tradicional para revelar diversidade de espécies de aves no Peru

No noroeste do Peru, na fronteira com o Equador e na bacia hidrográfica do Rio Amazonas, uma equipa internacional de cientistas embrenhou-se pelas florestas tropicais para documentar a riqueza de espécies de aves da região.
Esse país sul-americano é considerado um dos que tem uma maior diversidade de avifauna, estimando-se que nele ocorram cerca de 20% de todas as espécies de aves que atualmente se conhecem no mundo, algo que se deve em grande parte ao facto de 60% do território do Peru estar coberto por florestas tropicais.
A equipa, liderada pelo especialista em conservação de aves Nico Arcilla, da Universidade da Geórgia (Estados Unidos da América) e da organização International Bird Conservation Partnership, passou 15 meses, entre 2004 e 2020, a estudar as espécies de aves em território de povos indígenas da região da Amazónia onde, até então, não se tinham sido conduzidos levantamentos sobre a riqueza da avifauna.
Mas mais do que registar o número de espécies, os investigadores queriam também explorar os nomes que os indígenas dão às aves com as quais partilham as suas terras, vidas, cosmologia e histórias. Num artigo publicado na revista ‘Birds’, explicam que na área de estudo aproximadamente 40 mil residentes falam a língua Aguaruna, cujo nome serve também para identificar o grupo a que essas comunidades indígenas pertencem.
Até ao século XX, a língua Aguaruna só existia na forma oral, mas, com a influência de missionários cristãos, desenvolveu a sua forma escrita.
Com binóculos e redes, os investigadores documentaram a presença de 427 espécies diferentes de aves, das quais 419 residentes e oito invernantes. Depois, com a ajuda de Aguarunas, tentaram corresponder os nomes científicos com os nomes dados pelas comunidades indígenas, em jeito de registo do conhecimento ecológico tradicional.
Estudos anteriores haviam apontado que existiriam nomes Aguarunas para entre 80% e 90% das espécies de aves que ocorrem na região, estes investigadores notaram que, ao invés, existiam nomes Aguaruna únicos apenas para 38% delas. Ou seja, um nome Aguaruna para uma espécie particular. Para 31% das espécies identificadas, havia nomes Aguaruna genéricos usados para mais do que uma espécie e para outras 31% não havia nomes Aguaruna conhecidos.
A investigação revela que os grupos com mais espécies para as quais havia nomes Aguaruna únicos são os psitacídeos (que inclui papagaios, araras e periquitos), os caprimulgiformes (aves crepusculares ou noturnas que incluem espécies como os bacuraus e os noitibós) e os piprídeos (como o manaquim-de-cauda-longa e o tangará). Em cada um destes grupos, entre 78% e 88% das espécies tinham nomes Aguaruna únicos.
Dizem os cientistas que quanto maiores ou mais coloridos, quanto mais ruidosos e quanto mais peculiares forem os seus comportamentos, maior a probabilidade de as espécies de aves terem nomes Aguaruna.
Dos grupos com menos nomes Aguaruna únicos os autores do artigo identificam os troquilídeos (como os colibris), os furnariídeos (como forneiros e pica-paus) e os tiranídeos (como o bem-te-vi).
Para esta equipa de cientistas, numa região com uma grande diversidade de espécies de aves é pouco provável que todas tenham nomes indígenas locais, não só porque esse conhecimento era amplamente baseado na tradição oral, mas porque muitas espécies são esquivas e difíceis de distinguir umas das outras sem ferramentas como binóculos ou redes.
Ainda assim, dizem que os Aguaruna e as aves têm uma relação muito próxima, com os residentes indígenas a considerar esses animais parte importante da sua cultura e da forma como veem o mundo. Segundo os cientistas, na cosmologia Aguarana, as aves eram humanos antes de se tornarem aves e servem como intermediários entre os mundos natural e sobrenatural, como ligações entre os povos Aguaruna e o domínio dos espíritos.
“Além de terem nomes para muitas das espécies de ave à sua volta, os residentes Aguaruna também têm nomes para o comportamento das aves”, salientam os investigadores, usando expressões como “píshak saayu” para se referirem a bandos com mais do que uma espécie.
A relevância das aves na cultura Aguaruna é também evidente no facto de as crianças poderem receber nomes indígenas que são usados para identificar espécies de aves.
“As nossas descobertas sobre aves em territórios Aguaruna, juntamente com uma primeira lista sistemática de nomes Aguaruna para as aves e como correspondem aos nomes científicos, fornecem uma base para aumentar o envolvimento e a colaboração entre as comunidades indígenas, os ornitólogos e os agentes de conservação nesta região”, argumentam os investigadores.
“Continuar a documentar e a elucidar os nomes e o conhecimento indígenas sobre as aves, em particular aqueles que ocorrem em tradições orais que podem desaparecer, promete contribuir de forma valiosa para compreender, valorizar e proteger o património natural e cultural da humanidade, tanto na Amazónia como em todo o mundo”, declaram.