Cientistas alertam que alterações climáticas ameaçam biodiversidade no Cerrado brasileiro

Uma equipa internacional de investigadores alerta que os efeitos das alterações climáticas estão a pôr em risco da biodiversidade do Cerrado, no Brasil, um dos biomas com maior variedade de espécies não-humanas do mundo.
Com cerca de 5% de todas as espécies de plantas e de animais do planeta, aquela que é considerada a savana mais biodiversa da Terra está a ser fortemente afetada por secas cada vez mais duradouras e intensas. Esses impactos são ainda mais agravados por pressões humanas diretas, como a conversão dos solos para agricultura e para a pecuária intensiva.
A investigação, liderada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e divulgada recentemente na revista “WIREs Climate Change’, revela que a seca no Cerrado resulta, assim, de uma conjugação perniciosa de fatores: a expansão do Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul que altera a circulação atmosférica e desvia a humidade, o aquecimento das águas do Atlântico Tropical Norte que reduz o transporte de humidade para a América do Sul, e a redução da evapotranspiração, devido à conversão generalizada da vegetação nativa para agricultura e pastagem intensivas, diminuindo o vapor de água atmosférico na região e contribui para o aquecimento local.
Dizem os autores do estudo que “esses fenómenos ocorrem de forma interligada” e chamam a atenção para “uma ameaça iminente à biodiversidade terrestre” desse bioma.
De acordo com os resultados do trabalho, a estabilidade climática do Cerrado, que se estabeleceu ao longo dos últimos cinco mil anos e foi essencial para moldar as suas comunidades ecológicas, está a ser desmantelada.
O aumento da temperatura, a redução da precipitação e o prolongamento da estação seca afetam a fisiologia e reprodução das plantas e a sobrevivência de muitas espécies dependerá da sua capacidade para se adaptarem a essas condições mais adversas, como se conseguem ou não chegar a maiores profundidades para alcançarem água no subsolo.
Períodos secos mais longos e intensos e alterações nos padrões de precipitação alteram também as comunidades de microrganismos do solo, com alterações potencialmente negativas nos ciclos de carbono e de azoto.
Ainda, a redução da humidade poderá ter impactos graves nos invertebrados, como os insetos, nas relações entre polinizadores e plantas. Também são esperados efeitos negativos significativos nos vertebrados, especialmente em espécies especialistas, que dependem de condições ecológicas particulares, e de espécies endémicas, com áreas de distribuição mais limitadas.
“A perda de algumas espécies poderá levar a desequilíbrios no ciclo de nutrientes e na fertilidade do solo. A redução da diversidade de mamíferos, particularmente, poderá conduzir ao aumento de transmissões virais, elevando o risco de emergência sanitária, tanto em pessoas como na vida selvagem”, avisam os investigadores.
Assim, a sobrevivência das espécies não-humanas do Cerrado dependerá fundamentalmente da sua capacidade para se adaptarem a um bioma cada vez mais árido, alterando os seus traços físicos, comportamentos e fisiologias. Por isso, os cientistas dizem que é essencial conceber e implementar, com urgência, “estratégias eficazes de conservação e de gestão do solo” que permitam antecipar as mudanças previstas, priorizar espécies e habitats vulneráveis e ativar “medidas direcionadas de mitigação e de adaptação para salvaguardar os ecossistemas e a biodiversidade únicos do Cerrado no contexto das alterações climáticas em curso”, argumentam os autores.