Entrevista a representantes do projeto rePlant: Resultados “são promissores e contribuirão de forma muito positiva para a floresta portuguesa”
O repPant é projeto tecnológico que junta empresas, universidades e centros de investigação para a valorização e defesa da floresta. Falámos com Alexandra Marques, da Direção do projeto e representante do ForestWISE e com José Luis Carvalho, co-Lider do rePlant e representante da Navigator, sobre os resultados apresentados recentemente.
“Os resultados deste projeto são promissores e contribuirão de forma muito positiva para a floresta portuguesa, seja em termos de produtividade, resiliência ou conhecimento. Apesar de terminado, o sucesso do rePlant não se esgota nos resultados já alcançados”, disse José Luis Carvalho, co-Lider do rePlant e representante da Navigator, em entrevista à Green Savers.
Para Alexandra Marques, da Direção do projeto e representante do ForestWISE, o balanço “é muito positivo, com oito tecnologias testadas, três novos equipamentos desenvolvidos, 10 pilotos de testes, dois sistemas de apoio à decisão, 9 manuais técnicos para melhoria da gestão florestal e, entre outros, 8 ações de demonstração”.
– Como surgiu este projeto e qual o seu objetivo?
Alexandra Marques: O rePLANT foi lançado em 2020 e é o primeiro projeto de dimensão colaborativa para a nossa floresta. Foi liderado pelo CoLAB ForestWISE e pela The Navigator Company e contou com o forte envolvimento e empenho dos vários parceiros empresariais e académicos, contando ainda com o empenho de mais de 20 empresas, universidades e centros de investigação e inovação.
O projeto permitiu desenvolver novas perspetivas para cuidar dos nossos espaços florestais, protegê-los e torná-los numa fonte de riqueza para as pessoas, as comunidades e o país.
– Recentemente, o rePLANT apresentou o trabalho desenvolvido ao longo de três anos. Que balanço faz do projeto?
AM: Os resultados do projeto foram apresentados no dia 1 de junho e o balanço é muito positivo, com oito tecnologias testadas, três novos equipamentos desenvolvidos, 10 pilotos de testes, dois sistemas de apoio à decisão, 9 manuais técnicos para melhoria da gestão florestal e, entre outros, 8 ações de demonstração. São números que mostram a qualidade da investigação e desenvolvimento tecnológico do projeto.
Numa altura em que é urgente encontrar modelos de desenvolvimento sustentável, o rePLANT, enquanto projeto mobilizador, corporiza um esforço sem precedentes para levar para o terreno as iniciativas prioritárias das empresas líder do sector florestal e energético, em colaboração com a academia, e fomentando novas empresas de base tecnológica com ofertas específicas para a floresta e o fogo em Portugal.
– O rePlant envolveu um investimento de 5,6 milhões de euros a apoiar a investigação e inovações nesta área. Como é que foi financiado e que inovações são essas?
AM: Foi apoiado em 3,3 milhões de euros pelo Compete/Portugal 2020, através do Programa Operacional Competitividade e Inovação (POCI) e o Programa Operacional Lisboa 2020. Os restantes 2,3 milhões foram assumidos pelos parceiros do projeto.
O sucesso inicial da iniciativa estimulou novas parcerias em áreas tecnológicas diferentes, em outros setores de mercado e em todo o território. Estamos a desenvolver esforços para que essa tecnologia continue a desenvolver-se e chegue aos seus utilizadores finais, no pós-projeto.
O Projeto Mobilizador rePLANT acabou por ser uma referência, contribuindo para manter a incontornável relevância da floresta numa agenda estratégica nacional.
– Quais as principais inovações que resultaram deste projeto colaborativo liderado pelo CoLAB ForestWISE e pela The Navigator Company?
José Luís Carvalho: O trabalho conduziu ao desenvolvimento de novos produtos, processos e serviços, em grande parte suportados em tecnologias digitais, que valorizam a floresta e contribuem para a redução do risco de incêndio. Estamos a demonstrar que é possível desafiar a ameaça crescente dos riscos florestais com conhecimento partilhado, criação de ferramentas e novas abordagens utilizáveis no terreno por pessoas, comunidades e empresas, tendo como pano de fundo a sustentabilidade.
– Pode dar-nos alguns exemplos concretos das mais-valias das inovações que resultaram do projeto?
JLC: Sim, existem vários exemplos. Foram desenvolvidas ferramentas digitais para monitorizar e melhorar o planeamento e a tomada de decisão. Estamos a falar, entre outros, da utilização de sensores “inteligentes” em alfaias de preparação de terreno, robótica nas operações de limpeza florestal, novas aplicações para medir volumes das árvores a partir do terreno com um telemóvel, monitorização da floresta através de câmaras óticas para detetar precocemente incêndios florestais e, ainda, novos sensores digitais e processos para a comunicação de dados em máquinas florestais.
Entre outros exemplos, foram também desenvolvidos novos modelos que permitem estimar e monitorizar as quantidades de biomassa/matos com recursos a imagens de satélite, bem como as prioridades de intervenção. Esta é uma ação de elevada importância, tendo em conta que este é um fator importante na origem de incêndios. De salientar também que foram integrados dados LIDAR para o cálculo das alturas do arvoredo, com interesse, por exemplo, na proximidade de redes de infraestruturas elétricas. Foram ainda aplicadas metodologias que ajudam a explicar os riscos associados às queimas, uma prática culturalmente difundida entre a população, mas que tem sido frequentemente associada a incêndios rurais e impactos ecológicos e socioeconómicos. O objetivo é que do projeto resulte a construção de um plano de comunicação de risco eficaz, que envolva a disseminação de novos comportamentos e práticas que mitiguem os riscos associados ao uso do fogo.
De referir, igualmente, que foi concebido um modelo de comportamento de fogo, associado a um sistema de decisão e sustentado em imagens de câmaras óticas instaladas em postes de alta-tensão. Este sistema permite dar informação útil não só das ignições como do desenvolvimento do fogo com variáveis de clima recolhidas em tempo real, melhorando a capacidade de posicionamento das equipas de combate e de assistência.
Estes são alguns exemplos que mostram a importância do projeto para a valorização da nossa floresta.
– O rePLANT é visto como o primeiro grande projeto de dimensão colaborativa para a nossa floresta. É para continuar?
AM: Os resultados deste projeto são promissores e contribuirão de forma muito positiva para a floresta portuguesa, seja em termos de produtividade, resiliência ou conhecimento. Apesar de terminado, o sucesso do rePlant não se esgota nos resultados já alcançados. O efeito colaborativo do projeto será estendido para dar continuidade às soluções integradas e inovadoras obtidas e propor novas áreas de trabalho conjunto. Este projeto mobilizador rasgou terreno e permitiu ao setor avançar para o maior desafio de sempre da floresta portuguesa: a agenda Transform.
O projeto TransForm é uma agenda criada no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que conta com 56 parceiros e 28 projetos que serão desenvolvidos nos próximos 3 anos.
– O José referiu, e cito, “sem ilusões, o rePLANT é ainda um pequeno passo para o setor”. Que mais passos precisa o setor de dar?
JLC: Estivemos demasiados anos a construir conhecimento sem capacidade de partilha ou de integração nos processos. Já não é tempo de debates, é o tempo de construir soluções e testá-las no território e nas cadeias económicas florestais.
Em Portugal, a floresta faz parte da vida das pessoas. Há mais de 400 mil proprietários e todos os portugueses beneficiam da proximidade dos espaços florestais. A nossa floresta tem um papel relevante na contribuição para a descarbonização com produtos renováveis e na preservação de bens e serviços do ecossistema. Por isso, a “aldeia comum” conseguida com o rePlant tem de continuar a ampliar e a ter impacto, dando passos para que as decisões políticas e empresariais sejam sustentadas e informadas.
– A estratégia é “prevenir para não ter de remediar”, disse Marcelo Rebelo de Sousa em 2021. Acha que o Estado tem feito o suficiente em termos de estratégia de prevenção e combate aos incêndios?
AM: Se os proprietários tirarem rendimento da floresta, vão geri-la e cuidar dela. Esta é, sem dúvida, uma das melhores estratégias de prevenção e combate aos incêndios. A floresta é a nossa maior fonte de recursos biológicos não alimentares, pelo que detém uma importância estratégica na transição para uma bioeconomia sustentável.
– Numa altura em que muito se fala de sustentabilidade, como podemos ter florestas mais sustentáveis?
JLC: O próprio conceito de sustentabilidade nasceu na floresta no século XIX e, mais tarde, foi alargado a outras áreas de intervenção. É um setor que, incluindo os proprietários, as empresas de serviços e exploração florestal, as indústrias florestais, nomeadamente o sector da pasta e papel, cria riqueza para o país, pela exportação de bens transacionáveis, bem como pelo papel como agente dinamizador de zonas desfavorecidas e pela criação de emprego: 100 mil empregos e mais de 19 mil empresas. Esse é um dos pilares fundamentais da sustentabilidade, o pilar sócio-económico.
A vertente da proteção dos restantes valores do ecossistema e da biodiversidade, que contribuem para a sustentabilidade da vida e dos territórios, é o objetivo de todos estes agentes, pois, sem isso, não conseguiriam manter e melhorar a vertente económica. É por isso uma “face da mesma moeda”, sobre a qual hoje se impõem novas respostas face às mudanças demográficas, climáticas e de padrões de vida. Será preciso usar mais “inteligência”, maior qualificação das pessoas, mais eficiência, e garantir segurança nas operações e nos territórios. Isso faz-se com modelos de cooperação entre as empresas, a comunidade científica, sendo o ForestWise um excelente exemplo, e as comunidades locais.
O modelo de negócio da The Navigator Company é um bom exemplo: desenvolve-se com base numa matéria-prima de excelência – o Eucalyptus globulus – que permitiu construir uma estratégia de diferenciação baseada em produtos de elevada qualidade que são hoje uma referência internacional neste setor. Tudo isto a partir do investimento em floresta com gestão florestal sustentável, certificada por organismos internacionais, e assente numa cadeia de fornecedores maioritariamente nacionais de mais de 7 mil empresas.
– São muitos os bens e serviços que as florestas nos dão. A bioeconomia de base florestal é vista como uma das áreas de futuro. Que produtos inovadores podem vir das nossas florestas?
JLC: Com capacidade de inovação e de industrialização do conhecimento, dir-se-ia que o potencial é enorme, entrando nos setores alimentar, saúde, cultura e artes, automóvel, têxtil, entre muitos outros. Na Navigator tem-se vindo a demonstrar que o futuro já está a acontecer, mostrando que o processo tradicional de produção de pasta de celulose tem um elevado potencial para gerar outros fluxos valiosos que podem ser utilizados para novos produtos de valor acrescentado.
O eucalipto tem possibilitado, por exemplo, o desenvolvimento de novos bioprodutos, como biocompósitos à base de celulose e bioplásticos, com potencial de utilização em indústrias tão diversas como a injeção e moldagem de plásticos, filamentos para impressão 3D e indústria têxtil.
Os processos e produtos desenvolvidos pela Navigator, através do Instituto RAIZ, e com a colaboração de diversas entidades parceiras, estão a viabilizar novas aplicações da celulose de eucalipto, como ficou patente no projeto inpactus. Desse projeto surgiu a possibilidade para a nova gama de papéis para embalagem gKRAFT, oferecendo uma alternativa aos produtos de origem fóssil, como o plástico. Com base em componentes do eucalipto – das folhas às raízes – é possível extrair componentes tão díspares que podem ir de um combustível de bioetanol para a aviação à produção de fitoquímicos com utilização no combate à doença de Alzheimer. É essa capacidade de continuar a transformar uma matéria-prima nacional que temos de ter para nos mantermos na linha da frente da sustentabilidade e na melhoria da qualidade de vida. A virtude deste caminho está no facto de, ao utilizarmos estas árvores de crescimento rápido, aliviamos a pressão sobre outras florestas de crescimento lento e com outras funções ambientais, quer em Portugal quer noutras partes do mundo; é ser global, mas atuar localmente.