Minifloresta da Ciências ULisboa: “Após 3 anos, temos uma sobrevivência das espécies originalmente plantadas de cerca de 70%”
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A FCULresta foi a primeira minifloresta urbana em Portugal onde o método Miyawaki foi aplicado e resulta da transformação de um relvado de cerca de 300 m2 na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) em plena pandemia COVID.
Recentemente foi selecionada e destacada como um dos projetos com maior impacto do programa “Development Education and Awareness Raising (DEAR)”, financiado pela União Europeia, porque, “além de ser um caso inovador em Portugal e das primeiras na região do Mediterrâneo em ambiente urbano, onde assistimos a uma crescente escassez de água e maior penetração de espécies exóticas, permitiu recordar às pessoas o potencial que a Natureza tem de se regenerar, caso o ser humano o permita e seja um agente ativo, mesmo dentro de locais tão densamente povoados com são as cidades”, explicam António Alexandre e David Avelar, em entrevista em Green Savers.
– As miniflorestas urbanas têm como base o método Miyawaki, criado pelo professor e botânico japonês Akira Miyawaki (1928-2021). Que método é esse e qual o seu objetivo?
O método de Miyawaki aplicado em contexto urbano pretende criar pequenas florestas de espécies nativas (miniflorestas) com um intenso envolvimento da comunidade. Distingue-se de outros métodos porque, ao respeitar os padrões naturais como a plantação de espécies nativas de forma muito densa, acelera o seu desenvolvimento (a sucessão ecológica) quando comparado com métodos de plantação mais tradicionais. Uma vez que promove a biodiversidade local, que é escassa nas cidades, e o uso consciente dos recursos locais, que abunda nas cidades, é uma ferramenta com fins múltiplos como a ação climática, a conexão das pessoas com a restante natureza e promoção da educação ambiental. O método propõe diferentes fases que tentámos estruturar no Guia das MiniFlorestas para MegaAprendizagens, sendo de destacar a melhoria do solo com composto urbano, a integração dos estratos de uma floresta no processo de planeamento, a utilização de espécies nativas adaptadas ao local, a plantação ultra densa e biodiversa e o envolvimento comunitário.
– O que é a “FCULresta” e como é que surge?
A FCULresta é, do nosso conhecimento, a primeira minifloresta urbana em Portugal onde o método Miyawaki foi aplicado, que resulta da transformação de um relvado de cerca de 300 m2 na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) em plena pandemia COVID, quando estávamos todos fechados em casa em Março de 2021. O objetivo da FCULresta foi testar a viabilidade desta metodologia em clima mediterrânico, onde existe muita pouca informação científica, ao contrário de outras regiões com climas distintos onde o método foi amplamente utilizado. Esta surge através de um conjunto de ações promovidas pela ONGD VIDA em colaboração com a FCUL e o seu Laboratório Vivo para a Sustentabilidade e outras 25 instituições europeias através do projeto europeu 1Planet4All – Empowering youth, living EU values, tackling climate change. Desde então tem servido de inspiração para a criação de muitas outros espaços semelhantes por todo o país uma vez que já tem mais de 3 anos e, sobretudo, muitas aprendizagens. Um dos primeiros passos que demos, foi a inventariação das espécies autóctones adequadas aos diferentes climas de Portugal continental.
“A FCULresta é, do nosso conhecimento, a primeira minifloresta urbana em Portugal onde o método Miyawaki foi aplicado, que resulta da transformação de um relvado de cerca de 300 m2 na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) em plena pandemia COVID, quando estávamos todos fechados em casa em março de 2021”
– A FCULresta tem, como referiram, origem no projeto europeu 1Planet4All – Empowering youth, living EU values, tackling climate change. Que projeto é esse?
O projecto europeu 1Planet4All resultou de uma aliança de 14 organizações não-governamentais de 12 países europeus que trabalham em alguns dos países mais frágeis do mundo afetados pelas alterações climáticas e que pretendeu aproximar as realidades do Norte e do Sul Global com base na premissa de que as Alterações Climáticas são uma causa comum. Como tal foram desenvolvidas diversas ações concretas com jovens até aos 35 anos por toda a Europa – em Portugal lideradas pela ONGD VIDA – sendo a FCULresta uma dessas ações. Foi ainda criado um Programa de Capacitação e Ação Climática 1Planet4All de acesso livre.
– Quanto tempo é que a “FCULresta” demorou a ser criada e quais as maiores dificuldades sentidas?
Desde a ideia à sua concretização investimos o mesmo tempo que uma mãe investe na gestação de um bebé, ou seja, nove meses. Desses, os primeiros sete meses focaram-se no processo de cocriação do espaço e de criação da rede – a comunidade e suas diferentes parcerias – que agora suporta o projecto de uma forma “invisível”, mas fundamental para o seu sucesso e sustentabilidade. Digamos que esta rede de pessoas e entidades está para a FCULresta como a rede de fungos e raízes (micorrizas) estão para uma floresta, não se vêm, mas são essenciais.
Os dois meses que antecederam à plantação serviram para reunir recursos, preparar o terreno e preparar as ações de plantação, que dado terem sido durante a pandemia da COVID, necessitaram de uma logística mais complexa. Na verdade, este terá sido o maior desafio durante a sua concretização e ponderamos inclusive cancelar, mas decidimos em conjunto que era possível cuidar da saúde do Planeta sem descurar a saúde Humana. O que era para ter sido concretizado por 300 pessoas num único dia, foi feito por mais de 150 pessoas distribuídas ao longo de uma semana de trabalhos o que mostrou assim ser possível fazer algo com um impacto enorme sob tantas restrições.
– O que é que a fez ser selecionada e destacada como um dos projetos com maior impacto do programa “Development Education and Awareness Raising (DEAR)”, financiado pela União Europeia?
A FCULresta, além de ser um caso inovador em Portugal e das primeiras na região do Mediterrâneo em ambiente urbano, onde assistimos a uma crescente escassez de água e maior penetração de espécies exóticas, permitiu recordar às pessoas o potencial que a Natureza tem de se regenerar, caso o ser humano o permita e seja um agente ativo, mesmo dentro de locais tão densamente povoados com são as cidades. A Comissão Europeia decidiu por isso destacar a FCULresta dentro dos projetos financiados por aquele programa, chamando-lhe “Novas Florestas da Cidade” na categoria “instituições que trabalham a sustentabilidade”, devido ao seu impacto e potencial de inspiração e de replicabilidade por todas as cidades europeias.
“As miniflorestas têm bastantes benefícios ao utilizarem espécies nativas mais adaptadas ao clima da região, nomeadamente aos ciclos hidrológicos em particular os eventos extremos que estão a ser amplificados com as Alterações Climáticas”
O que era antes um relvado de 300 m2 com 10 plantas, regado constantemente para manter o seu verde tradicional e de elevada manutenção e custos para a instituição, hoje conta com mais de 660 plantas de pelo menos 40 espécies diferentes, que já não é regado, criando um pequeno oásis natural já autossustentado. Este espaço produz agora uma série de serviços de ecossistema gratuitos que vão desde a regulação da ilha de calor no verão à atenuação das cheias através da captação e infiltração das chuvadas de inverno, até aos serviços chamados “culturais” como a criação de um espaço de conexão e contemplação da natureza, ou mesmo um espaço de demonstração. Neste último caso, temos acompanhado os indicadores de número de visitas e vemos que passados 3 anos já conta com mais de 100.000 visitantes, ou seja, o que era antes um espaço pouco utilizado no campus é hoje um projeto que tem vindo a servir de inspiração à criação de ONGs e outros projetos semelhantes em Portugal com o objetivo de replicar o caso de estudo da FCULresta e do seu sucesso.
– Qual o papel das miniflorestas urbanas na adaptação às alterações climáticas?
As miniflorestas têm bastantes benefícios ao utilizarem espécies nativas mais adaptadas ao clima da região, nomeadamente aos ciclos hidrológicos em particular os eventos extremos que estão a ser amplificados com as Alterações Climáticas – como é o caso dos períodos de seca ou regimes de precipitação intensa, conseguem criar massas verdes mais independentes da nossa intervenção e por isso, mais resiliente e adaptadas a um clima em mudança. Isto, porque estes ecossistemas produzem serviços que beneficiam as comunidades locais, como por exemplo, através do aumento da área sombreada e do aumento da humidade relativa do ar devido à evapotranspiração das plantas, o que atraí a biodiversidade, incluídos humanos, dado que diminui e atenua a temperatura do local, sobretudo no verão. Por outro lado, no inverno, estos locais absorvem e promovem a infiltração da água da chuva, desacelerando a escorrência superficial, diminuindo assim os impactos derivados das cheias nas zonas baixas da cidade.
No entanto, apenas uma minifloresta na cidade – tal como apenas uma horta ou um charco – não tem um contributo muito significativo para a adaptação das alterações climáticas na cidade. Por isso, a FCULresta faz parte de uma Rede de Miniflorestas na cidade, potencialmente interligadas, que assim conseguirão ter um papel relevante na adaptação às Alterações Climáticas.
– E qual o seu contributo a nível social?
As miniflorestas, na sua concepção e manutenção – realizada até 3 anos após a sua concepção – servem como excelentes laboratórios vivos utilizados pelas comunidades envolventes ao espaço. O método pressupõe grande envolvimento social desde a fase de cocriação, onde várias pessoas com diferentes ideias têm de convergir para uma derradeira ideia final, à fase de plantação e transformação do espaço que é um momento de empoderamento e união da comunidade, seguindo-se da fase de manutenção com os encontros semanais ou mensais de partilha.
Por outro lado, quando surgem estes espaços naturais de acesso livre que escasseiam nas cidades, estes são utilizados pelas pessoas como locais de contemplação e conexão com a Natureza, cujos benefícios têm sido provado serem fundamentais para, não só a saúde humana, mas também para a saúde das miniflorestas. Isto para não referir os contributos indiretos, como o facto de serem catalisadores de “encontros improváveis” que originam outros projetos com o propósito de contribuírem para o bem comum, nomeadamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
– Há também um potencial educacional?
A nosso entender as miniflorestas atingem o seu maior potencial nos recintos escolares por esse mesmo motivo. Não só porque, durante o seu design, podem ser criadas de forma a integrarem salas de aula no seu interior para promover aprendizagens formais e não formais fora da sala de aula, mas também pela conexão com a Natureza que promovem, pois as crianças conseguirão experiências e medir, num curtos espaços de tempo, o crescimento das suas plantas e o legado que são capazes de deixar para o futuro. Existem várias vertentes que podem ser exploradas, desde a matemática à arte, como foi o caso do mural da FCULresta que criámos. Temos testemunhado o potencial educacional das miniflorestas como objeto de estudo, sobretudo das ciências naturais, e também o potencial disruptivo de quem passa pelo processo e sente que pode dar um contributo real para a sustentabilidade…. Mundial.
– Representa um grande investimento?
A nível de recursos materiais as minifloresas representam um investimento muito baixo. Composto derivado de resíduos orgânicos urbanos, plantas nativas e cobertura para o solo, são tipicamente recursos fáceis de obter a baixo custo através do estabelecimento de parcerias com as câmaras municipais e outras entidades, desde que realizadas com alguma antecedência. O maior investimento é sem dúvida na componente social através da contratação de Recursos Humanos (ou melhor, Seres Humanos), onde se investem centenas senão milhares de horas com a comunidade para facilitar a criação e o sentimento de apropriação das pessoas pelo espaço. No entanto, do que observámos até agora, quanto maior for este investimento, maior o potencial de retorno dado que serão mais os “frutos” possíveis de se colher nas miniflorestas e o garante da sua continuidade a longo prazo.
– O contributo das autarquias, empresas, entidades públicas e escolas é fundamental?
Quanto mais forem os elementos envolvidos na rede de apoio à criação de uma minifloresta – ou em qualquer projecto na verdade – maior será o seu sucesso. Estes espaços são um excelente caso “win-win” para todas as partes. Por um lado, a comunidade e as escolas ganham com a criação de espaços naturais biodiversos com uma elevada capacidade agregadora de conhecimento e partilha. Por outro, as empresas, entidades públicas e autarquias conseguem contribuir e apoiar aquelas que são necessidades e vontades das comunidades – mais espaços verdes paras as pessoas e geridos pelas pessoas. Digamos que vemos o mesmo padrão natural nos dois níveis, quanto mais e diversas as espécies e mais relações de simbiose mutualista a minifloresta conseguir integrar, melhor a sua resiliência, tal como quanto mais e diversas entidades integrarem e cooperarem na criação de uma minifloresta, maior será a resiliência do projeto.
– António Alexandre, é um dos grandes dinamizadores desta e de outras miniflorestas urbanas, uma minifloresta pode nascer em qualquer lugar?
As miniflorestas, como conceito base, podem nascer em qualquer lugar. Tal como esta metodologia se inspira na Natureza – como outras como a Permacultura, que aplicamos na FCUL através da HortaFCUL – estes ensinamentos podem ser aplicados em espaços de qualquer dimensão (embora não aconselhemos áreas menores que 200 m2, de forma a promover alguma capacidade de refúgio das espécies mais sensíveis que queremos que ai habitem atenuando o efeito de borda que rodeia o espaço). A prova disso é o movimento crescente e contagiante que estamos a assistir pela uma Rede de Miniflorestas em Portugal.
– A FCULresta existe há mais de dois anos. Já apresenta resultados?
Tentamos partilhar com a comunidade as nossas aprendizagens, fazendo pontos de situação desde o 1º ano. Com o seu terceiro aniversário concluído há pouco tempo, estamos a trabalhar em publicações que recolham evidências científicas que mostrem o quão saudável a floresta se encontra. Sem entrar em muitos detalhes, após 3 anos, temos uma sobrevivência das espécies originalmente plantadas de cerca de 70%, o que é extraordinário visto que no segundo ano apenas regamos três vezes durante o verão e desde então nunca mais. Mas além das cerca de 600 plantas plantadas em março de 2021, muitas mais têm aparecido, entretanto, fruto dos animais que trazem sementes e de muita regeneração natural que vai acontecendo no espaço – sementes essas das plantas de 2021 que já conseguiram completar o seu ciclo de vida. Sabemos também que milhares de pessoas já visitaram o espaço – um local que antes tinha pouca ou nenhuma interação. Sabemos ainda que tem servido de atração de biodiversidade de fauna e flora através da monitorização de plataformas como o INaturalist, onde a comunidade tem registado diferentes espécies no local. Temos também alguns alunos de mestrado e doutoramento a trabalhar sobre o espaço por isso em breve teremos muita informação para partilhar. Por enquanto nada melhor que visitar o espaço e ver os resultados de forma empírica e experiencial. Estão todos convidados!
*Entrevista originalmente publicada na edição em papel de junho de 2024