Pequenos mas essenciais: Sem proteger os microrganismos não podemos preservar e restaurar os solos
Um dos pilares centrais do acordo global para a biodiversidade alcançado na última COP15, no Canadá, é o restauro de, pelo menos, 30% de ecossistemas terrestres degradados, direta ou indiretamente, pela ação humana. E para recuperar essas áreas não basta olhar apenas para o que está à superfície, mas é preciso também ir mais fundo. Literalmente.
Num artigo publicado na ‘Nature’, investigadores da Suíça, da República Checa e dos Países Baixos destacam que os microrganismos que vivem nos solos são indispensáveis para proteger e restaurar as paisagens em terra e a sua utilização pode aumentar o crescimento das plantas em 64%. Numa das experiências, perceberam que esse potencial de produção de biomassa vegetal chegou mesmo aos 700%.
O estudo revela que os microrganismos podem desempenhar um papel crucial especialmente em paisagens intervencionadas, como áreas dedicadas à agricultura ou à silvicultura, por exemplo, que cobrem perto de metade de toda a superfície terrestre com vegetação a nível global.
Os especialistas acreditam que a incorporação nos solos de comunidades saudáveis e diversas de microrganismos nativos deverá ser um elemento central das práticas agrícolas e silvícolas, pois aumentará a biodiversidade dos solos, e isso potenciará o crescimento da vegetação e aumentará o potencial de produção.
“As comunidades do subsolo representam uma oportunidade incrível para aumentarmos a biodiversidade ao mesmo tempo que promovemos, à superfície, a saúde das plantas quer em paisagens naturais, quer em paisagens intervencionadas”, explica Thomas Crowther, do ETH Zürich e um dos autores do artigo.
Assim, essas ‘injeções microbianas’ na terra ajudarão a combater a desertificação dos solos e a assegurar o seu bom estado e resiliência. No entanto, é preciso não repetir os erros do passado e não recorrer a somente uma ou duas espécies de microrganismos ou a espécies que não sejas nativas da região, porque tal poderá ser mais prejudicial do que benéfico, afetando negativamente a biodiversidade dos solos e a saúde dos ecossistemas.
Já é praticamente ponto assente no seio da comunidade científica mundial que estamos perante uma sexta extinção em massa, com perdas de espécies, diversidade genética e ecossistemas a um nível sem precedentes à escala humana, sobretudo devido à forma como o Homem se relaciona com a natureza e explora os seus recursos, que, afinal de contas, são finitos. E os microrganismos não escapam a essa vaga devastadora.
“Estudos recentes mostram que as mudanças globais estão a degradar rapidamente a biodiversidade microbiana, sugerindo claramente que a dimensão da crise da biodiversidade é muito maior do que se pensava”, avisa Colin Averill, o principal autor do artigo.
Por isso, a perda de espécies de microrganismos afetará a estabilidade dos ecossistemas e poderá colocar em xeque a segurança alimentar humana, pois a agricultura continua a ser a principal fonte de produção de alimentos a nível mundial. Sem microrganismos, e com a intensificação das ameaças das alterações climáticas, os solos poderão colapsar, desenhando um futuro incerto para a população humana.
“Proteger e restaurar o microbioma do subsolo é essencial para proteger toda a biodiversidade da Terra”, afiança Averill. Assim, o uso do solo pelos humanos deve ter como aliados fundamentais os seres microscópicos que, apesar de poderem ser muitas vezes ignorados, são indispensáveis para todas as formas de vida no planeta.
A proteção da biodiversidade dos solos está também intimamente ligada à forma como os usamos. Num outro estudo, Victoria Burton, Imperial College, em Londres, diz que o solo “é vital para as teias alimentares terrestres em todo o mundo” e que é preciso proteger também o que está além da superfície.
“Se medirmos apenas como animais como os pássaros e as borboletas respondem às alterações [do solo], podemos estar a implementar medidas de restauro que não ajudam – ou até prejudicam – as espécies do solo”, alertava a especialista, apontando que “para restauramos os ecossistemas, temos de adotar uma visão mais abrangente”, tanto acima como abaixo do solo.
As Nações Unidas estimam que a população mundial, que atualmente já supera os 8 mil milhões, poderá chegar aos 9,7 mil milhões em 2050 e aos 10,4 mil milhões até ao final do século, pelo transformar a forma como olhamos para o solo, como o usamos e como nos relacionamos com ele será crucial para assegurar fontes de alimentos e a sobrevivência e saúde dos ecossistemas.