Refabricação – o elemento que falta na reciclagem
por Gema Escudero Samaniego, Head of Sustainability for Southern Europe da Canon
De uma forma ou de outra, todos deveríamos estar a fazer mudanças significativas no nosso estilo de vida para reduzirmos o nosso impacto ambiental. Os produtos que utilizamos, o modo como viajamos e até o que comemos são decisões que precisam de ser tomadas com a sustentabilidade em mente – e ainda que todos devamos fazer a nossa parte de forma individual, é claro que a mudança precisa de ser, em grande parte, impulsionada pelos governos e pelas empresas.
Graças ao Green Deal, assinado em 2019, os estados-nação individuais e as empresas que operam neles são agora obrigados a intensificar a luta contra as alterações climáticas, bem como a cumprir a promessa da UE de se tornar no primeiro continente neutro em carbono até 2050. Contudo, do ponto de vista das empresas, há diversas formas e novas abordagens que podem ser aplicadas para trabalhar em direção a este objetivo. Naturalmente, o setor em que uma empresa opera também contribui para determinar as áreas de investimento, investigação e inovação em que se deverá focar para reduzir as suas emissões de carbono e contribuir para a construção de uma sociedade neutra em termos climáticos.
Uma das abordagens mais simples foi definida pela frase “reduzir, reutilizar, reciclar” – que, em teoria, é facilmente aplicada tanto aos hábitos dos consumidores quanto às operações de negócios. Reduzamos as ações que impactam negativamente o meio ambiente, se pudermos. Se não pudermos, vejamos como podemos reutilizar produtos ou materiais. E, em todo o processo, reciclemos o máximo que pudermos para garantir que nada é desperdiçado.
Neste sentido, muitas empresas e pessoas estão a fazer um esforço ativo para reduzir o seu impacto ambiental, alinhando-se particularmente com o conceito de economia circular, que de certa forma formaliza esta hierarquia de “reduzir, reutilizar, reciclar”. Contudo, embora as estimativas afirmem que a adoção em larga escala de práticas de economia circular na Europa poderia reduzir pela metade as emissões de CO2 até 2030, não importa o quanto tentemos reduzir o nosso impacto no meio ambiente ou reutilizar materiais – os consumidores vão sempre procurar produtos novos e de alta qualidade.
Por outro lado, importa ressalvar que a reciclagem pode, efetivamente, ajudar a garantir que os materiais de produtos antigos são reutilizados sempre que possível, mas para tal é necessário investir muito tempo, dinheiro e energia. Este é um desafio que se sente particularmente na indústria da tecnologia – a Agência Ambiental Europeia concluiu mesmo que a reciclagem do desperdício eletrónico ainda está muito atrasada em relação à de embalagens e resíduos domésticos.
O elemento que falta nesta cadeia é a remanufatura – um processo que oferece produtos de melhor qualidade do que a revenda ou a simples reparação e que, em muitas situações, é mais eficiente e economicamente viável do que a reciclagem. É uma abordagem que os fabricantes mais inovadores estão a analisar de perto e que, quando escalada, nos pode ajudar a levar a cabo as mudanças necessárias para ajudar o meio ambiente.
O que é a remanufatura?
Comprar artigos em segunda mão é, muitas vezes, uma decisão tomada para se ser mais responsável em termos ambientais. Fica mais barato do que comprar algo novo, é visto como bom para o planeta e, em casos como o das roupas vintage, pode ser também uma escolha cultural. No entanto, quando a qualidade é a prioridade numa decisão de compra, a segunda mão pode ser vista como a opção mais “pobre”.
Isto é mais notório quando se trata de tecnologia, onde o desempenho é fundamental. Embora as compras em segunda mão ainda sejam comuns e os produtos recondicionados (dispositivos antigos que foram ligeiramente reparados) ajudem de alguma forma a enfrentar a questão da qualidade, geralmente ainda estamos mais interessados em ter algo novo e brilhante que sabemos que apresentará o desempenho ideal.
É aqui que entra a remanufatura. Em vez de simplesmente fazer a retoma de dispositivos em segunda mão e repará-los para que vivam um pouco mais, trata-se de reconstruir esses dispositivos para funcionarem como produtos novos. A renovação melhora o equipamento, porque se foca no desempenho e em testes exaustivos que garantem que os consumidores recebem um produto que é, essencialmente, novo, em vez de simplesmente se prolongar a vida útil de um já existente.
Embora o processo exato seja diferente em função do tipo de dispositivo, o objetivo é sempre manter o máximo possível do dispositivo antigo, substituindo-se os principais componentes para garantir um alto desempenho. Tal pode envolver manter o corpo de um produto antigo e substituir componentes elétricos, ou retirar partes físicas do dispositivo que se desgastaram com o tempo e precisam de ser substituídas.
Ao manter o máximo possível do dispositivo antigo, a remanufatura oferece um grande benefício em relação à reciclagem, pois reduz a quantidade de tempo e energia gastos na recuperação e no processamento dos materiais que são utilizados para criar novos produtos. Combinando isto com o alto desempenho oferecido, este processo ajuda a satisfazer a procura dos consumidores por tecnologias novas e de qualidade, ao mesmo tempo que limita o impacto no meio ambiente.
Remanufaturar o futuro
Para além dos benefícios ambientais, a remanufatura também apresenta um grande potencial económico. Pode desbloquear novos fluxos de receitas para as empresas, reduzindo os custos associados à aquisição de novas matérias-primas ou à reciclagem de materiais antigos, ao mesmo tempo que atrai consumidores dispostos a pagar por produtos que sejam amigos do ambiente e, ao mesmo tempo, de alta qualidade.
Então, se tal acontece, porque é que a remanufatura não é mais comum? A indústria da impressão, por exemplo, está a liderar este caminho, aplicando o processo de forma frequente a tinteiros e impressoras de escritório – mas a remanufatura em larga escala em todo o setor da tecnologia parece ainda distante.
Há diversas razões pelas quais isto acontece, sendo uma das principais a abordagem que as empresas adotam quanto ao seu design de produto. Embora muitos fabricantes tenham começado a pensar mais sobre como podem tornar os seus produtos mais fáceis de reciclar, a maioria ainda não está a considerar a remanufatura. Esta requer um nível considerável de planeamento e inovação, porque vai além de tornar os produtos apenas recicláveis ou reparáveis – é preciso pensar cuidadosamente que peças devem ser feitas para durar e quais poderão ser substituídas; se a montagem pode ser automatizada; e até mesmo como os produtos podem ser devolvidos para serem renovados. As empresas devem estar dispostas a inovar e investir em novos processos e operações de produção que deem resposta a isto, se quiserem depois colher as recompensas ambientais e económicas deste processo.
Contudo, talvez o maior desafio de todos seja o facto de a remanufatura ser mal compreendida – assumindo que é, sequer, compreendida. Educar os consumidores sobre a diferença entre um dispositivo remanufaturado e um dispositivo recondicionado é o segredo para superar a hesitação em comprar em ‘segunda mão’. Ao mesmo tempo, há uma clara necessidade de mais atenção e incentivo por parte dos governos e dos reguladores para ajudar a tornar a remanufatura numa prática padrão no mercado.
Em suma, este processo é uma das muitas formas através das quais podemos ajudar a construir um futuro melhor para o nosso planeta – contudo, as empresas, governos e consumidores devem estar mais cientes e investir mais para a ajudar a crescer e ter sucesso.