Reportagem: Quando a sustentabilidade chega ao seu prato

No setor da restauração, a sustentabilidade deixou de ser apenas uma opção para passar a ser uma necessidade. Portugal, reconhecido mundialmente pela qualidade da sua gastronomia e hospitalidade, tem agora a oportunidade de se destacar também na sustentabilidade alimentar
No contexto dos Prémios Mesa Marcada 2024, o Studioneves é a cara dos prémios de sustentabilidade, tendo-se associado aos mesmo, por razões muito interligadas com a essência do seu projeto. A criação do próprio prémio vem, aliás, do seguimento da preocupação da empresa em produzir cerâmica com menor pegada ecológica – hoje em dia presente na maioria dos restaurantes com estrela Michelin em Portugal – e com esta distinção poder divulgar esta filosofia e preocupação junto dos profissionais do sector.
No ano passado, o Prémio Especial Studioneves de Sustentabilidade registou um número recorde de inscrições. A consultora Grab a Doughnut (especializada em sustentabilidade), em parceria com a empresa de cerâmica de autor que dá nome ao prémio e o Mesa Marcada, analisou candidaturas nas categorias ‘Ambiente Rural’ e ‘Ambiente Urbano’.
Após um rigoroso processo de avaliação, que incluiu apresentação de provas, entrevistas online e visitas aos finalistas, o restaurante Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, voltou a vencer na categoria ‘meio rural’, enquanto A Cozinha por António Loureiro, em Guimarães, triunfou na categoria ‘meio urbano’.
Studioneves, encontro entre duas paixões: a cerâmica e a gastronomia
Mas como é que surge o Studioneves? Alex Hell, fundador da empresa, conta à Green Savers que nasceu do encontro entre duas paixões: a cerâmica e a gastronomia. “Eu e a Gabi sempre adorámos cozinhar, reunir amigos à volta da mesa e valorizar cada detalhe da experiência — da comida ao prato onde ela é servida. Quando fundámos o Studioneves em 2010, começámos a explorar a cerâmica como expressão artística, mas foi ao percebermos o impacto que uma louça bem pensada podia ter na mesa de um restaurante que tudo fez sentido”, explica.

Alex sublinha que “não foi uma decisão estratégica ou calculada”. Foi um processo “orgânico, cheio de tentativas, erros e descobertas”. O Studioneves “surgiu da vontade de criar peças que tivessem alma, que contassem histórias e que, acima de tudo, fossem feitas com consciência — ambiental, estética e funcional. Queríamos algo durável, bonito e ético. Algo que unisse o toque humano ao mais alto nível de exigência”, revela.
Com o tempo, chefs de renome começaram a notar seu trabalho e, com eles, vieram colaborações que os desafiaram e elevaram. Hoje, “servem” restaurantes em vários países e com dezenas de estrelas Michelin somadas. Mas o que mais os orgulha é saber que cada peça carrega o cuidado de um trabalho feito à mão e o compromisso com um mundo mais sustentável.
O Studioneves “é, no fundo, um reflexo do nosso amor: pela arte, pela natureza, pela gastronomia — e um pelo outro”, remata.
Quanto ao Prémio Especial Studioneves de Sustentabilidade, após um rigoroso processo de avaliação, que incluiu apresentação de provas, entrevistas online e visitas aos finalistas, o restaurante Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, voltou a vencer na categoria ‘meio rural’, enquanto A Cozinha por António Loureiro, em Guimarães, triunfou na categoria ‘meio urbano’.
O Studioneves “é, no fundo, um reflexo do nosso amor: pela arte, pela natureza, pela gastronomia — e um pelo outro”, Alex Hell
Pedro Scaramuzza, da Grab a Doughnut, explica que o processo do Prémio inclui 5 etapas, elaboradas e conduzidas pela Studioneves e pela consultoria especializada em sustentabilidade GAD. “E não seriam possíveis sem o total apoio do Mesa Marcada”, garante.
Segundo o responsável da consultora, os restaurantes vencedores são aqueles que ao longo das fases de avaliação do prémio “apresentam respostas e dados mais consistentes e coerentes”.
Desafios e oportunidades
Mas quais os desafios e as oportunidades de um restaurante em área rural? Alex Hell explica que um restaurante em contexto rural tem como potenciais desafios a “maior dificuldade de recrutamento de mão de obra qualificada, redes logísticas de distribuição e recolha de resíduos não tão eficientes e densas como em meio urbano”.
Já as oportunidades “estão ligadas à maior proximidade aos produtores e à possibilidade em muitos casos de autofornecimento dos produtos usados nesses restaurantes”. Também devido a um maior isolamento “pode haver menor concorrência e um maior acesso a áreas que permitem a implementação de mecanismos de eficiência energética e hídrica (painéis solares, fotovoltaicos, recolha de água da chuva e ou cinzentas…)”, acrescenta.
E quais os enfrentados por um restaurante no centro de uma grande cidade? Nos centros de grandes cidades “começam nos maiores custos operacionais (rendas mais elevadas, salários mais elevados etc..). Maior concorrência devido à densidade de restaurantes nas grandes cidades. Cadeias de abastecimento mais longas e por vezes menos transparentes”, responde o fundador da Studioneves.
As oportunidades que podem surgir em meio urbano “prendem-se com maior acesso a mão de obra qualificada, logística e recolha de resíduos mais eficiente. Potencial de clientes maior e menor impacto na sazonalidade do Turismo”, adianta.
Vencedores do Prémio de Sustentabilidade nas categorias ‘Ambiente Rural’ e ‘Ambiente Urbano’
Falámos com os chefs dos restaurantes vencedores nas categorias ‘Ambiente Rural’ e ‘Ambiente Urbano’ para perceber como é que se promove uma gastronomia sustentável. O chef Carlos Teixeira revela que a gastronomia sustentável no restaurante da Herdade do Esporão é promovida “através de várias práticas alinhadas com a filosofia da herdade, que valoriza a biodiversidade, os produtos locais e a sazonalidade”. Algumas das principais estratégias incluem o uso de ingredientes locais e sazonais, a agricultura regenerativa e biológica, a redução do desperdício alimentar, uma cozinha criativa e sustentável, a eficiência energética e gestão sustentável e vinhos e harmonizações sustentáveis.

O Head Chef do Restaurante da Herdade do Esporão garante que o restaurante “adota diversas práticas que o tornam mais circular e sustentável, baseando-se em princípios como a redução de desperdício, o reaproveitamento de recursos e a valorização da biodiversidade”.
Gastronomia sustentável no restaurante da Herdade do Esporão é promovida “através de várias práticas alinhadas com a filosofia da herdade, que valoriza a biodiversidade, os produtos locais e a sazonalidade”, Chef Carlos Teixeira
Já António Loureiro, proprietário e Chef do Restaurante a Cozinha, conta que, “desde o início da nossa existência, temos bem claro a responsabilidade e o compromisso do conceito Sustentabilidade nas suas diferentes dimensões: ambientais, sociais e económicas”. Em 2015, quando começaram a desenhar o plano de negócios d’a Cozinha, desenvolveram uma estratégia que implementaram desde o primeiro dia de funcionamento e que está expressa no Blog que partilham na expetativa de inspirar outros negócios a terem como pressuposto dos seus negócios, a Sustentabilidade: https://restauranteacozinha.pt/blog
Esta estratégia tem como pilares fundamentais o compromisso e o respeito. “Queríamos que tudo aquilo que fizéssemos tivesse por base a Ética, o respeito pelas pessoas, pelo produto, a proteção do ambiente e a promoção da economia local”, sublinha.
E o que é que torna o seu restaurante mais circular e sustentável? “No nosso caso, são oito anos de dedicação sem perder o foco naquilo que nos define enquanto empresa: a tradição a inovação e a sustentabilidade”, responde. “A nossa política de sustentabilidade tem vários Eixos de atuação como já referimos. Mas, para se saber se estamos mais sustentáveis, é fundamental definir um sistema de monitorização de vários indicadores. Só assim sabemos se estamos no caminho certo. Formar a equipa é fundamental porque é na operação que temos de ter o controlo total. Dentro do nosso sistema de monitorização, temos vários indicadores de performance”, acrescenta.
Um exemplo que promove a circularidade é a utilização de sacos de pano que produzem com têxtil pós-consumo e que são fornecidos aos produtores que fazem as entregas diárias no seu restaurante evitando desta forma que eles tragam sacos plásticos ou outras embalagens.
Quais os maiores desafios sentidos no dia-a-dia para implementar essa sustentabilidade? “Quando se implementa uma prática de cozinha km zero, temos desde logo, de disponibilizar tempo para procurar os produtores e estabelecer as sinergias necessárias que resultem em alguma escala de produção para que possamos depois manter os produtos o máximo de tempo nos nossos menus, durante determinada época”, revela.

Outro desafio, acrescenta, é a necessidade de sensibilização e formação contínua da equipa para que possam seguir continuadamente os seus valores. “No nosso caso, temos um manual de boas-vindas onde é explicado toda o processo de desenvolvimento sustentável implementado desde a abertura. De facto, quando a Sustentabilidade faz parte do DNA da empresa é mais fácil que a equipa adote o sistema de trabalho”, remata.
“Temos um manual de boas-vindas onde é explicado toda o processo de desenvolvimento sustentável implementado desde a abertura. De facto, quando a Sustentabilidade faz parte do DNA da empresa é mais fácil que a equipa adote o sistema de trabalho”, Chef António Loureiro
Já o chef Carlos Teixeira, explica que manter o restaurante da Herdade do Esporão sustentável “exige um equilíbrio entre qualidade, responsabilidade ambiental e viabilidade económica” e que “o compromisso com a inovação e o respeito pela natureza ajudam a superar estes desafios e a garantir uma experiência gastronómica autêntica e responsável”.
Para o profissional de cozinha, a sazonalidade e disponibilidade de ingredientes, a gestão de resíduos e economia circular, a logística sustentável e abastecimento local, a eficiência energética e uso de recursos e o clima e impacto das alterações climáticas são alguns dos desafios.
O caminho da gastronomia sustentável em Portugal
E quais os desafios e oportunidades para Portugal no domínio da gastronomia sustentável? Alex Hell sublinha que a culinária portuguesa “é um património nacional com reconhecimento e que gera bastante interesse internacional”. Por outro lado, acrescenta, “os atuais padrões de consumo com forte influência global, têm influenciado mais contra do que a favor na tradicional e mais natural, cozinha portuguesa. Um dos olhares é o aumento da presença de proteína em cada prato”.
Para Alex, a sustentabilidade “é uma prática que requer inovação, repensar modelos, tentar abordagens de novos ângulos e isso gera um conflito”. Muitas vezes “é possível melhorar o processo sem ter de alterar o produto, como é o caso de uso de embalagens de plástico de uso único, uso de energia renovável, gestão de descartes e etc”.
A sustentabilidade é uma prática que requer inovação, repensar modelos, tentar abordagens de novos ângulos e isso gera um conflito”. Muitas vezes “é possível melhorar o processo sem ter de alterar o produto, como é o caso de uso de embalagens de plástico de uso único, uso de energia renovável, gestão de descartes e etc, Alex
Por outro lado, alerta, “a sustentabilidade por horas entra em conflito com elementos mais relacionados por exemplo a o que esta sendo servido, podendo encontrar resistência tanto de chefes quanto de clientes para modelos onde menus apresentam uma quantidade mais reduzida de proteína animal, ou mesmo substituem peixes clássicos portugueses por conta de critérios socioambientais na escolha de fornecedores e pesca responsável”.
Mas para Alex, “a oportunidade está clara, tanto quando olhamos o crescente número de restaurantes Portugueses comprometidos com a gastronomia de menor impacto, quanto o interesse e aceitação do público, que segue uma tendência global”. Regionalmente, “vemos uma maturidade enorme do setor, compartilhando práticas autóctones e uma maior consciência do valor da cadeia”, conclui.