Mongol Derby: primeiro português a concorrer já está na mais dura corrida do mundo
O Mongol Derby é apelidado como a maior e mais dura corrida de cavalos do mundo. São mil quilómetros que recriam o sistema postal de Genghis Khan, expõem os seus cavaleiros a condições duras e a cavalos semisselvagens.
Manuel Espregueira Mendes é o primeiro português a participar e ainda está a angariar dinheiro por uma boa causa: quer ajudar as vítimas dos incêndios de Pedrogão Grande.
Como surgiu a ideia de participar no Mongol Derby, a maior corrida de cavalos do mundo?
Há muito tempo que tinha vontade de me desafiar física e mentalmente. Sendo um aficionado por desporto, há essa procura de testar limites e tentar ultrapassá-los, que se torna num vício construtivo. No fundo, é um caminho de autoconhecimento e autoaperfeiçoamento: como respondo em situações de limite? Quando o corpo já não quer, conseguirá a cabeça prevalecer e dar a volta à situação? Consigo dar mais do que na melhor experiência que tive anteriormente? E manter-me mais focado? À medida a que estas perguntas vão ganhando respostas, vamos sabendo mais sobre quem somos e do que somos realmente capazes, um redefinir constante de novas situações que nos são confortáveis. E com essa evolução vem o crescimento. Introduzindo com este contexto e a minha paixão pela equitação que me acompanha desde miúdo, é fácil perceber a atração que o Mongol Derby provocou em mim. Deparei-me com a prova e houve uma certeza imediata e vontade profunda de passar por esta experiência incrível. Tive a sorte de contar com o apoio de alguns patrocínios que me ajudaram a realizar este sonho, entre outros que por falta de espaço não poderei referir, o Horto do Campo Grande, a loja Al Equine em Évora e a Celeris, uma marca de botas portuguesa.
Esta aventura dura quantos dias no total? Começa quando?
Temos dez dias para terminar a prova e o vencedor chega geralmente ao sétimo dia. Seguimos dia cinco para a estepe, onde teremos uns dias de treino antes da competição. O tiro de partida soa no dia 8 de agosto, às 10h da manhã.
Pode explicar-nos um pouco sobre a competição e como funciona?
Trata-se da maior e mais dura corrida a cavalo do mundo. É um percurso de mil quilómetros inscrito no livro de recordes do Guiness, que recria o primeiro sistema postal do mundo, montado por Genghis Khan no século XIII. Esta competição é dividida em etapas, trocando os cavaleiros de montada de 40 em 40km, em estações onde podemos dormir, como alternativa a acampar ao relento. Tem a agravante de os cavalos serem semisselvagens, tendo sido muito pouco montados antes do início da competição.
Preparou-se de alguma forma especial para a corrida?
Houve uma grande preparação para a corrida, que começou ainda antes de saber que tinha sido selecionado. Assim que me inscrevi, comecei a treinar a sério no ginásio e a montar diariamente no centro hípico Todos a Galope em Monsanto. Houve meias-maratonas, corridas a cavalo de endurance. Resumindo, muito suor pelo caminho.
Costuma aventurar-se em desafios exigentes? Ou este é o primeiro do género em que decide participar?
Como referi, adoro desporto e já me desafiei várias vezes a vários níveis. Nunca em nada com esta envergadura.
Na sua página de Facebook refere que cada cavaleiro deve angariar 1000 libras para uma causa de beneficência. Por que razão escolheu as vítimas de Pedrogão Grande e a Cool Earth?
Soube desde o princípio que queria apoiar uma causa no meu país, mas antes de saber que tinha sido selecionado, estava inclinado em apoiar outra causa que tem um lugar de destaque no meu coração. No entanto, soube no princípio de outubro que tinha sido selecionado, e dia 15 foi o segundo dia fatídico no mesmo ano no nosso país. A questão da urgência em ajudar estas pessoas a refazerem as suas vidas teve então um grande peso na minha decisão. Além disso, contei com um fenómeno social triste, mas normal – no princípio todos ficamos horrorizados, movemos mundos e fundos. Mas à medida que a vivência do nosso dia-a-dia segue em frente, esquecemos facilmente que, apesar de ter passado quase um ano da catástrofe, há quem se mantenha com a vida penhorada, sem família, casa e local de trabalho. Somos seres de fraca memória.
Quanto à Cool Earth não foi uma escolha minha, é a organização oficial dos The Adventurists, a empresa Inglesa que organiza esta prova. Fico no entanto muito satisfeito que assim o seja. A escala do desflorestamento a que assistimos a nível mundial, juntamente com a poluição, são o primeiro problema que a nossa civilização enfrenta. A continuar ao ritmo a que sucede hoje em dia, não haverá qualquer motivo de preocupação com outras causas num futuro próximo, muito simplesmente porque a insustentabilidade da situação é de tal forma grande e tem um impacto tão forte no ambiente, que não tardaremos a começar a assistir ao princípio da extinção da nossa própria espécie. Evidentemente que não começará pelos países desenvolvidos, onde a evolução permite algum controlo das condições climatéricas (ares condicionados, etc). Desengane-se quem achar que se trata de conversa bacoca, ou de exageros pró-ambiente. O problema é bem real.
E como funciona esta questão da causa exatamente? Como é que as organizações escolhidas recebem o dinheiro?
O total dos lucros será dividido pelas duas organizações. Está a correr um crowdfunding online até meados de outubro, data limite para finalização das campanhas. As pessoas podem contribuir também partilhando este link. A parte da Cool Earth, é diretamente depositada na conta da organização. Quanto à organização escolhida para ajudar as vítimas dos incêndios, ser-lhes-á dado diretamente em mãos e vou publicando todas estas novidades na minha página do Facebook de forma a manter toda a gente informada e o processo o mais transparente possível.
O que acontece se não atingir o montante de 1000 libras? Terá que devolver o dinheiro angariado de alguma forma ou todo o valor angariado será destinada à organização escolhida, mesmo que seja um valor abaixo?
Mesmo que eu não ganhe, não termine, tenha uma convulsão e não compareça, o dinheiro ser-lhes-á sempre dado. Se por um grande infortúnio e falta de contribuições não chegar ao mínimo, o dinheiro angariado será na mesma distribuído pelas organizações.
Existe um órgão que está a centralizar essas doações? Ou seja, como é que as pessoas têm certeza que o valor final angariado é realmente esse (transparência das doações)?
O processo é muito simples, já que o único instrumento de angariação que criei está online e à vista de todos. Só alguns amigos que pediram para contribuir por transferência bancária é que o fizeram, confiam em mim para repor de seguida na conta online.
Conte-nos um pouco sobre o facto de ser o primeiro português a participar nesta corrida.
Ser o primeiro a fazer seja o que for traz consigo um peso acrescido. Está-se a desbravar caminho, está-se a dar a conhecer, não há referências anteriores que nos sejam próximas. Tem muita graça dizer que “vamos fazer” isto ou aquilo, mas até estar feito não há garantias de que vá correr bem, ainda para mais levando às costas a bandeira do meu país, que quero representar com orgulho. Tendo acabado o curso em setembro e começado este caminho em outubro, não dispunha de recursos para participar na prova, pelo que tive de me expor à partida e conseguir patrocínios para realizar este sonho, que em boa verdade deram um voto de confiança a um desconhecido, pela contrapartida da exposição associada a este evento.
Se por um lado quem vier depois de mim terá o caminho facilitado, por outro lado não trocava as dificuldades que tenho passado, os opositores, as negas, o criticismo e a dureza por nada deste mundo. A aventura começou no primeiro dia e foi um ano que me trouxe lições importantíssimas, que me fizeram chegar a este momento, a apenas alguns dias do início da prova, com a sensação de estar mentalmente preparado para o que aí vem. Grandes personalidades formam-se na luta contra as dificuldades da vida, e foi disso mesmo que vim à procura. Ser o primeiro faz com que esteja numa posição de maior vulnerabilidade. Se fosse o quinquagésimo, ninguém ligaria muito ao sucesso ou à derrota neste objetivo – outros já o teriam feito, bem ou mal. Assim sendo, a correr bem será uma vitória maior, mas a correr mal, muitos há capazes de apontar o dedo e dizer “eu bem disse”, como que a validar a desconfiança e falta de positivismo com que me encararam.
Estes pensamentos passam-nos pela cabeça em momentos assim, em que damos a cara para fazer aquilo a que outros não se atreveram. Mas o bom de tudo isso é aprender a não dar o menor valor a essas vozes de críticos de bancada, aprender que as únicas críticas que devem ser ouvidas são as do grupo de pessoas que sabemos que, por gostarem de nós e nos quererem bem, serão sempre construtivas e bem-intencionadas.
Resumindo, ser o primeiro é motivo de grande orgulho, de crescimento maior e de trabalho redobrado.
Conte-nos um pouco sobre os fatores extremos desta competição.
Trata-se de facto de uma prova que impõe alguns riscos. Não se trata de um passeio a cavalo de 1000km. Além da fauna local incluir lobos, cães selvagens (há relatos de cavaleiros a serem perseguidos durante quilómetros a fio, o que exige que estejamos vacinados contra a raiva), existe a questão da meteorologia (que na Mongólia pode variar rapidamente entre um sol abrasador sem sombras e uma tempestade), do cansaço extremo, o desgaste emocional, a doença, problemas com grupos armados de que há também vários relatos tudo o que faz parte de uma situação em que se está exposto, literalmente, ao que der e vier, sem termos quem nos acorra no imediato.
A questão da bagagem é outra das coisas que também dá que pensar e me trouxe alguma evolução. O que é, de facto, essencial? Quanto mais analisamos esta pergunta e reduzimos o equipamento a 5Kg de bagagem, chegamos à conclusão que o verdadeiramente essencial é muito pouco, pelo que 5Kg é, na minha opinião, mais do que suficiente para levarmos o que necessitamos para esta prova. Sem grandes luxos, é certo, mas também sem necessidades de maior.
Está com medo? Mesmo depois de ler o aviso que consta no rodapé do site?
A resposta mais honesta que lhe posso dar, é que não estou com medo, o que não quer dizer que não venha a ter em certos momentos, o que provavelmente virá a acontecer. Espero então fazer-me valer da coragem, que não é a ausência de medo, mas a capacidade de “serrar os dentes” e ainda assim seguir em frente.
Foto: Leonardo Negrão
Veja aqui um vídeo do Mongol Derby de 2017