Coopérnico: investir no Sol para apostar no futuro
Talvez nunca tenha pensado nisso, mas a cada momento que passa a superfície da Terra é banhada com mil Watts de energia limpa por metro quadrado. Esta energia abundante provém da nossa estrela, o Sol, que a produz de forma gratuita e há vários milhares de milhões de anos. Qualquer um de nós pode aproveitá-la com painéis solares, o que tem duas grandes vantagens: a eletricidade é gratuita (ou, pelo menos, será gratuita quando o dinheiro poupado em eletricidade compensar o investimento inicial na compra dos painéis solares) e está a contribuir para um futuro melhor ao investir numa fonte de energia limpa.
Portugal é um dos países na Europa com mais irradiação solar, mas até agora esta fonte energética tem representado muito pouco no total de produção do país. Em outubro deste ano, o relatório da APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis) indicava que a energia solar representava apenas 1,6% do total de energia gerada em Portugal – claramente muito pouco num país com tantas horas de sol por ano.
Se vive num apartamento e não pode instalar painéis solares na sua casa, pode sempre contratar energia limpa a um fornecedor de eletricidade. A Coopérnico é um destes fornecedores, mas não se limita a ser uma empresa energética. É, antes, uma cooperativa de energias renováveis composta por pessoas que se preocupam com questões ambientais. Estivemos à conversa com Nuno Brito, engenheiro do ambiente e Presidente da Direção da Coopérnico para saber mais sobre este projeto.
Começando pelo início, o que é uma cooperativa de energias renováveis?
A Coopérnico, sendo uma cooperativa de energias renováveis, é uma associação de cidadãos que se unem, voluntariamente, para investirem parte das suas poupanças em sistemas de produção de eletricidade de origem renovável através da colaboração com entidades do terceiro sector e sector público, gerando benefícios ambientais, sociais e económicos. A Coopérnico é por isso uma empresa social, sem fins lucrativos, de propriedade comum e democraticamente gerida, que ambiciona a transição para um sistema energético descentralizado, renovável, justo e responsável.
Como é que tudo começou? De onde veio a ideia de criar uma cooperativa deste género?
A Coopérnico surgiu da necessidade sentida por alguns cidadãos de poderem investir as suas poupanças de forma ética e responsável em projetos de energias renováveis. Após a análise de várias possibilidades, o modelo de cooperativa foi o que pareceu mais interessante, pelo que acabou por ser a opção final e assim, no final de 2013, nasceu a Coopérnico pela mão de 16 cidadãos de origens diferentes, mas como uma preocupação em comum: o desenvolvimento sustentável.
Este modelo é também já muito comum em vários países europeus e com ótimos resultados em termos de promover o envolvimento dos cidadãos na construção de um mundo mais sustentável.
E como tem sido a aceitação por parte do mercado?
O crescimento da Coopérnico tem ocorrido de forma orgânica: começou com 16 cidadãos em 2013 e uma central fotovoltaica. Cinco anos depois somos 1188 membros, cerca de metade dos nossos membros já têm o contrato de eletricidade através da cooperativa, e produzimos eletricidade de origem renovável a partir de 18 centrais fotovoltaicas espalhadas por Portugal Continental, que juntas somam mais de 1MW de potência instalada. Esperamos, no futuro, crescer ainda mais e levar a transição energética a mais casas portuguesas.
Existe alguma zona do país onde diriam que há mais interesse em criar parques fotovoltaicos? Ou os vossos projetos estão espalhados equitativamente?
Os nossos projetos estão espalhados de acordo com a existência de organizações/associações da economia social e do setor público que possam e/ou queiram receber um projeto de produção no seu telhado e onde exista viabilidade técnico-económica para o receber.
Existe geração excedente suficiente para todos os que tiverem interesse em contratar a vossa energia limpa? Como garantem que a energia consumida por quem contrata os vossos serviços é renovável?
A eletricidade que chega a nossa casa vem “misturada” entre eletricidade produzida a partir de fontes renováveis e não renováveis. Por isso, o compromisso da Coopérnico é que os nossos projetos de produção de energia solar fotovoltaica produzam tanto ou mais relativamente à energia consumida pelos nossos membros. Nem sempre é um objetivo fácil de manter, mas acreditamos que com o início da atividade da Coopérnico como comercializador independente de eletricidade esta equivalência poderá ser garantida através do complemento de contratos bilaterais estabelecidos com outros produtores de energias renováveis.
Sentem que os portugueses estão mais atentos à origem da energia que têm em casa e que preferem energias renováveis?
Sim, sentimos. Todos os dias recebemos pedidos de informação sobre o nosso modo de funcionamento e muitas vezes apenas sobre o modo de funcionamento do mercado de energia portuguesa e qual o papel das energias renováveis no mesmo.
Outro facto que comprova esse maior interesse é a crescente oferta comercial de planos de energia verde de outros playersdo mercado de energia.
A lei portuguesa é uma ajuda ou um entrave à vossa missão? O que é preciso mudar, caso seja preciso mudar alguma coisa?
Neste momento, em que tentamos ser comercializadores independentes no mercado liberalizado de energia elétrica, a lei portuguesa não nos ajuda, pois quando tínhamos quase todo o valor necessário para ser entregue como garantia aos operadores da rede elétrica, o valor dessas garantias duplicou, atrasando a nossa entrada em mercado. Para além da duplicação do valor, estas garantias não têm em conta a natureza da entidade e o número de clientes que vão abranger. É demasiado cega.
Além disso, a lei portuguesa também não contempla um espaço para as comunidades energéticas – comunidades de cidadãos onde a produção e o consumo é partilhado, onde é possível existir troca e partilha de energia dentro dessa comunidade. À semelhança do que já acontece na Alemanha e na Áustria, por exemplo, também queremos ter a oportunidade de desenvolver um sistema de troca e partilha de energia entre os nossos membros, quer essa partilha ocorra no mesmo espaço físico (por exemplo, num prédio/condomínio), ou através de uma comunidade virtual de compra e venda de energia entre cidadãos que não estão fisicamente próximos.
Temos visto nas notícias que há muitos projetos de energia renovável, especialmente centrais fotovoltaicas, mas não há forma de levar essa energia até casa do consumidor, por falta de linhas da REN. Já sentem esse problema?
Ainda não. Essas notícias referem-se a grandes centrais fotovoltaicas, com potência superior a 1MW, que querem instalar-se em zonas onde existe falta de linhas de transporte. Os nossos projetos têm uma potência inferior a 250kW pelo que não sofremos desse problema. Nós apostamos na produção descentralizada.
Para o consumidor comum, o que vos diferencia de outras ofertas de energia renovável no mercado?
Somos diferentes pois somos uma empresa social e de gestão democrática onde todos os membros têm uma voz e podem tomar decisões em conjunto com os seus pares. O âmbito principal da Coopérnico é o desenvolvimento sustentável através da promoção de uma maior integração de energias renováveis, pelo que na Coopérnico os cidadãos têm a certeza de que a energia verde é, e sempre será, uma prioridade. Representamos também uma oportunidade para investimentos éticos e responsáveis, dando a oportunidade aos cidadãos de com as suas poupanças contribuírem para a construção de um mundo sustentável, ao mesmo tempo que proporcionamos a organizações do terceiro setor a oportunidade de reduzirem os seus custos com a eletricidade. Em suma, na Coopérnico as pessoas são donas da “empresa” onde fazem os seus investimentos e onde podem contratar a sua eletricidade.
E quem tiver interesse em ajudar, como pode fazê-lo sem ser cliente?
Um membro da Coopérnico não tem obrigatoriamente de ser cliente da Coopérnico. Por isso, uma forma de ajudar será tornando-se membro. Outra forma passa pelo dar a conhecer o trabalho da Coopérnico aos seus familiares e amigos e/ou a associações/organizações sem fins lucrativos e que possam ter interesse em colaborar com a Coopérnico nos seus projetos de produção de energia solar fotovoltaica.