Justiça Intergeracional: o que vamos deixar aos nossos filhos e netos?



Por Luís Lobo Xavier 
Diretor do Programa
Gulbenkian Sustentabilidade


Licenciado em Economia e em Direito, respetivamente pelas Faculdades de Economia e de Direito da Universidade Nova de Lisboa. A sua grande aspiração a nível profissional é trabalhar na promoção do Bem Comum
, seja na área do Estado, da Investigação, seja na área Social e de Sustentabilidade das Empresas e Instituições.


“Um jovem de 25 anos que entra hoje no mercado de trabalho contribui com um valor muito mais elevado do que aquele que irá receber quando se reformar.”

Hoje em dia todos falam de sustentabilidade, mas nem sempre temos em mente que falar de desenvolvimento sustentável implica pensar nos compromissos que queremos promover para as gerações futuras.

Neste sentido, e segundo o conceito definido pelas Nações Unidas, o desenvolvimento sustentável deve “responder às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de responder às suas próprias necessidades”.

Isto quer dizer que devemos olhar para o impacto que as decisões que tomamos hoje têm naquilo que deixamos aos nossos filhos e aos nossos netos. Estas decisões estão presentes em temas bem atuais do nosso dia a dia, como as pensões, a divida pública, a pegada ecológica e as eleições.

Vejamos alguns exemplos que mostram os desequilíbrios entre gerações:

Um estudo da Comissão Europeia (Ageing Report 2018) indica que nos próximos 40 anos o valor das pensões cairá para perto de metade, ou seja, se em 2016 um pensionista recebia quase 60% do seu último salário bruto, em 2060 receberá apenas 35%. Deste modo, no sistema atual, um jovem de 25 anos que entra hoje no mercado de trabalho contribui (para os atuais pensionistas) com um valor muito mais elevado do que aquele que irá receber quando se reformar.

Já a dívida pública per capita mais do que duplicou nos últimos dez anos (dados PORDATA). Com a população a diminuir e a dívida a continuar a crescer não é difícil imaginar que a carga irá aumentar para as futuras gerações. Claro que parte desta dívida terá servido também para financiar infraestruturas, educação, cultura, com impactos positivos significativos nas próximas gerações, mas não deixa de ser uma questão preocupante.

Pegada ecológica e Sistema Eleitoral

Relativamente à pegada ecológica, segundo um estudo da Global Footprint Network (um think-tank americano independente na área da sustentabilidade), no dia 16 de junho de 2018 Portugal esgotou os recursos que tem capacidade para produzir e regenerar no período de um ano. O que significa que a partir desse dia estamos a viver “a crédito” das gerações futuras, consumindo recursos que o planeta não tem capacidade para regenerar.

Finalmente, olhemos também para o exemplo do Brexit, onde se verificou uma divisão geracional no sentido de voto. De acordo com estudos feitos na sequência da votação, 66,4% dos Millennials eram favoráveis à permanência na União Europeia. Do lado oposto estavam os Baby-Boomers e as gerações anteriores, que acabaram por influenciar decisivamente o sentido de voto, com apenas 40% favoráveis à permanência. Ou seja, de um lado temos pessoas com mais idade que votaram pela saída da União Europeia, e que em pouco ou nada serão afetadas pelas consequências dessa decisão, ao mesmo tempo que do outro lado temos as gerações mais novas, que mais votaram pela permanência, e que serão os grandes afetados pela saída.

Em conclusão, se olharmos para estes quatro exemplos o panorama não é brilhante.
Claro que estes temas são complexos, e não podemos olhar para eles apenas de uma forma simplista, mas a verdade é que o que todos estes dados nos parecem estar a querer dizer é que os interesses das gerações futuras provavelmente não estarão a ser devidamente acautelados.

Por isso, podemos e devemos questionar-nos sobre que compromissos queremos promover.
Podemos fazê-lo como sociedade, a nível político, integrando as preocupações com as gerações futuras nos processos de tomada de decisão atuais. E podemos fazê-lo a nível individual e de comunidade, através dos nossos comportamentos e das nossas decisões de produção e consumo sustentáveis. Desenvolveremos algumas destas ideias num próximo artigo.

 





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