Cachalotes organizam-se em clãs que partilham a mesma ‘cultura’ e ‘dialeto’, desvendam cientistas



A cultura e as suas dinâmicas têm sido consideradas traços distintivos das sociedades humanas, e apesar da escassez de evidências quantitativas sobre estruturas culturais em animais não-humanos, sabe-se agora que os cachalotes usam marcadores acústicos, como cliques e chamamentos, que definem as suas identidades e o grupo a que pertencem, tal como tatuagens, sotaques ou roupas demarcam os humanos dos restantes membros da sua espécie e permitem distinguir entre membros de diferentes grupos da mesma espécie.

Um estudo publicado na revista ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’ revela, pela primeira vez, que “certos sinais comunicacionais acústicos funcionam como marcadores simbólicos de identidade cultural entre clãs de cachalotes no Oceano Pacífico”.

Reconhecendo que é “um pilar do extraordinário sucesso ecológico dos humanos”, os autores salientam que a cultura “é cada vez mais reconhecida como uma força poderosa que estrutura populações animais não-humanas”.

Através da análise de dados acústicos recolhidos em 23 locais do Pacífico, os cientistas argumentam que “os sinais acústicos de alguns cachalotes exibem padrões espaciais que indicam funções de marcadores simbólicos”, pelo que se podem dizer que os diferentes grupos têm ‘linguagens’ próprias e que se distinguem das usadas por outros coletivos da mesma espécie.

“A cultura segmenta as populações de cachalotes em clãs distintos em termos de comportamento”, explicam, apontando que existem diferentes “dialetos” entre os vários grupos estudados, tendo identificado sinais acústicos que são particulares de um determinado clã e que não são partilhados por mais nenhum.

Os especialistas afirmam que quanto mais afastados estão os clãs uns dos outros, maiores são as diferenças entre os padrões sonoros produzidos, investindo cada um dos grupos de uma “identidade cultural” própria que não é partilhada.

Da mesma maneira que a forma de vestir, de comer e de falar distinguem populações separadas no espaço, e incutem-lhes traços culturais próprios, também os padrões de sinais acústicos produzidos pelos cachalotes demarcam os grupos uns dos outros, criando culturas particulares, que, no entanto, podem partilhar alguns traços, mas não todos, com outros grupos.

A comunicação entre esses mamíferos marinhos é composta por cliques, que os cientistas chamam de ‘codas’, e por chamamentos conhecidos como ‘canções’, cujo significado permanece um mistério para a Ciência, apesar de décadas de investigação.

Os autores do artigo indicam que os ‘codas’ podem variar em termos de ritmo e de número de cliques, criando padrões que se podem entender como dialetos, da mesma forma que, num país, os sotaques variam entre regiões distantes no espaço, apesar de os falantes usarem a mesma base linguística.

Ao emitirem sinais acústicos específicos, os cachalotes proclamam a sua pertença a um ou a outro grupo e, assim, a uma cultura e estabelecem uma identidade.

A investigação permitiu aos cientistas identificarem sete clãs no Pacífico que usam padrões acústicos distintos e que, por isso, definem identidades culturais distintas. Esses grupos podem ser constituídos por milhares de indivíduos, por vezes separados por vários quilómetros entre si, que, emitindo sons que são propagados pelas águas, permitem aos ouvintes saber a que clã pertencem.

O estudo permitiu perceber que as mães e a crias pertencem sempre ao mesmo ‘clã acústico’, mas os machos podem viajar entre grupos e podem até pertencer a mais do que um, recorrendo a vocalizações variadas.

Apesar de pouco se saber ainda como as diferenças acústicas podem criar, manter e fortalecer culturas e laços culturais, os cientistas consideram que essas diferenças podem observar-se ao nível dos padrões de caça dos cachalotes, recorrendo a técnicas distintas para capturarem as presas.

Assim, e reconhecendo que há ainda um longo caminho a percorrer para que possamos perceber, mais claramente, o que significam esses ‘codas’ identitários e como influenciam as dinâmicas sociais dos cachalotes, os autores do estudo acreditam que os dados recolhidos permitirão criar uma base sólida para um melhor entendimento de como os vários ‘clãs’ se organizam e como os seus elementos interagem dentro do grupo, e como os vários grupos se podem interrelacionar.





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