Cientistas descobrem como principal corrente do Atlântico pode colapsar e agravar alterações climáticas
A corrente termoalina meridional do Atlântico, ou AMOC, na sigla em inglês, é um sistema de correntes oceânicas que transporta água quente dos trópicos até ao Atlântico Norte e, no sentido contrário, leva água fria do hemisfério norte para o sul. Por isso, de acordo com os cientistas, é “um mecanismo fundamental da regulação do clima da Terra”.
No entanto, um estudo publicado na revista ‘Nature’, desenvolvido por cientistas da Alemanha e um paleoclimatologista brasileiro da Universidade de São Paulo, revela que a AMOC já colapsou no passado, “devido a fatores naturais”, e que esse fenómeno teve um papel central no fim da última Idade do Gelo.
Cristiano Mazur Chiessi, um dos autores do artigo e professor da Universidade de São Paulo, explica que a análise de “sedimentos marinhos recolhidos entre o Canadá e a Gronelândia permitiram descobrir que, no passado, os glaciares que cobriam os territórios que agora correspondem ao Canadá e ao norte dos Estados Unidos libertaram quantidades colossais de icebergues no Atlântico, devido ao aquecimento da superfície do oceano nessa região”.
Essas gigantescas massas geladas, à deriva, derreteram e os sedimentos que transportavam, trazidos do continente, foram depositados no fundo do mar. A análise desses resíduos possibilitou, então, a reconstituição das temperaturas submarinhas que existiam na altura do desprendimento e degelo dos icebergues.
O grande volume de água doce que os blocos de gelo acrescentaram ao oceano modificou a própria composição química da água no hemisfério norte, o que teve “um impacto tremendo no clima global, porque a região entre o Canadá e a Gronelândia é uma parte particularmente sensível da AMOC”, explicam os cientistas.
“Esta corrente gigantesca transporta água superficial mais leve e quente do Atlântico Sul para o Atlântico Norte”, onde é libertado o calor para a atmosfera fria, tornando a água mais pesada e fazendo com que desça. A água depois é, uma vez mais, transportada para sul, chegando à Antártida, onde volta a subir à superfície, a aquecer, tornando-se mais leve e, assim, voltando a fazer o mesmo percurso até ao norte, detalha Chiessi.
Estima-se que a AMOC transporte 18 milhões de metros cúbicos de água por segundo, tendo capacidade para gerar “uma quantidade de energia massiva” 100 vezes superior à que é produzia pela central hidroelétrica de Itaipu, a segundo maior do mundo.
Os cientistas argumentam que a distribuição dessa energia no espaço influencia o clima em várias regiões do planeta. “A circulação vigorosa mantém o clima tal como o conhecemos, ao passo que o seu colapso causa uma redistribuição significativa da energia, alterando o clima.”
O estudo revela que, durante a última era glaciar, há cerca de 71 mil anos, a AMOC colapsou “várias vezes”, causando chuvas torrenciais no nordeste do Brasil e, inversamente, uma quebra acentuada da precipitação na Venezuela e no norte da Amazónia, segundo resultados de estudos anteriores conduzidos pelo investigador de São Paulo.
“Ao descobrirem que o aquecimento da superfície do Atlântico Norte em altas latitudes antecedeu a libertação massiva de glaciares do Canadá e da Gronelândia, os investigadores conseguiram estabelecer a sequência de eventos responsável pelo colapso da AMOC”, avança, em nota, a Fundação de Ampara à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Tudo começa com o enfraquecimento abrupto da AMOC, que faz com que as águas mais profundas aqueçam no Atlântico Norte. Isso faz com que os icebergues se desprendam e comecem a derreter, diminuindo a salinidade da água na região. A água doce é mais leve do que a água salgada, pelo que o derretimento dos icebergues impede que a água afunde, interrompendo o processo de circulação e fazendo, por fim, colapsar a AMOC.
“A AMOC é agora ameaçada pelo aquecimento global”, alertam os investigadores. À medida que aumenta a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, fruto das emissões geradas pelas atividades humanas, mais ameaçada ficará a AMOC e, dessa forma, maior será a probabilidade de ocorrer uma transformação radical do clima na Terra, com consequências potencialmente devastadoras para todas as formas de vida.