População mundial chega aos 8 mil milhões. Países mais pobres necessitam de mais ajuda, alertam ambientalistas
Esta terça-feira, dia 15 de novembro, a população mundial atingiu a marca sem precedentes dos 8 mil milhões de pessoas, segundo estimativas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), que descreve como “um momento importante na história humana”. Nesse quadro, levantam-se questões sobre a capacidade dos sistemas do planeta, já sob grande pressão, para responderem às necessidades de uma população humana em crescendo.
8️⃣ billion people.
8️⃣ billion possibilities.
8️⃣ billion reasons to #ActNow.Today marks an important moment in human history.
With the #GlobalGoals as our roadmap, let’s create the kind of world we want to leave to future generations. https://t.co/KqjVopQhfH #8BillionStrong pic.twitter.com/DUw7cqrCBZ
— UN Development (@UNDP) November 15, 2022
Em declarações à Green Savers, Ana Muller, da organização não-governamental do Ambiente (ONGA) Zero, explica que “a relação entre o crescimento populacional e o desenvolvimento sustentável é complexa e multidimensional” e que “o problema não é termos mais ou menos população mundial, mas sim as desigualdades nos comportamentos, estilos de vida e consumo dos recursos entre as várias regiões no mundo e entre estratos da população”.
A ambientalista argumenta que atualmente já são produzidos alimentos em quantidade suficiente para alimentar toda a população mundial, lamentando que cerca de um terço de toda a comida acaba no lixo. Assim, “o problema está na distribuição e acesso aos alimentos por parte da população mais pobre e no desperdício e níveis de consumo excessivo nas regiões ricas”, defendendo que “são necessárias mudanças” nos hábitos de consumo das nações mais industrializadas. Por isso, “o sistema de produção alimentar deve basear-se em modelos agrícolas sustentáveis que preservem o ambiente, e não num modelo predominantemente intensivo e de monocultura”.
Assim, poderá uma população humana cada vez maior ser um obstáculo ao combate às alterações climáticas? Ana Muller explica-nos que “não há correlação direta entre o tamanho das populações e as emissões” de gases poluentes, e que a forma como produzimos energia, como nos deslocamos e como consumimos é que, verdadeiramente, devem ser os focos de ação na proteção do planeta.
“Os países com o maior consumo de recursos naturais e materiais e pegada carbónica em termos totais e per capita são os países ricos, menos populosos e com baixas taxas de natalidade, e não aqueles onde a população está a crescer rapidamente”, defende Ana Muller, indicando que, por exemplo, “África representa 16% da população mundial”, mas é responsável por apenas 4% das emissões de carbono a nível global. Nesse âmbito, chama a nossa atenção para o facto de, em média, somente 10% da população dos países mais ricos produzir 50% do total de emissões.
Ainda assim, não deixa de reconhecer que o crescimento demográfico a um ritmo galopante “pode sobrecarregar os recursos em certas regiões e expor mais pessoas a riscos relacionados com o clima, especialmente em regiões menos desenvolvidas”, mas reitera que o aumento das emissões de poluição se observa “substancialmente” nos países mais desenvolvidos, “onde o crescimento populacional é menor ou está mesmo estagnado”.
No quadro das alterações climáticas, Ana Muller assinala que “o rápido crescimento populacional nos países menos desenvolvidos e o lento progresso no seu desenvolvimento também diminuem a capacidade de resposta e adaptação às ameaças ambientais emergentes, incluindo as causadas pelas alterações climáticas”. E é precisamente esse tema do financiamento da adaptação e mitigação das alterações climáticas por parte das nações mais pobres que tem dominado amplamente a agenda da cimeira mundial do clima, a COP27, que decorre em Sharm El-Sheikh, no Egipto.
No centro das negociações climáticas está também a questão da compensação dos países mais ricos aos congéneres menos desenvolvidos por perdas e danos sofridos devido aos impactos das alterações climáticas, porque embora esses sejam os que menos contribuem para a crise planetária que hoje vivemos, são frequentemente os que estão na linha da frente dos seus efeitos mais catastróficos, sendo alvos de fenómenos extremos como cheias e seca severa. “Por isso, é necessário os países com responsabilidades históricas na crise climática chegarem-se à frente e pagar as perdas e danos nos territórios e populações mais vulneráveis e sem responsabilidade nessa crise”, declara a ambientalista, salientando que se trata de uma questão de “justiça climática”.
Dessa forma, “os países mais desenvolvidos devem reconhecer as suas contribuições desproporcionadas para os danos ambientais globais e assumir a liderança na construção de um sistema económico mais sustentável em benefício das gerações futuras”, uma vez que “o crescimento contínuo da população faz com que seja ainda mais importante assegurar um desenvolvimento sustentável”. Para tal, os países mais pobres “vão precisar de assistência financeira e técnica para assegurar o acesso a fontes de energia limpa e sustentável que possam alimentar o crescimento económico e minimizar, ao mesmo tempo, os impactos ambientais”.
Relativamente à COP27, a Zero considera que “é necessário estabelecer objetivos para a agricultura, alimentação, água, natureza, linhas costeiras e oceanos”, e que isso só poderá ser alcançado através de uma articulação efetiva entre os setores público e privado.
Destacando que a presidência egípcia da cimeira elencou como eixos prioritários medidas como “a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis que podem fazer reduzir as emissões em um quinto ao mesmo tempo que o rendimento das terras aumenta”, “a proteção de 3 mil milhões de pessoas contra eventos meteorológicos extremos” e “a adoção de equipamentos de cozinha eficientes que substitua o uso da biomassa usada ainda por 2,4 mil milhões de pessoas para confecionar comida”, entre outros, Ana Muller diz que serão precisos, pelo menos, 300 mil milhões de dólares todos os anos para que esses objetivos sejam alcançados.
E é preciso que o financiamento climático não se cinja somente à mitigação, mas que também seja canalizado para esforços de adaptação das populações mais vulneráveis às alterações climáticas.
“É muito provável que cheguemos ao fim da COP sem fecharmos esta equação, mas ainda faltam alguns dias e esperamos que pelo menos nos aproximemos disso”, prevê a ambientalista.
Apesar de a cimeira ainda não ter chegado ao fim, ela destaca como pontos positivos os compromissos assumidos já pela Áustria, Escócia, Bélgica, Dinamarca e Alemanha para contribuírem “para um mecanismo de financiamento para perdas e danos”, mas ressalva que “países cruciais como os Estados Unidos da América” ainda não deram esse passo.
No entanto, Ana Muller sublinha que, de acordo com uma análise da organização Global Witness, “cerca de 636 lobistas na área dos combustíveis fósseis participaram ou vão participar nesta COP27, um aumento de 25% relativamente à COP26”, o que torna evidente a influência significativa que esse setor poderá ter nas negociações climáticas, numa altura em que, segundo Mahmoud Mohieldin, campeão de alto-nível das Nações Unidas para as alterações climáticas, estão em falta 2.400 mil milhões de dólares anuais em financiamento climático para ser possível alcançar as metas traçadas para 2030.